SOBRE O BLOG “CONTR’UN”

                                      SOBRE O BLOG 

O nome "Contr’un" é o outro nome do "Discurso da Servidão Voluntária" de Etienne de la Boétie inspirado na leitura anarquista do discurso da servidão voluntária que começa com Gustav Landauer. A idéia do Blog é basicamente uma homenagem a ele que reinterpreta o funcionamento do que seria ideologia em termos libertários a partir do texto de La Boétie, possibilitando também uma reinterpretação do que seria uma tradição libertária.

A questão da leitura da servidão voluntária, inicialmente rejeitada pelos anarquistas, passa a ser interessante para o entendimento do que é ideologia e alienação no contexto de uma análise que parte da imanência (Landauer e Deleuze) ou mesmo, como Clastres e Foucault de contra-estruturas que servem para a compreensão da natureza da subjetividade enquanto resistência. Passa-se à compreensão das lutas políticas e sociais como resistências que constituem subjetividades, ainda que tênues, algo como "rebarbas" que ligam as diversas formas de luta à idéia de resistência às estruturas de dominação, passando então à busca do que seria uma contra-estrutura que abrisse a possibilidade de constituição do sujeito contra uma determinação exterior (um dos sentidos da emancipação), relacionando-se a ela em um nexo que não distinguisse sujeito e objeto.


Sobre Gustav Landauer:
Landauer era uma anarco-comunista, filho de um sapateiro judeu (por curiosidade, Schumacher em alemão). Nascido no sudeste da Alemanha, interrompeu seus estudos em 1893, passando a trabalhar como jornalista autônomo da revista anarquista Die Sozialist e foi também orador e militante junto aos operários, soldados e desempregados, além dos jovens operários judeus, sobre os quais notou que algo estranho estava por acontecer.
Como pensador tem entre suas influências: Johann Wolfgang von Goethe, Leon Tolstoi, Johann Gottlieb Fichte, Pierre-Joseph Proudhon, Mikhail Bakunin e Piotr Kropotkin e foi amigo de Kropotkin e Martin Buber, mas também influenciou e atraiu em torno sua estranha aura Walter Benjamin, Gershom Scholem, Ernst Bloch e Karl Mannhein (e hoje Michel Löwy) além de ter inspirado a idéia dos primeiros kibutz, ainda que discordasse, como conselhista, de uma relação com um Estado que expropriasse territórios. Obviamente, para Landauer, a idéia é de que fosse uma comuna contra a perseguição dos expropriados e que estes não expropriassem os outros.

Atuou muito como crítico literário e como tradutor, traduzindo para o alemão La Boetie, Bernard Shaw, Proudhon, Kropotkin e do alemão arcaico para o moderno as obras de Meister Eckhardt.  Junto com sua companheira Hedwig Lachmann, traduziram juntos, Oscar Wilde, Walt Whitman e Shakespeare. Suas traduções se tornaram famosas em língua alemã tendo apenas comparação com as que Benjamin realizou de Baudelaire e Proust.
 
Politicamente ele se torna Comissário do povo sobre os assuntos de cultura na efêmera República dos Conselhos da Baviera. Com a derrota da Revolução em Munique ele será preso e brutalmente assassinado pela contra-revolução bávara em 1919. Landauer não foi  apenas radicalmente hostil ao Estado burguês, mas também a toda e qualquer forma de governo centralizado. Para ele, o mundo capitalista é um universo corrompido e decadente, "de uma sinistra feiúra".

GUSTAV LANDAUER – Sobre La Boétie
Extraído de “Opression et Liberté”, Gallimard, 1955, p.186-193
 

"A força social não existe sem a mentira. Assim tudo aquilo que há de mais elevado na vida humana, todo esforço do pensamento, todo esforço do amor é corrosivo para a ordem. O pensamento também pode, à justo título, desvanecer de um lado como  revolucionário ou de outro como contra-revolucionário. Para tanto ele constrói sem cessar uma escala de valores "que não são deste mundo", ele é o inimigo das forças que dominam a sociedade. Mas ele não é mais favorável aos empreendimentos que tendem a perturbar ou a transformar a sociedade, antes mesmo de ter conseguido êxito, devem necessariamente implicar entre eles que se dediquem à submissão do maior ao menor homem, o desdém dos privilegiados com a massa anônima e a manutenção da mentira. O gênio, o amor, a santidade merecem plenamente a reprovação que se faz a eles muitas vezes por tender a destruir aquilo que existe sem nada construir em seu lugar. Quanto àqueles que desejam pensar, amar e transportar toda pureza para a ação política naquilo que inspira seu espírito e seu coração, eles não podem senão parecer violentos, abandonados, mesmo pelos seus, desvanecidos, antes da morte, pela história, como fizeram os Gracos.     

Resulta disto, de uma tal situação para todo homem amoroso do bem público, uma separação cruel sem remédio. Participar, mesmo de longe, dentre o jogo de força que movimenta a história, não é mais possível sem sujar-se ou condenar-se já de início à derrota. Se refugiar dentro da indiferença ou dentro de uma torre de marfim não é mais possível, não sem muita inconsciência. A fórmula do "menor mal", tão descrita pelo uso que faz dela a social-democracia, permanece então como a única ação aplicável, sob a condição de aplicá-la com a mais fria lucidez.

A ordem social, embora necessária, é essencialmente ruim, não importa qual seja. Não podemos acusar aqueles que são esmagados por ela de miná-la o quanto eles possam. Quando eles se resignam, não é por virtude, é, ao contrário, sob o efeito de uma humilhação que se apagam neles as virtudes viris. Não podemos mais reprovar que se organizem para se defender, nem representá-los como formando uma conjuração contra o bem geral. As lutas entre cidadãos não vem de uma falta de compreensão ou de boa vontade; elas têm a natureza das coisas e não podem mais ser aliviadas, mas somente asfixiadas pelo constrangimento. Para qualquer um que ame a liberdade, não é desejável que desapareçam."


 

Landauer sobre o dinheiro:
 "O dinheiro é artificial e é vivo, o dinheiro produz dinheiro e mais dinheiro, o dinheiro tem todo o poder do mundo. Quem não vê, quem ainda hoje não vê, que o dinheiro, que o Deus não é outra coisa senão um espírito oriundo dos seres humanos, um espírito que se tornou uma coisa (Ding) viva, um monstro (Unding), e que ele é o sentido (Sinn) que se tornou louco (Unsinn) de nossa vida? O dinheiro não cria riqueza, ele é a riqueza; ele é a riqueza em si; não existe outro rico além do dinheiro".

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