O Brasão da Universidade de São Paulo

O Brasão da Universidade de São Paulo  

            Quando se começou a construir a torre da praça do relógio, tudo estava muito em ordem; e talvez a ordem fosse excessiva; pensava-se demais em indicadores de caminhos, intérpretes; alojamentos para trabalhadores e rotas de enlace, como se se dispusesse de séculos e outras tantas probabilidades de trabalhar livremente. A opinião então reinante chegava até a estabelecer que toda lentidão para construir seria pouca; não era preciso exagerar muito esta opinião para retroceder ante a própria idéia de pôr as bases. Argumentava-se deste modo: em todas as empresas ganhadoras da licitação, o positivo é a idéia de construir uma torre que chegue ao céu e se veja de toda parte.

            Diante desta idéia o resto é acessório. Uma vez captado o pensamento em toda sua grandeza, não pode desaparecer já: enquanto existem os homens, perdurará o desejo intenso de terminar a construção da torre com seu relógio. Neste sentido não há o que temer pelo futuro, pois antes do mais, o saber da humanidade vai em aumento, a arte da construção fez progressos e fará ainda outros novos; um trabalho para o qual necessitamos ainda um ano, será realizado dentro de um século, talvez em apenas seis meses e, por acrescentamento, melhor e mais duradouramente.

            Por que esgotar-se, pois, desde já até o limite das forças? Isso teria sentido se fosse possível esperar que a torre fosse construída num lapso de uma geração.

            Isto, contudo, de nenhum modo era dado acreditá-lo. Pois bem, poderia pensar-se que a próxima geração, com seus mais amplo saber, haveria de achar mau o trabalho da geração precedente e que teria de demolir o construído para tornar a começar. Pensamentos deste gênero paralisavam as forças, e a edificação da universidade a partir da perspectiva de suas categorias componentes deslocava a construção da torre.

            Cada grupo regional queria possuir o bairro mais formoso, pelo que sobrevieram regras que redundaram em sangrentos combates. Estas lutas eram incessantes; o que serviu de argumento aos burocratas para que, por falta da necessária concentração, a torre fosse erguida muito lentamente, ou, melhor ainda, apenas ao fim de estipulada uma paz geral. Mas não se perdeu tempo tão somente em combates, pois durante as tréguas se embelezou a universidade, o que deu origem a novas invejas e novas lutas. Assim transcorreu o lapso da primeira geração, mas nenhuma das que seguiram foi diferente; apenas a destreza ia em aumento constante e, com ela, a sede de luta. A isso veio somar-se que a segunda ou terceira geração reconheceram a insensatez da construção da torre, mas os vínculos mútuos eram já demasiado fortes como para que se pudesse deixar o campus. Tudo quanto está entroncado com a lenda e a canção que surgisse na universidade está cheio da nostalgia para o anunciado dia no qual o campus seria aniquilado por cinco breves golpes de espada sucessivamente descarregados sobre ela por um punho gigantesco segurando uma espada. Por isso tem a universidade no brasão um santo num trono que nos incita a rezar e dois outros brasões, um com um punho, outro com uma espada.

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