7. " O pequeno grande homem"
Deixando de lado as implicações inconscientes de maior alcance, verifica-se que o expediente do mensageiro pertence a uma estrutura de propaganda fascista muito mais geral. Ele indica uma constelação característica do conjunto das relações existentes entre o locutor e sua audiência. Representando a integração psicológica de sua audiência como um todo, o agitador é ao mesmo tempo fraco e forte; fraco, na medida em que cada membro da multidão é concebido como um ser capaz de identificá-lo como o líder que, por isso, não deve ser muito superior ao seus seguidores; forte, na medida em que representa o poderio de uma a coletividade que é alcançada através da unificação daqueles a quem ele se dirige. A imagem que ele exibe de si mesmo é a de um "pequeno grande homem" com um toque de incógnito, daquele que percorre os mesmos caminhos de toda a gente sem ser reconhecido mas que, enfim, se revela ser o salvador. Ele quer ao mesmo tempo identificação íntima e distância adulatória; por isso sua figura é propositalmente contraditória. Contando que as memórias sejam curtas, ele se baseia muito mais na divergência das disposições inconscientes, as quais ele apela de acordo com a ocasião, do que em convicções racionais realmente consistentes.
Existem duas grandes evidências específicas em relação ao expediente do pequeno grande homem. A primeira é a atitude thomasiana em relação ao dinheiro, ou a maneira como ele fala de suas preocupações financeiras. Até onde se sabe, Thomas não possui um esquema de sustentação financeira mais forte, apesar de o papel que ele desempenhou na campanha Merriam-Simclair (assim como outros fatores) sugira que ele não carece totalmente de importantes patrocinadores. Mesmo que seja verdade que ele tenha de se sustentar com base em pequenas contribuições, oferecidas pelos seus ouvintes, a maneira como ele fala sobre o dinheiro é extraordinária. A total falta de apreço pela dignidade libera-o para a toda a hora pedir dinheiro. Em seu caminho, não existem os escrúpulos religiosos que poderiam impedi-lo de misturar religião e finanças do modo que o faz, isto é, um modo que seria revoltante para qualquer pessoa religiosa. Todos as suas falas são temperadas com pedidos desavergonhados e chorosos de fundos. Alguém poderia dizer que ele faz o papel de pedinte. Este hábito era comum no período de ascensão do nacional socialismo, particularmente entre 1930 e 1933, quando o partido, por vezes atritado com seus patrocinadores, coletava dinheiro de rua em rua. Técnica idêntica também é aplicada por outros agitadores anti-semitas norte-americanos. Seria estreiteza de visão subestimar o valor psicológico dessa atitude mendicante. Geralmente as pessoas estão prontas a atribuir um alto valor às coisas pelas quais elas fazem sacrifícios financeiros. O dinheiro funciona como um vínculo, mas isso não explica o suficiente porque o líder arregimentador, em flagrante contraste com sua idéia de grandeza, joga com a condição de pedinte. Homens ambiciosos, como Thomas ou Phelps, por certo estão mais interessados em sua carreira política do que em seus modestos ganhos financeiros; e por certo sabem o que estão fazendo quando reiteram seu pedidos de cents e dólares. A tentativa de explicação deveria ser buscada no sentimento universal de insegurança das massas no presente estágio econômico. Excetuando-se os muito ricos, ninguém mais se sente senhor de sua fortuna econômica mas, ao contrário, como objeto de forças econômicas superiores muito grandes, que atuam cegamente. Cada um sente que, de algum modo, está a mercê da sociedade; o espectro do pedinte se agiganta por detrás do imaginário psicológico de cada indivíduo. O agitador fascista lida com essa disposição. Assumindo a atitude do pedinte, ele não só parece se colocar no mesmo caminho daqueles a quem ele se dirige: psicologicamente, ele toma para si a tarefa de pedir, de sofrer a humilhação do qual seu seguidor tem medo para, assim, redimi-lo simbolicamente da vergonha de ser um pedinte, ao fingir que assume essa função de modo vicário e santificado.
Em relação a Thomas, a postura de pedinte via de regra assume o aspecto de uma chantagem emocional, não muito diferente da técnica "Ablass" empregada pela Igreja Católica Romana nos primórdios da Era Burguesa. Indiretamente ao menos, ele sugere que, ajudando-o a pagar suas contas, se pode comprar o reinos dos céus.
"Conservamos um registro acurado de cada dólar que é dado a este movimento, por isso conhecemos exatamente cada penny que entra, de onde vem e para onde vai o dinheiro. Eu convoco o espírito divino para falar direto a seu coração, agora que você tem parte neste grande movimento que se espalha pela América. Relembre que nós precisamos pagar nossas contas, as contas da rádio e do escritório." (23/5/35)
Evidentemente, Thomas conta com a complicada atitude psicológica que a maioria das pessoas tem com o dinheiro – um vestígio da má consciência que elas sentem por tudo o que é seu – em suas tentativas de desviar "a parte de Deus" para seus próprios bolsos. Ele também apela ao espírito de barganha ao qual são sensíveis os americanos, ao sentimento de que tudo tem seu devido preço, de que tudo pode ser expresso em termos de seu equivalente financeiro. Convém notar que essa é a linha seguida pelos anunciantes de sopas, que esperam que as donas de casa comprem seu produto em troca das novelas que eles lhes patrocinam. Em Thomas essa idéia se combina com o expediente da infatigabilidade. "Eu estou sacrificando cada onça de minha energia cerebral nesta grande causa. Eu penso se poderia apelar a vocês, para que algumas pessoas me enviem U$ 10" (25/5/35). Ainda mais importante, porém, é o fato de que ele não só suplica por dinheiro mas também fala o tempo todo sobre suas dificuldades financeiras, e não se contém em descrever a si mesmo como alguém que se comprometeu com obrigações financeiras maiores do que as que realmente pode bancar. Por isso, ele precisa da ajuda de seus seguidores, que [parecem] capazes de extrair uma formidável satisfação da sua disponibilidade em ajudar o pequeno grande homem que possui as suas mesmas preocupações. Afinal, assim, eles podem até mesmo se considerar seus superiores financeiros, e seu reconhecimento de que não sabe agir com dinheiro pode servir de apelo aos instintos predatórios de seus seguidores.
A estratégia de propaganda thomasiana é pois uma mistura típica, em que se conjugam a pomposidade de um homem que tem de dirigir grandes negócios e o choro dos desapontados. A seguinte citação é característica de sua forma de se posicionar:
"Eu vejo uma crise desta missão no futuro. Minha secretária financeira apresentou ontem a fatura da tipografia, contratada durante o mês de maio, e que chega a U$ 800. Confesso que não sabia o quanto as contas acumularam. Descobri que naquele mês nos enviamos quase 100 mil cópias de todo o tipo de literatura. Durante o mês de maio as contas de impressão e correios nos custaram somente 20 dólares. Agora eu tenho de tomar uma decisão e escolher uma ou outra coisa. Eu tenho de fazer um apelo muito definido no sentido de que vocês me ajudem a reduzir o valor dessa conta, ou vou ter de parar de uma vez com o correio. Sem dúvida, eu não poderei mandar mais nada até que esta conta seja paga. Eu não posso deixar esta conta acumular. Eu não penso que esta seja a vontade de Deus. Eu a desconheço. Eu não havia percebido que a fatura de impressos de maio, a mais alta na história deste movimento, tinha chegado a tanto. É claro que nós agradecemos a Deus por isso. Isso indica a extensão deste movimento, mas também indica, meus queridos, que nós todos devemos nos ajoelhar esta manhã e fazer deste assunto o principal pedido da oração do dia "4/6/35).
Thomas, como se fosse um executivo, alude à sua secretaria financeira e a sua necessidade de U$ 800. Traduzido em termos psicológicos, isso pode significar: "Eu tenho mais poder do que dinheiro".
A mistura de grandeza e insignificância não se limita porém apenas às matérias monetárias. A atitude pessoal inteira de Thomas oscila entre as matérias práticas, menores e cotidianas e as proclamações grandiosas, reunidas sem qualquer processo lógico intermediário. As matérias são simplesmente identificadas umas com as outras, de modo que mesmo o mais pobre dos ouvintes pode se sentir elevado em seu status no campo das idéias. Nem Thomas nem os ouvintes se preocupam com a maneira como suas limitadas existências privadas se comunicam com as esferas da abstração social e religiosa. Aparece aqui um travesti de pensamento, retirado da velha tradição teológica, que é manipulado com a finalidade de tirar vantagem da sisudez bitolada e desiludida dos pobres, através da transposição de certas idéias altissonantes a seu imaginário […].
A técnica se aplica até mesmo ao conceito de vida eterna, ao ser concebida para o pequeno grande homem que tem medo de todo o tipo de doença. Com ela, a eternidade se torna uma espécie de seguro de vida:
"Agora, você sabe o que é a vida eterna ? Ela significa sempre e sempre. Significa uma vida que não tem fim. Significa uma vida onde não haverá morte. Significa uma vida onde não haverá doença. Significa uma vida onde não haverá sofrimento". (24/5/35)
Como essas promessas são totalmente irrealizáveis dentro da sociedade existente e, portanto, escapam a qualquer controle racional, Thomas torna-as tão pródigas o quanto são os devaneios da criança na qual ele deseja transformar seus ouvintes.
"A vida eterna significa que você e eu, cada homem e cada mulher que aceita o Filho do Deus vivo viverá dezenas de milhares de anos, dezenas de milhões de anos, dez bilhões de anos, dez trilhões de anos. E você pode multiplicar por dez todas essas grandezas. Significa no todo as épocas de todas as épocas. Isso não vale a pena ?" [7](24/5/35)
Lembremos que Himler, em um discurso famoso, predisse que o Terceiro Reich duraria de 20 a 30 mil anos. Vangloriar-se com trilhões de anos de vida e, então, perguntar humildemente se não vale a pena é a mais perfeita expressão da idéia do pequeno grande homem, da qual deseja se valer Thomas. Ele combina as idéias de trilhões de anos com as de um bom investimento. Ele é o corretor confiável, que dispõe da eternidade.
O expediente do "pequeno grande homem", a mistura de sublimidade e sobriedade, combina-se também com o expediente da infatigabilidade numa sentença que revela total desprezo para com qualquer senso de proporção:
"Roguem a Deus para que ponha no coração e mente desta grande audiência a idéia de que eles [?] não terão paz, noite e dia, até que todos mandem buscar essa literatura vital que nós expedimos sem encargos" (24/5/35).
Thomas estabeleceu uma relação psicológica imediata entre a paz de espírito e a demanda de seus pequenos panfletos. Somente sendo incansável ao pedir esta literatura vital tem-se alguma chance de se conseguir dormir.