SÃO PAULO LIVRE DOS ATIVISTAS ?

SÃO PAULO LIVRE DOS ATIVISTAS ?
Douglas Anfra
 

«São poucos, porém são… Abrem sulcos escuros
no rosto mais fero e no lombo mais forte.
Serão talvez os potros de bárbaros átilas;
ou os arautos negros que nos manda a Morte.
[…]
Há golpes tão fortes na vida … Eu não sei!
»
César Vallejo
(poeta que dá nome à rua onde ocorreram os principais incidentes do despejo da favela Real Parque)

 
O
Estadão chama a Paulista livre dos grevistas: advertência a todos
os movimentos sociais

O
Estadão [designação corrente do jornal O Estado de S. Paulo] já
pedia a “Paulista livre dos grevistas” no ano passado, pois, se o
PSDB [Partido da Social-Democracia Brasileira, do antigo presidente
Fernando Henrique Cardoso, cujo símbolo é o tucano] é deles e São
Paulo é do PSDB, nada mais justo que a Avenida Paulista ser
considerada dos tucanos do PIG (batizado pelo jornalista Paulo
Henrique Amorim de Partido da Imprensa Golpista), e que possa ser um
dia rebatizada de Avenida da Imprensa Golpista que, somada à Avenida
Roberto Marinho, poderia ser uma segunda homenagem aos apoiadores da
ditadura capitalista monopolista. (Veja aqui.)


E agora,
finalmente, regozijam-se em seu editorial com uma punição que
chamam de exemplar sofrida pela APEOESP [Sindicato dos Professores do
Ensino Oficial do Estado de São Paulo] por causa de um ato com 10
mil pessoas em 5 de outubro de 2005. A multa inicialmente era de 156
mil, mas quando o sindicato recorreu, a multa subiu e desceu entre os
juízes estabilizando em 1,6 milhão. Neste mesmo texto exemplar
notamos o apelo do Estadão que reflete de todo o PIG:

“a
decisão da 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP deve servir de
advertência a todos os movimentos sociais, organizações
não-governamentais e entidades corporativas que insistem em bloquear
ruas e avenidas importantes da cidade para realizar passeatas e atos
de protesto, dificultando o tráfego e prejudicando a circulação
dos paulistanos.” (Veja aqui.)


Podemos
notar algo de mais profundo quando olhamos o conjunto desta
manifestação de asco pelos que se insurgem em prol do direito da
normalidade dos negócios da cidade. Prerrogativa dos que chamam a
ordem pública para a anulação de direitos dos que se manifestam,
onde sua ordem reflete não apenas o trânsito dos carros e a avidez
por lucro segundo um tipo de espírito capitalista desumano, que
defende o direito de ir e vir apenas do cidadão de automóvel. Neste
sentido parece estar pressuposto um conjunto de modificações
políticas que inviabilizem as diversas formas de associação, lazer
público e protesto.


Sindicatos

Tal
modo de tentar quebrar um sindicato não é novidade, iniciou-se com
Fernando Henrique Cardoso, que utilizou intervenção do exército
nas refinarias no começo dos anos 90 para pôr fim à greve dos
petroleiros. Enquanto fazia isto, iniciava o processo de privatização
das refinarias, que posteriormente gerou a base financeira dos
investidores brasileiros da bolsa que brincavam de banco imobiliário
(como o PIG), enquanto entubavam o povo boliviano com o gasoduto e
quebravam o monopólio estatal do petróleo que constava da
constituição de 1988.

No final
da greve, junto com o então ministro do TST, Almir Pazzianoto,
aplicaram uma multa que destruiu a capacidade de mobilização de uma
das maiores federações de sindicatos brasileiras. Golpe de mestre
de um antigo estudioso de sociologia que estudou também os
trabalhadores junto com Florestan:

“Foi o
TST que declarou a greve ilegal — e que puniu os 21 sindicatos com
uma multa de R$ 100 mil por cada dia dos 21 em que a decisão foi
desrespeitada. Houve quem achasse que iria acabar em pizza — mas o
fato é que a decisão está sendo cumprida à risca. Cada Sindipetro
está devendo R$ 2,1 milhões — e a cobrança judicial, além de
determinar o bloqueio das contribuições sindicais (R$ 80 mil
mensais no caso de Cubatão) e das contas bancárias, ainda
determinou a penhora de todos os bens. Os petroleiros lutaram, e
continuam lutando, para livrar-se do pagamento da dívida — uma
decisão que consideram política e que não reconhecem. No plano
estritamente financeiro, para driblar o confisco, reduziram as
contribuições sindicais descontadas em folha pela Petrobrás a
simbólicos R$ 0,1. Passaram, então, a recolher os 3% de praxe no
boca a boca nas portas das refinarias — e daí o “mendigando”
de Averaldo. Não recolhem os R$ 80 mil, ouvem alguns desaforos, mas
têm conseguido arrecadar entre R$ 50 mil e R$ 60 mil, o que permite
pagar a folha dos 47 funcionários e dos 14 demitidos em conseqüência
da greve.

No plano
político, os petroleiros tentaram uma anistia via Congresso.
Conseguiram a unanimidade da Câmara e a quase unanimidade no Senado
— mas amargaram o veto implacável do presidente Fernando Henrique
Cardoso. Têm como último recurso a derrubada desse veto via
Congresso e o julgamento de um recurso extraordinário que impetraram
junto ao Supremo Tribunal Federal. “É tudo que nos resta”, diz
Averaldo, consciente de que os bens penhorados, incluindo a bela sede
avaliada em quase R$ 2 milhões, podem realmente ir à praça, para
serem vendidos em leilão.” (Veja aqui.)

Este
caminho parece estar sendo seguido por seu amigo Serra, que foi
presidente da UNE [União Nacional de Estudantes]. Tudo bem, sabemos
que a UNE é o que é. Sabemos que uma das primeiras medidas do Serra
quando presidente dela foi acabar com o alojamento para militantes em
encontros na sede da UNE do Rio (esquerda mesmo, ele nunca foi, nem
quando era da Ação Popular). Mas ele sabe o que é Movimento
Estudantil, foi cassado e fugiu para o Chile, viu a destruição da
Frente Popular que o hospedou e fugiu outra vez para a França, e
hoje ajuda a desmobilizar estudantes e a classe trabalhadora. Após
aprender a lição de Pinochet, seu ataque agora é contra a APEOESP
[Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo]
e o sindicato dos Trabalhadores da USP [Universidade de São Paulo]
com pesadas multas e perseguição política.

Um grande
sindicato como a APEOESP, mesmo recuadinho na direção, ainda tem
capacidade de mobilização e militantes de base tão bons e
imaginativos como o prof. Tonhão, demitido e abandonado pela
entidade, mas que deixou seu exemplo e um grande número de
associados, por isso, este sindicato ainda apresenta uma
possibilidade de movimento que deve ser reprimida.

Junto com
esta carga violenta vem o “interdito proibitório”, recurso
jurídico do direito civil utilíssimo aos patrões exploradores,
afinal, que coisa pode ser melhor que um mandato de reintegração de
posse preventivo, isto é, sem que se tenha tomado posse ou existido
qualquer indício material de ameaça? Este recurso serve para
combater o sindicato antes de qualquer ação que ele faça, pois
presume graciosamente que este possa vir a agir de modo radical, a
ocupar, a mudar o sentido do uso político de um bem determinado
privado ou público, comparando qualquer serviço ao serviço privado
bancário.

Esta
jurisprudência, que só muito forçosamente pode ser aplicada a
outros contextos, é outra das grandes ameaças aos sindicatos de
hoje, que faz os escritores do editorial dos jornais e seus amigos
dormirem cada vez mais felizes e tranqüilos, pois os protege
inclusive contra seus próprios funcionários ao pressupor que estes
possam vir a agir algum dia. A ordem está garantida aos patrões e
as únicas greves serão de pijama. Mas, do modo como a coisa anda,
tais questões não poderão ser discutidas nos bares ou mesmo em
casa de pijamas.

Repressão das associações, da juventude e do lazer

"O jovem é o mais velho exemplar da humanidade. Pesa-lhe a herança dos conhecimentos acumulados; pesa-lhe o desafio do que não foi conquistado; a inadequação entre o idealismo e o egoísmo prático."
Paulo Mendes Campos

Como
vimos, para os sindicatos: multas, quebras, perseguição e interdito
proibitório, enquanto para os jovens que podem se indispor com o
controle e se insurgir: toques de recolher e até proibição do
lazer, pois nada aberto sobrará, pois bares fecham pela lei do Psiu.
Só aos boys, Patis e Mauricinhos sobrará a liberdade de lazer, ao
entrar em eventos bem pagos e no Rio de Janeiro, como exemplo, até
mesmo o baile funk no morro é proibido.

Hoje os
espaços sociais de produção do prazer ou lazer são restritos a
áreas privadas que detém um progressivo monopólio privado do
lazer. O lazer passa a ser proibido em áreas públicas. Todos
deverão ficar em silêncio ou ir para a igreja.

Quebra-se
até mesmo o tênue equilíbrio da periferia, onde muitas pessoas
desde a juventude à velhice vagam tendo de ir atrás de “corres”
e “fitas” sem emprego e sem transporte, orbitando entre o boteco,
a igreja, o campinho de futebol e o baile. Quando não a “boca”,
ou “biqueira”, serve de mediação de conflitos (onde ocorre o
“debate”) e de possibilidade de um bico para arranjar um
“trocadinho” para consumir o que a TV diz que é bom. E por que
não, talvez um carrinho que dê a chance de dar um role por ali
mesmo, onde muitas vezes falta o “buzão” [autocarro]?

Nesta
mudança das formas de convívio, apesar de ter restado à escola ser
o palco das primeiras atividades de socialização (ou talvez das
únicas dentro da lei), a escola cada vez mais deixa de se parecer
com o cárcere para se tornar efetivamente um, graças aos convênios
entre a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria da Educação
,
pois se deu certo na USP manter a Polícia Militar, por que não
abrir espaço à repressão em todas as escolas do estado? A PM
protege a instituição contra o aluno e o professor, como aqueles
professores perseguidos nominalmente pelas delegacias de ensino e às
vezes expressamente pelo palácio dos Bandeirantes (Sede do governo
do estado). Muitas escolas até mesmo mandam espiões para as
reuniões de professores em greve, como vi pessoalmente em ato da
APEOESP.

Se
observamos a periferia, mesmo os campinhos de futebol, muitas vezes
áreas “nobres” das periferias em pontos planos, estáveis e
elevados, são os primeiros locais tomados pela especulação
imobiliária quando ela chega, impossibilitando até mesmo estas
áreas de lazer, que definem um dos únicos espaços de utilidade
pública nestes locais. Os CEUs se tornam progressivamente escolas e
deixam de ser palco de atividades esportivas e culturais. Mesmo o
grafite e as atividades de hip hop só se tornam possíveis em
espaços cooptados nas áreas centrais da cidade. Grafiteiros deixam
os muros para as galerias e quem freqüenta depois estes espaços?
Novamente, só Patis e Mauricinhos melhor ou pior intencionados.

Do mesmo
modo, quaisquer aglomerações parecem estar sendo vigiadas e
reprimidas, mesmo as torcidas organizadas, como ocorre com a
contenção de todas as reuniões de pessoas que possam vir a se
politizar. Um exemplo é a situação que passaram os membros do
movimento da Rua São Jorge quando jogados pela polícia no meio da
torcida rival.

Com
efeito, não negamos que a “sublimação repressiva” exista, isto
é, que haja uma quantidade socialmente segura de prazer e lazer que
o sistema repressivo capitalista permita para manter as pessoas
felizes num nível administrado, nem que as regras de repressão como
a que vige sobre as drogas e outras formas de entorpecimento tenham
validade maior ou menor conforme a classe social dos envolvidos.

Os
filósofos Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Guy Debord escreveram
muitas páginas sobre como o capitalismo cria uma indústria para
lucrar com o homem fora do trabalho e controlá-lo. Fazer com que ele
se sinta passivo e contemplativo, numa relação quase ritual com o
que lhe daria prazer, permitindo que o sistema o fisgasse em valores
políticos e sociais, assim como criasse uma estrutura que o tornasse
cada vez mais pacato.

O que
queremos afirmar é que outros tipos de lógica repressiva existem,
que convivem e agem de modo adiantado, tentando reprimir
antecipadamente o que somente de modo muito remoto possa pôr em
xeque qualquer princípio do sistema, seja este material ou moral,
como atesta a proibição da maconha, inofensiva até para Fernando
Henrique Cardoso, na prestigiosa e tradicionalmente liberal PUC
[Universidade Católica].

É
igualmente claro que os trabalhadores da bolsa, investidores,
gestores de empresas, trabalhadores da noite e turistas continuarão
num ritmo acelerado e consumindo drogas estimulantes ilícitas, até
mesmo porque o ritmo da vida urbana exige que estejam despertos,
ativos e disponíveis a qualquer momento para um turno de extração
de mais-valia ininterrupto.

No
entanto, as ferramentas de escape e anestesia envolvidas na
socialização do prazer podem pressupor um desejo ambíguo,
manifesto algumas vezes na realização da esperança, do fim da dor,
da comunhão ou mesmo… do comunismo, enquanto outras vezes diga
respeito à autodestruição que talvez nos seduza ao reduzir-nos
apenas ao prazer autodestrutivo, quando o torpor anula o desprazer e
o sofrimento, dando boas vindas ao esquecimento do que se sofre. No
entanto, tudo isto são mercadorias com valor agregado.

A
Parada Gay e a Virada Cultural sobraram como as únicas aglomerações
para o lazer públicas e gratuitas, e não só permitidas, como
fomentadas pela Prefeitura [Câmara Municipal]. No entanto, como
Kassab e Serra notaram, às vezes juntar as pessoas e deixá-las
livres pode dar errado, e é por isso que mantêm a restrição dos
ônibus durante a noite. Mesmo assim, ao tentar passear em meio à
multidão, notaram que a recepção pode ser diversa, como quando foi
“Comparado ao franzino Smeagol, de “O Senhor dos Anéis”. Ou
chamado de lindo. Vaiado. Aplaudido. E até sob rajadas de “vinho
químico” (álcool com sabor artificial), o governador de São
Paulo, José Serra (PSDB), se submeteu à crítica popular ao se
aventurar, à meia-noite de ontem, pelo viaduto do Chá em plena
Virada.” A solução? Serra disse que proibiria o vinho barato dos
bacantes ano que vem, será que isto bastaria? (Veja aqui.)

Uma
exceção da Virada Cultural se mostrou quando a política do gozo
consentido teve limites: no show do Racionais Mcs. Pois quando a
população pobre e jovem veio ao centro de fato, fora do horário de
trabalho, apanharam todos, patrícias, playboys e periféricos,
quando estes presenciaram uma das poucas e legítimas expressões
atuais da cultura da periferia que desceu até o centro. Foi ali que
notamos o quanto o lazer é restrito, até o ponto em que signifique
algo atual e de fato potencialize o aspecto político do conflito
social que vivemos.

A Parada
Gay passa por mais pontos que o protesto, pelos mesmos hospitais, mas
é tolerada, desde que seu público, além da opção sexual,
consuma. É o comércio que permite que a questão sexual exista para
a prefeitura. São Paulo sente falta de um carnaval de rua, isto
parece transparecer na Parada Gay, entristecida pelas cenas de
violência, quando notamos o que é reservado socialmente para a
diferença sexual, quando não é restrita ao consumo em locais
isolados e tolerados. Mesmo assim, temos de notar, a Parada é mais
tolerada pelo Estadão e o PIG do que os ativistas. Mas apesar de
sabermos de seus limites (como quando prenderam José Maria do PSTU
[dirigente do principal partido trotskista]), a Parada Gay não era a
representação de um movimento social?

Na
verdade as pessoas são contidas de diversas formas ao serem
induzidas a circular num espaço pré-determinado e controlado,
seguro, ou mesmo terem barrada a capacidade de expressão e
circulação. Isto se dá inclusive ao se restringir os ônibus em
determinados horários em que os habitantes de bairros de periferia
não possam fazer o impensável e sair da periferia para o centro,
onde restam as poucas áreas de lazer, e fazer como fariam na Virada
Cultural, e por que não?

Eles
fizeram, e fazem, mas pouco depois notaram que os bares passaram a
fechar. Então passaram a andar por aí com um destes vinhos
químicos, ruins mas baratos, e conversar e questionar, afinal, por
que não há ônibus à noite para os bairros de São Paulo? Por que
as únicas “baladas” abertas são, apesar de caras, tão lotadas
[cheias] por não conseguir comportar o volume de pessoas expulsas
dos bares do centro de São Paulo?

Também a
classe média, formada entre outros de estudantes universitários,
pode não notar, mas az uma certa função de “bandeirante”
(como disse a socióloga Nahema), expulsando estes habitantes
indesejados do centro, pois eles expandem a faixa de consumo de uma
região, aumentando o preço da habitação, dos bares e casas
noturnas, ajudando a expulsar os moradores de áreas como a do
centro.

Junto com
estes, o Estadão, como bom xerife do PIG, que já ameaçou dizendo
que não há espaço para o Capital e os ativistas na mesma avenida,
sabe muito bem como resolver a querela caso tenham pensamentos
infelizes e lutem pelo direito de ir e vir daqueles que não têm
carro ou são menores de idade: restrição da circulação por idade
e porrada.

A destruição do gozo ou a destruição pelo gozo?

Vivo condenado a fazer o que não quero
Então bem comportado às vezes eu me desespero
Se faço alguma coisa sempre alguém vem me dizer
Que isso ou aquilo não se deve fazer

Roberto Carlos
 

É
preferível destruir-se para o patrão, para anular o vazio do
desamparo, para a polícia ou para o crack? O PIG, sabemos, opta pelo
patrão e sugere o que fazer com as pessoas que não têm onde gozar
e onde ir. Enfim, para onde vão as pessoas, quando albergues para
moradores de rua fecham e bairros como a Luz e favelas são
destruídos para a construção de prédios onde ninguém mora,
prédios úteis somente para a especulação imobiliária expandir a
acumulação, como ontem foi o Real Parque e hoje acontece em
Paraisópolis? O que oferecer para a população de rua, quando toda
a imprensa quer que esta desapareça, sendo que eles não têm para
onde ir?

Sem
qualquer diminutivo, querem que desapareçam, que sejam aniquilados,
e estes parecem preferir muitas vezes se aniquilar sozinhos enquanto
esperam que a Polícia Militar os liquide, pois os albergues se
tornaram hospícios para poucos habitantes e os moradores de rua
estão entregues ao vazio. E os jovens, o que o crime não oferece na
rua, o Estado abriga na Febem [instituição oficial para acolhimento
de menores, onde vigora um estilo prisional], que se lotará mais
ainda com o toque de recolher por faixa etária.

Coisa
radical, sem dúvida, mas para quem tem recursos materiais de sobra,
o lazer aparece como um evento da natureza, uma contemplação de
obras, filmes, música com moderada interação, de tal modo que
muitas vezes pode resultar no tédio e na busca de prazeres
imaginariamente radicais, que envolvam a transgressão que se vê
radical. Mesmo que estes, por sua vez, mantenham respeitosamente as
coisas em seu lugar, como o sadomasoquismo, que brinca com as imagens
do poder mantendo, ao seu final, tudo como está.

Mesmo
estes prazeres fixos na imagem pornográfica ou contemplativa dos
produtos da indústria cultural em jogos eletrônicos, filmes e
demais produtos, podem ser proibidos, isto é, mesmo expulsando as
pessoas que podem consumir da rua para a intimidade dos lares, a
internet, última bóia salva-vidas de liberdade de expressão formal
e comunista nos produtos partilhados, pode deixar de existir graças
ao projeto Azeredo, proibindo downloads e uploads, escaneamento de
livros úteis aos demais e filmes raros que só possuiriam legendas
devido ao esforço altruísta de interessados digitais.

Até a
partilha digital se torna alvo da fronteira do Capital na intimidade
do que em si não seria proibido, exceto pelo ato de dividir. Ao
mesmo tempo, querem controlar a informação, proibindo que mesmo
expressões voluntárias de repúdio político ou que formulações
de contestação se manifestem, quando os servidores se dispõem a
entregar os IPs para autoridades defensoras de direitos autorais e a
polícia. Considerado tudo isto, que restará fazer, quando até
reclamar se tornará ilegal?

Quando
acabarem com a expressão da insatisfação, São Paulo ficará livre
dos ativistas?

Originalmente publicado em: http://passapalavra.info/?p=8764

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