6. O expediente do "mensageiro"
Existe uma última característica específica que Thomas aplica a si mesmo e que é especialmente valiosa de notar, na medida em que, embora abertamente contradiga a imagem do líder, é provável que, em sentido mais profundo, seja intrinsencamente conexa ao tipo de liderança fascista. Trata-se da idéia de que o locutor não é em si mesmo o salvador mas somente o seu mensageiro. Nas falas de Thomas, o esquema do mensageiro é tomado do arsenal teológico, do papel de São João Batista.
"João tinha bom senso o bastante para saber que ele não podia ocupar aquele lugar. Reconheceu que ele tinha seu próprio dom, mas não ia caminhar à luz da cruz de Jesus. Eis uma formidável verdade que você e eu precisamos reconhecer e obedecer. Se essa mensagem que estou dando hoje glorifica Martin Luther Thomas ou qualquer outro ser humano, está destinada ao fracasso. Mas se esta mensagem da grande Cruzada Cristã americana eleva o filho de Deus, o movimento será vocacionado para o sucesso. … Eu não sei quais são os talentos mundanos que você possui. Talvez você seja apenas um mensageiro. Hoje ser um mensageiro é a melhor coisa do mundo. Hoje, eu sou um mensageiro de Deus. Você também é" (23/5/35).
Nosso interesse em relação ao ponto não é a bem calculada confusão entre assuntos espirituais e mundanos – a cruz de Jesus e a Cruzada Cristã Americana. Preocupamo-nos com a idéia de mensageiro e a afirmação thomasiana de que ele é um profeta muito mais do que a resposta às expectativas que ele desperta. Isso pode parecer um aspecto acidental deste agitador em particular, tendo pouco em comum com a essência da propaganda fascista, onde se espera que o próprio líder trabalhe pela salvação. Porém não deveria ser ignorado que, nos primeiros dias dos nazismo, Hitler também empregou o expediente do mensageiro, chamando-se de mero tambor ("Ich bin nur der Trommler"). A razão óbvia desse expediente é, obviamente, que muitos líderes fascistas eram originalmente muito mais propagandistas do que verdadeiros políticos – o que é em si mesmo um aspecto significativo de nossa atual sociedade, onde as fronteiras entre o real e o propagandeado tem se tornado tão volúveis. Entretanto, existe aqui o envolvimento de uma questão psicossociológica mais profunda. Uma referência ocasional a seu pai feita por Thomas pode jogar alguma luz sobre a mesma : "Meu pai foi um homem muito cerebral. Desafortunadamente, seu filho não herdou nenhum de seus nervos cerebrais" (29/5/35). A humildade irônica e propagandística assim exposta mal esconde o antagonismo do locutor com seu pai (um antagonismo que aparece em outras passagens, particularmente quando Thomas contrasta seu fervor religioso com o suposto agnosticismo paterno). Mein Kampf não deixa dúvida de que Hitler também tinha severos conflitos práticos e psicológicos com seu pai. Dificilmente ousaríamos demais interpretando o expediente do mensageiro ou tambor como expressão do desejo de o locutor se apresentar como a imagem do filho, como o que ainda não é "o homem" em si mesmo [4]. Casualmente, a ênfase no contraste do conceito de Filho em oposição ao do Deus Pai é um dos principais pontos dos contorcionismos teológicos de Thomas. O Agitador que deseja que os seguidores o imitem e com ele se identifiquem apresenta-se não só como seu superior, como um homem forte, mas ao mesmo tempo como o contrário. É fraco como eles os são; é aquele que, antes de redimir, precisa ser redimido. Em resumo, é um filho sujeito a autoridade paterna, dependente e colocado a serviço de algo bem maior do que ele mesmo [5]. A entidade maior assim referida todavia não é mais o pai. Embora vaga e totalmente indefinida, todos os estímulos indicam que se trata da coletividade formada por todos os "filhos" reunidos pela organização fascista. Isto é uma coletividade em cujo poder se pretende que possa haver uma compensação psicológica pela fraqueza de cada elemento individual. A imagem do agitador fascista não é mais paternalista. O fato reflete o declínio da família como unidade econômica independente e auto-sustentada na presente fase de desenvolvimento social. Na medida em que o pai deixa de ser o mantenedor da vida familiar, também deixa de ser representar a agência social mais importante psicologicamente. Stalin possui algo do patriarcalismo oriental. Em Mussolini os aspectos patriarcais são levemente sugeridos. Em Hitler e sua imagem coletiva eles estão totalmente ausentes. Hitler representa antes de mais nada o filho rebelde e neuroticamente debilitado, que tem sucesso por causa dessa debilidade, que lhe permite confundir-se com seus iguais dentro do movimento. Líder fascista é o que adquire poder a medida em que "desiste de si mesmo" e se rende à coletividade: ele deriva sua autoridade dessa última, representando-a em todas as expressões simbólicas de sua responsabilidade. A tendência a salientar que ele não é o salvador, mas apenas o seu mensageiro ou representante, é um sinal disso. Apelando sobretudo a pessoas de classe médias com forte perfil cristão, Thomas é, como um todo, mais patriarcal do que os mais eficientes tipos de líderes fascistas. Convém notar porém que isso não o torna menos perigosos, já que suas qualificações específicas permitem que afete grupos sociais que de outro modo seria muito difícil de atingir através da propaganda [6]. Entretanto ele não pode dispensar totalmente o caráter filial do fascismo, como se pode ver em suas declarações de humildade, sua devoção a algo maior do que si mesmo e suas condição de mero mensageiro do que está por vir. O verdadeiro ardil psicológico do fascismo consiste no fato de que, através de certos mecanismos inconscientes, o mensageiro é transformado naquele a quem se supõe que ele anuncia