O mundo vazio: sobre a ausência da política no contexto contemporâneo – Frnaklin Leopoldo e Silva

O mundo vazio: sobre a ausência da política no contexto contemporâneo*
Franklin Leopoldo e Silva

 O Iluminismo nos ensinou que o futuro é o tempo forte da humanidade, aquele no qual estão projetadas as expectativas decor­rentes da constatação de que a humanidade progride e que, quais­quer que sejam os obstáculos, e até mesmo os retrocessos aparentes, o progresso terminará por triunfar e por caracterizar essencialmente o percurso histórico do ser humano.
 Essa perspectiva positiva que se abre com o futuro é subsidiada pela realidade do presente, positivo e pleno, tanto pelas realiza­ções que, preparadas no passado, no presente tomaram a forma definitiva, quanto pelas promessas que contêm acerca daquilo que o futuro realizará. É importante notar o "tom" do otimismo iluminista: o progresso é promessa do futuro porque é realização já presente. Isso significa que a visão do futuro não se constrói num contexto de instabilidade, de um puro fluxo contínuo de mudan­ças, um movimento que em si mesmo privilegiaria o futuro. Pelo contrário, o otimismo iluminista vê o futuro como conseqüência do presente, e a esperança de um futuro melhor decorre do aprimoramento das capacidades humanas, já totalmente visível no presente como processo real e cujo avanço podemos medir. É, portanto, a estabilidade do presente que fundamenta a expectativa do futuro. O presente é prova de que o futuro pode e deve ser uma realização positiva. Essa maneira de compreender a relação entre o presente e o futuro incide decisivamente no modo de entender e vivenciar as mudanças histórico-sociais. Toda mudança torna-se compreensível e previsível à luz do presente. Mais do que isso: há uma certeza de continuidade, e o postulado do progresso é o substrato formal do aprimoramento da humanidade. Uma tal com­preensão torna-se possível a partir da crença de que a ciência, a técnica e a vida moral teriam atingido aquele patamar de maioridade racional de que fala Kant na sua "Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento?", o que teria fornecido algo como uma direção absolutamente positiva à história.
 Contemporaneamente, parece que perdemos o sentido conse­cutivo dessa continuidade. Vivemos, mais do que nunca, um tempo de mudanças; mas estas são compreendidas e vividas a partir da instabilidade do presente. O progresso já não é representado como o substrato de uma passagem que aprofundaria a positividade do presente, fazendo que o futuro fosse visado como o momento ver­dadeiramente engendrado pelo que o antecedeu. Em vez da passa­gem entre dois momentos igualmente positivos, com a passagem entre eles claramente mediada pelo progresso, o que temos é a prevalência do movimento. Não sentimos tanto a positividade do presente, mas o vivenciamos muito mais como movimento e mudança, como se sua realidade lhe fosse emprestada pelo futuro para o qual ele tende em seu movimento. Se eventualmente ainda acreditamos no progresso, já não visamos ao futuro como aquilo que se seguiria ao progresso vivido no presente, mas como o resultado do movimento a partir do qual representamos o presente.
 Isso nos leva a dizer que a contemporaneidade acarretou uma certa perda de densidade do presente. Ele deve ser de tal forma plástico para se amoldar a esse movimento para o futuro que torna-se difícil dizer o que ele é, além desse movimento, cujo sentido evidentemente só nos é dado pelo futuro em que deve se comple­tar. Nem sequer poderíamos qualificar esse presente de expectativa de futuro: isso significaria ainda um lugar em que o futuro se man­teria virtual, de modo a que pudéssemos visá-lo suficientemente separado da vivência do presente. O que ocorre verdadeiramente é que o futuro como que distendeu-se, esticando-se, para trás e tomando o lugar do presente. Desse ponto de vista são extrema­mente esclarecedoras as análises de Michel Freitag (1995, p. 10):
 
“[O futuro] absorveu o tempo que foi diluído nele; [o futuro] é a implosão do tempo na imediata processualidade do presente, tal como é perfeitamente visível por toda parte ao nosso redor e tal como nos é sem cessar proclamado na infinita redundância das fórmulas e dos slogans que procuram nos mobilizar para ele.”

 Já não se pode dizer, como seria o caso na perspectiva iluminista, que a modernidade está voltada para o futuro, na medida em que descobriu que o homem percorre os caminhos da Razão. Já não se trata, poderíamos dizer, de um messianismo laicizado, isto é, de fazer do futuro o sentido da própria temporalidade. Pois o futuro deixou de estar além do presente, à nossa frente, para estar no presente e em nós, como se fora uma invasão do presente pelo futuro. De alguma maneira essa situação está antecipada em Hegel, já que, para ele, sendo o futuro o tempo da reconciliação e da síntese superior, da realização do espírito, o presente se vê inevi­tavelmente afetado de uma característica provisória. No entanto, é mais do que isso, pois mesmo o provisório significa uma certa realidade e tem uma certa função a cumprir, na marcha necessária da história rumo à sua realização: perspectiva na qual o futuro aparece como libertação, como síntese de liberdade e necessidade. O que ocorre contemporaneamente é que a presença do futuro pesa sobre nós e quase nos oprime, porque seu significado deixou de estar relacionado com a promessa e passou a habitar nosso presente, usurpando esse presente e de alguma maneira fazendo que ele recue para o passado.
 Como se deu esse fenômeno? Podemos descrevê-lo, segundo Michel Freitag, como uma espécie de perda de controle do processo civilizatório, na modernidade entendido sobretudo como o progresso científico e tecnológico. A percepção que os séculos XVIII e XIX tinham do progresso podia caracterizar-se ainda como um controle reflexivo do curso desse progresso. Isso significa que, nessa época, o conteúdo histórico do progresso, ciência e técnica, era concebido como algo que a reflexão podia, ao fim e ao cabo, dominar. Compreenda-se: mesmo considerando o caráter sempre inacabado e aberto do conhecimento, sua extensão indefinida, en­tendia-se que algo como uma consciência reflexiva sempre acom­panharia e controlaria esse processo, já que tanto a ciência quanto a técnica são produções humanas, de direito sujeitas aos fins hu­manos, os quais deveriam representar uma espécie de controle teleológico do desenvolvimento do conhecimento e de suas aplicações. O progresso tiraria seu sentido positivo dessa possibilidade de reflexão, e seria esse procedimento que asseguraria uma marcha firme e constante para o futuro. Em suma, ainda que de maneira formal e racionalizadora – hoje o sabemos -, concebia-se que o homem deveria naturalmente possuir inteiro domínio sobre o seu fazer.
 Ora, é essa última observação que parece não se aplicar mais à contemporaneidade, ou ao sentido contemporâneo do progresso. Parece que a máscara caiu. Sabemos que o homem, em vez de possuir pleno domínio sobre o que faz, subordina-se ao que faz.
 Se nos tornamos prisioneiros de um futuro "presentificado", é porque nos apropriamos de nosso futuro de maneira "irreflexiva e irrefletida", deixando fazer o nosso fazer, submetendo-nos a ele na medida em que seu poder se acumulava de forma exterior a nós, técnica, tecnológica, tecnocraticamente (Freitag, 1995, p.12).
 Subordinamo-nos ao acúmulo externo de meios e produtos tecnológicos, acúmulo que é visto como progresso, mas que repre­senta também um processo que nem sempre esteve acompanhado pela reflexão. É isso que significa dizer que nos apropriamos do futuro de maneira "irreflexiva e irrefletida". Tudo isso é nosso, é produto de nossa atividade, mas ao mesmo tempo nos escapa. A partir dessa separação entre conhecimento, ação e reflexão, não podemos mais manter a esperança iluminista de que essas realizações se inscrevam efetivamente num projeto de aprimoramento histórico dos indivíduos e da sociedade. E isso ocorre porque, quando as próprias realizações do progresso escapam da reflexão – do domínio reflexivo pelo qual deveríamos controlá-las -, não pode­mos mais considerá-las na perspectiva kantiana da educação para o esclarecimento. O progresso deixa de ter o sentido pedagógico que o Iluminismo lhe atribuía.
 Essa subordinação do ser humano ao seu próprio fazer con­figura a base da tecnocracia, que significa a autonomia da técnica e o controle técnico sobre todas as dimensões da vida. É a perda da capacidade de refletir sobre a atividade técnica, de conduzi-la de tal maneira que ela venha a atender aos fins requeridos pelo aprimoramento do gênero humano.
 Temos, então, as conseqüências paradoxais daquilo que Kant chamou de maioridade racional. É a autonomia da Razão, portanto do ser humano, que permite a exploração científica e técnica do real. Essa autonomia supõe que a racionalidade técnica não age apenas espontaneamente, por acumulação e atualização contínua de suas potencialidades, mas que a razão também reflete sobre essa atividade, por exemplo, dimensionando meios e fins. Quando a reflexão desaparece, a autonomia transfere-se do sujei­to para a ação, tornada anônima e auto-suficiente, e para os produtos da ação, que passam a derivar, nesse caso, da anomia. Ou seja, não é mais o homem que é autônomo no exercício da atividade técnica, mas é a técnica que se torna autônoma, e a partir daí a atividade se desenvolve de maneira irrefletida. A autonomia da técnica produz a supremacia da técnica, que é a tecnocracia: a técnica se confunde com o poder. A expressão consagrada "poder da técnica" significa bem isso: a técnica tornada diretamente poder e não a técnica a serviço do poder. Enquanto a reflexão esta­va presente, poder e técnica se diferenciavam na medida em que- o poder ainda podia ser associado ao discernimento e à capacidade prático-racional de usar a, técnica. Quando a reflexão está ausente, essa relação se inverte e a técnica passa a ser a medida do uso e do poder. O poder não apenas se confunde com a técnica, mas (• absorvido por ela, o que indica uma hierarquização dos elemen­tos na qual a prioridade é da técnica. "O futuro é a autonomização do funcionamento e da operatividade dos meios em relação aos fins, os meios deixam de estar sujeitos aos fins" (.désassujetissement é a palavra utilizada por Freitag, 1995, p. 14).
 Vemos agora como essa autonomização dos meios e a conseqüente inversão produz o fenômeno de "presentificação" do futuro. Como técnica significa sobretudo progresso técnico, isto é, contínuo acúmulo de mais meios autonomizados em relação aos seus fins; esse processo significa também uma aceleração do tempo, visando atingir o futuro, como um aprimoramento desse processo, cada vez mais rapidamente. É sintomático que na propaganda e nos comentários acerca do aperfeiçoamento de produtos e serviços dependentes de tecnologia avançada se use com freqüência a frase "O futuro chegou" ou algum equivalente, com o que se quer significar que uma das virtudes do desenvolvimento técnico seria a de apressar a passagem do presente para o futuro. "Já vivemos o futuro", quer dizer, já avançamos até ele, encurtamos a duração e já podemos dispor de meios que, em princípio, ainda deveriam demorar para serem postos à nossa disposição. Já estamos, no presente, adaptados ao futuro. A mecânica do raciocínio que ocorre aqui não é difícil de discernir: como o progresso é considerado apenas da perspectiva de aprimoramento e acúmulo instrumental, podemos não apenas usufruir do progresso, mas também acelerar o tempo do progresso. E devemos fazê-lo porque a maneira técnico-instrumental de viver o tempo é acelerar seu ritmo, já que a dura­ção é medida pelo acúmulo e melhoria do aparato instrumental. Isso ocorre em todos os setores de atividade: economia, comunica­ções, organização social, lazer, ensino etc. É o que Freitag chama de "promoção sistemática do futuro".
 É esse progresso instrumental que doravante aparece como o campo em que se devem inscrever todos os projetos humanos. E, portanto, esses projetos só podem ser delineados no horizonte dessa racionalidade técnica que é capaz de abreviar o tempo, de trazer o futuro até o presente e de fazer do futuro o conteúdo e o sentido do presente. Como o aprimoramento dos meios técnicos já não se distingue dos fins a que estariam destinados, a conseqüência é que essa abreviação do tempo torna-se a finalidade -com a grande diferença de que essa finalidade não é posta reflexivamente, mas apenas em decorrência da hipertrofia da racionali­dade técnica e do caráter cumulativo do progresso tecnológico. Isso significa que tal acúmulo é exterior ao processo propriamente humano de realização das finalidades. A esfera dos fins esvaziou-se e foi ocupada pêlos meios, o que é simétrico ao esvaziamento do presente, pois seria na dimensão do presente que deveria ocor­rer a reflexão acerca do equilíbrio entre os meios e os fins.
 A consciência, quando formula projetos, visa ao futuro numa modalidade intencional determinada que em termos fenomenológicos seria a consciência do futuro. O sentido desse movimento, em princípio, deveria brotar da relação que a consciência mantém com o presente: por exemplo, a maneira como a consciência assimila certas determinações e, ao mesmo tempo, as nega, fazendo delas as necessárias mediações para o exercício da liberdade, que consiste sobretudo em projetar-se no futuro. Mas como o presente não tem densidade, são as exigências do futuro que condicionam desde logo a consciência, como se o futuro estivesse dado e não projetado como possibilidade de ação, o que torna impossível que os projetos huma­nos reflitam efetivamente a liberdade da consciência. É como se o futuro controlasse as relações da consciência com o presente.
 Essas considerações nos permitem pensar vários fenômenos da nossa atualidade, todos relacionados com a mesma direção histórica. Interessa-nos aqui abordar a questão da modernização da universidade.1 Prepara-se, planeja-se a universidade adaptada ao futuro. Nesse processo, não importa considerar o lastro da tradição, aquilo que o passado configurou como perfil da universidade e a partir do qual ela tenta enfrentar as tensões do presente. Só o que conta é a visão das necessidades a que a universidade terá que responder no futuro. Sua sobrevivência passa então a depender da forma como, considerando o futuro já presente, a universidade deve reestruturar-se para inserir-se nesse tempo, considerado o seu tempo. Como se considera que o presente antecipa o futuro e o futuro é a continuidade do presente, o futuro só pode ser concebido como o aprimoramento da racionalidade técnica, pois, sendo esta a possibilidade já parcialmente realizada, ela torna-se necessariamente a única opção de futuro. É essa continuidade antecipadora que atua como critério para avaliar as modificações por que deve passar a universidade. Como dessa avaliação está ausente a dimensão reflexiva, o presente é assimilado como simples antecipação do futuro e, em vez de debruçar-se criticamente sobre o que ele é e sobre o que ele indica em termos de futuro, simplesmente se adota a perspectiva naturalista da adaptação, sem nenhuma consideração mais ampla sobre o equilíbrio entre as perdas e ganhos desse processo. Gerir o presente identifica-se então com estruturai a adaptação ao futuro. Como o presente já é a supremacia da técnica, dos meios sobre os fins, a gestão da universidade só pode ser tecnocrática, isto é, inserção espontânea e acrítica no processo de tecnoburocratização, que passa a oferecer então os parâmetros universais de gestão. Essa aceitação naturalista do curso histórico da modernidade retira da universidade qualquer possibilidade de interferência crítica no rumo dos acontecimentos, aí incluída a possibilidade de interferir nos seus próprios rumos.
Vemos que, para a mentalidade tecnocrática, já não vale mais o adágio: o futuro é incerto. Já não se pode dizer que a singularidade da dimensão temporal do futuro esteja associada à incerteza ou à abertura de possibilidades. Já não se pode dizer, como nos propunham as vertentes existencialistas da primeira metade do século XX, que seria mesmo essa incerteza o aspecto mais relevante do perfil existencial dos projetos humanos. Hoje vemos essa incerteza sufocada pela presentificação do futuro e principalmente pela desconsideração do sujeito como agente histórico. É notável o fato de que a dimensão existencial do sujeito como agente histó­rico, que envolvia a incerteza dos projetos humanos, comprometidos com a finitude e com a insuficiência congênita da condição humana, tenha sido substituída pelo cálculo, pretensamente objetivo, do comportamento do único sujeito que realmente importa: o mercado. A supremacia da técnica na esfera da atividade encontra seu correspondente na supremacia do mercado na esfera das relações inter-humanas. Os sujeitos singulares anulam-se diante dessa supremacia: tornam-se apenas elementos passivos que atuam como peças componentes da conduta do único sujeito que é o mercado. Desaparece assim a vinculação entre sujeito e ação histórica. O que existe é um grande organismo natural que atua segundo leis próprias, e os sujeitos humanos são elos de transmissão dessa ação subjetivo/objetiva do mercado. A assimilação das regras dessa ação é que determinará o êxito na competição que o mercado impõe co­mo parte de sua atuação. Ignorar o mercado seria, portanto, tão aberrante e sem sentido quanto ignorar a natureza. É essa naturali­zação do mercado como critério universal que inviabiliza qualquer pretensão de crítica e de transformação. É isso também que apequena o futuro individual: "terá futuro" apenas o indivíduo que diluir a sua subjetividade na rede de exigências tecnocráticas de uma sociedade inteiramente governada pêlos critérios mercadológicos. Isso significa que a ação histórica deve ceder lugar à funcionalidade e à operatividade. Não é por outra razão que a universidade deve deixar de ser uma instituição para tornar-se uma organização, gerida tecnocraticamente.2
 Nesse sentido, a universidade apenas acompanha a sociedade e seu modo de reprodução, que deixou de ser político-institucional para tornar-se funcional e organizacional, quer dizer, tecnoburocrático. O triunfo da tecnoburocracia é a abolição da política. Mas essa abolição é ambígua e mais complicada do que à primeira vista possa parecer. Pois a supremacia da técnica não aconteceu simplesmente por via do próprio desenvolvimento da técnica e da prerrogativa que na modernidade foi ganhando a tecnologia. Ela tem que ser considerada um fato político. Portanto, o processo de despolitização característico da contemporaneidade é, em si mes­mo, de índole política. Essa circularidade perversa serve pelo menos para desmistificar a idéia de que viveríamos o fim da dimen­são do político como conseqüência "natural" do processo histórico. Mistificação análoga àquela que querem nos impingir acerca do "fim da história" como resultado histórico. O engodo implicado na idéia de fim da política se torna claro quando percebemos o processo: a dimensão do político diluiu-se no econômico, mais precisamente na tecnocracia economicista para efetivar um projeto político de dominação em escala transnacional. E aqui devemos nos reportar ao que já foi mencionado acerca da consciência refle­xiva que deveria acompanhar o processo civilizatório. É a ausência de reflexão que ocasiona a hipertrofia do econômico e que redunda na tecnocracia como gestão economicista do social. O desprezo pela mediação política talvez deva ser visto como uma exacerbação do vezo totalitário do próprio liberalismo econômico, como lembra Robert Kurz (1999, p-9):

“leis naturais não podem ser totalitárias e ameaçar a liberdade; é pre­ciso aceitá-las como ao tempo. Com esse truque grosseiro o libera­lismo buscou desde o princípio tornar o centro econômico da mo­dernidade inacessível à reflexão crítica, silenciando, ao mesmo tempo, o fato de que as ditaduras totalitárias do período entre guerras pos­suíam ao menos uma coisa em comum com a democracia: as formas econômicas do moderno sistema produtor de mercadorias.”

 É oportuno lembrar que vivemos atualmente numa época de significativas mudanças, sobretudo econômicas. A propósito delas, fala-se com freqüência em mudanças da "realidade", o que de­monstra a identificação da realidade histórica com a dimensão do econômico, mas considerando o econômico não como a força mo­triz, e sim como a totalidade. Tais mudanças são apresentadas como uma rearticulação das forças naturais do mercado, às quais seria insensato se opor. É nessa naturalização que se oculta a política de despolitização, isto é, a hegemonia da tecnoburocracia, uma estratégia política que usa a máscara da objetividade técnica para esconder aquilo que se sabe desde a polis grega: que a política é fruto de deliberação humana e não de causas naturais. Talvez por isso a presentificação do futuro exerça o papel preponderante que tentamos comentar. A obsessão de antecipar tecnicamente o futu­ro na gestão tecnocrática do social, como se a sociedade fosse uma grande corporação que se insere no futuro por via de uma planifica­ção eficaz, manifesta o propósito de desvalorizar o presente e suas tensões como o lugar em que os homens deveriam deliberar sobre o futuro, atuando politicamente no sentido mais profundo e originá­rio do termo, isto é, compartilhando a palavra, e fazendo da palavra política a expressão da responsabilidade inerente à ação histórica. Não é por outra razão que a tecnoburocracia, que ocupou o vazio da deliberação política, despreza a palavra, trivializa e degrada a interação política que a palavra deveria proporcionar, no propósito, desgraçadamente bem-sucedido, de afirmar o caráter supérfluo do sujeito histórico como agente de transformação.
 Para finalizar, talvez seja necessário observar que as ideias que desenvolvemos aqui não envolveram diretamente a obra de Maurício Tragtenberg, o que seria provavelmente de esperar tratando-se de uma homenagem à grandeza do intelectual e à generosidade do militante. Mas arrisco-me a dizer que essas idéias não são estranhas ao seu pensamento, já que o quadro que elas desenham foi certamente objeto de sua preocupação. Talvez ele encerrasse essas observações com uma daquelas suas perguntas mais incisivas do que qualquer afirmação, e que concerne a todos nós: O que estão fazendo as ciências humanas diante dessa cena de deterioração das exigências políticas da condição humana?

NOTAS:
l "Ensino, formação, domínio, competência, excelência: é aí, talvez sobretudo que a civilização moderna voltada para o futuro se deixou converter numa rede pós-moderna de organizações empenhadas na adaptação ao futuro e num empreendimento de promoção sistemática do futuro" (Freitag, 1995, p.14).
2 Cf., a respeito do avanço da mentalidade organizacional (empresarial) na universidade e a conseqüente corrosão do caráter institucional, o ensaio que dá título à coletânea de Michel Freitag (1995).

Referências bibliográficas
FREITAG, M. La gestion téchnocratique du social. In:Le naufrage de l’université. Quebec: Nuit Blanche Editeur, Paris: La Découverte, 1995.
KURZ, R. O totalitarismo econômico. Folha de S.Paulo, 22.8.1999. Caderno Mais!, p.9.
* Publicado em Maurício Tragtenberg: Uma vida para as Ciências Humanas, Edunesp. 

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A guerra civil na frança: um marx libertário? Daniel Guérin

A GUERRA CIVIL NA FRANÇA: UM MARX LIBERTÁRIO?1
Daniel Guérin

 

A guerra civil na França, famosa comunicação de Marx escrita em nome do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores (A1T) dois dias após o esmagamento da Comuna de Paris, é um texto de inspiração, ao menos em parte, libertária. Ao escrever em nome da A1T, na qual Bakunin era bastante influente, Marx revia algumas passagens do Manifesto Comunista, de 1848. No Manifesto…, Marx e Engels haviam desenvolvido a noção de uma evolução proletária por etapas. A primeira seria a conquista do poder político, graças à qual os instrumentos de produção, os meios de transporte e o sistema de crédito seriam "passo a passo" centralizados nas mãos do Estado. Somente após uma longa evolução, quando os antagonismos de classe houvessem desaparecido e o poder público houvesse perdido seu caráter político, toda a produção deixaria de se concentrar nas mãos do Estado, passando para as mãos de "indivíduos associados": nesta associação de tipo libertário, o livre desenvolvimento de cada um seria a condição para o livre desenvolvimento de todos.
 Diferentemente dos socialistas franceses, Bakunin já conhecia o Manifesto Comunista em seu texto original alemão desde 1848, o não perdia a oportunidade de criticar essa maneira de dividir a revolução em dois estágios, havendo no primeiro deles um rígido controle estatal. Ele colocava isso nos seguintes termos: "Uma vez convertido em único proprietário, o Estado […] será também o único capitalista, o único banqueiro, o agiota, o organizador, o diretor de todo o trabalho nacional e o distribuidor de seus produtos. Esse é o ideal, o princípio fundamental do comunismo moderno."2
E mais:
“Essa revolução consistirá na expropriação, por etapas ou de forma violenta, dos proprietários e capitalistas atuais, e na apropriação de todas as terras e de todo o capital pelo Estado que, para poder cumprir sua grande missão nas esferas econômica e política, deverá necessariamente ser muito poderoso e fortemente centralizado. Com seus próprios engenheiros comandando exércitos de trabalhadores rurais organizados e disciplinados para esse fim, o Estado administrará e dirigirá o cultivo da terra. Ao mesmo tempo, erguerá, sobre as ruínas de todos os bancos anteriormente existentes, um único banco para gerir toda a produção e todos os aspectos do comércio nacional”3

E ainda:

“No Estado popular do senhor Marx, dizem-nos, não haverá classe privilegiada. Todos serão iguais, não apenas jurídica e politicamente, mas também do ponto de vista econômico. Ao menos é isso que se promete, ainda que eu duvide muito que, da forma como se pretende e pelo caminho que se segue, tal promessa possa chegar a ser cumprida.
Não haverá nenhuma classe privilegiada, mas, sim, um governo e, guardem bem, um governo excessivamente complicado, que não se contentará em simplesmente governar e administrar politicamente as massas, como fazem atualmente todos os governos, mas também administrará a economia, concentrando em suas próprias mãos a produção, a justa distribuição da riqueza, o cultivo da terra, o estabelecimento e o desenvolvimento das fábricas, a organização e o controle do comércio e, finalmente, a aplicação do capital na produção através do único banqueiro, o Estado.”4

 Fustigados pela crítica de Bakunin, Marx e Engels sentiram necessidade de rever suas concepções excessivamente estatizantes de 1848. Em um prefácio a uma reedição do Manifesto…, datado de 24 de junho de 1872, admitiam que "sob muitos aspectos" dariam agora uma "redação diferente" à passagem em questão do texto de 1848. E invocavam, como suporte a essa revisão, principalmente "as experiências práticas obtidas, em primeiro lugar, na Revolução de Fevereiro [1848], e então, e mais ainda, na Comuna de Paris, na qual, pela primeira vez, o proletariado teve em suas mãos, durante dois meses, o poder político." Os autores concluíam que "tudo isso faz com que este programa, em alguns pontos, tenha-se tornado ultrapassado. A Comuna, em especial, provou que a classe trabalhadora não pode contentar-se em assumir a posse da máquina do Estado já existente e colocá-la a serviço de seus próprios objetivos." Assim também, a comunicação de 1871 proclamava que a Comuna era "a forma política, finalmente encontrada, para realizar a emancipação económica do trabalhador."
 Em sua biografia de Karl Marx, Franz Mehring também sublinha que A guerra civil na França revisa, em certa medida, esse ponto do Manifesto… no qual se contempla a dissolução do Estado, embora como um processo a longo prazo. Mehring, entretanto, afirma que, após a morte de Marx, Engels abandonaria tais correções e voltaria às antigas idéias do Manifesto… para lutar contra as correntes anarquistas.5
 Seja como for, esta guinada talvez demasiado brusca do autor da comunicação de 1871 despertou o cepticismo de Bakunin. Sobre a Comuna, este escreveu:
 “O efeito foi tão formidável por toda parte que até os marxistas, cujas idéias haviam sido completamente negadas pela insurreição, viram-se obrigados a tirar o chapéu respeitosamente a ela. E fizeram mais: contrariando a lógica mais elementar e até seus verdadeiros sentimentos, eles proclamaram que seu programa e seus propósitos eram os mesmos. Foi um desvirtuamento um tanto cômico, mas necessário: eles tiveram de fazer isso, sob pena de se verem totalmente soterrados e abandonados por todos, tal a força da paixão que a revolução havia provocado em todo o mundo.6”

Bakunin observou ainda:

“Parece que no Congresso de Haia [setembro de 1872] o senhor Engels, assustado ante a terrível impressão criada pela leitura de algumas páginas do Manifesto…, apressou-se em declarar que se tratava de um documento antigo, cujas idéias eles [ Marx e Engels ] haviam abandonado. Se ele disse isso, não foi sincero, porque, às vésperas desse congresso, os marxistas esforçaram-se ao máximo para difundir esse documento por todos os países.7”
 Também James Guillaume, o discípulo de Bakunin na Federação do Jura [Suíça], ao ler a comunicação de 1871 reagiu de forma similar:

“Esta é uma declaração de princípios surpreendente, na qual Marx parece haver abandonado seu próprio programa em favor das ideias federalistas. Será que houve uma genuína conversão do autor de O capital, ou terá ele sucumbido por um entusiasmo momentâneo sob a força dos acontecimentos? Ou não seria tão somente um rasgo de habilidade, no intuito de angariar o prestígio de estar ligado ao nome da Comuna, declarando-se partidário de seu programa?8”
 Nos dias de hoje, Arthur Lehning — a quem se deve a edição crítica dos Arquivos Bakunin — também enfatizou a contradição entre as idéias contidas em A guerra civil na França e aquelas de todos os outros escritos de Marx:

“É uma ironia da História que, justamente no momento em que a luta entre as tendências autoritária e antiautoritária chegava a seu apogeu [na Primeira Internacional], Marx, sob influência do enorme efeito do levante revolucionário do proletariado parisiense, tenha expressado as idéias dessa revolução (que eram exatamente o oposto das que ele representava) de tal forma que estas quase poderiam ser qualificadas como programa daquela tendência "antiautoritária" que ele [na Internacional] combatia por todos os meios possíveis […]. Não há dúvida de que a brilhante comunicação ao Conselho Geral [… ] não tem como se inserir de forma alguma na construção do sistema do "socialismo científico". A guerra civil… é extremamente não-marxista […]. A Comuna de Paris não tinha nada em comum com o socialismo de Estado de Marx, estando muito mais de acordo com as idéias de Proudhon e as teorias federalistas de Bakunin […]. Segundo Marx, o princípio básico da Comuna era que a centralização política do Estado deveria ser substituída pelo autogoverno dos produtores, por uma federação de comunas autônomas nas quais deveria residir a iniciativa até então conferida ao governo […]. A guerra civil… entra em plena contradição com os outros escritos marxistas que tratam da desaparição do Estado. A Comuna de Paris não centralizou os meios de produção nas mãos do Estado. O objetivo da Comuna de Paris não era deixar o Estado "desaparecer", mas aboli-lo de imediato […]. A liquidação do Estado não era o resultado final, inevitável de um processo histórico dialético, de uma fase superior do desenvolvimento social, condicionado, por sua vez, por um modo de produção superior.”

 Continua Lehning:

“A Comuna de Paris liquida o Estado sem efetivar uma única condição das que foram previamente definidas por Marx como prelúdio a sua abolição […]. A derrota do Estado burguês pela Comuna não tinha como finalidade instalar outro Estado em seu lugar […]. Seu objetivo não era a fundação de uma nova máquina estatal, mas a substituição do Estado por uma organização social sobre bases econômicas federalistas […]. Em A guerra civil na França, tampouco se fala de uma "desaparição", mas da extirpação total e imediata do Estado.” 9
 
 Da mesma forma, o marxólogo Maximilien Rubel admitiu que: "É inegável que a idéia de Marx sobre a conquista e a eliminação do Estado pelo proletariado encontrou sua forma definitiva em sua comunicação sobre a Comuna de Paris, e que, como tal, difere da idéia que nos é dada pelo Manifesto Comunista."10
 Entretanto, há um desacordo entre os dois eruditos: Lehning, que, com ou sem razão, vê em Marx um "autoritário", afirma que a comunicação é um "corpo estranho" no socialismo marxista, enquanto Rubel, ao contrário, quer enxergar em Marx um "libertário" e sustenta que o pensamento marxiano encontrou sua "forma definitiva" nesse escrito.
 Seja como for, não há dúvida de que, no esforço de síntese entre anarquismo e marxismo que atualmente se realiza, a comunicação de 1871 deve ser considerada como um ponto de partida, como uma primeira demonstração de que é possível encontrar uma frutífera conciliação entre ambas as correntes de pensamento. A guerra civil na França é marxista libertária.

NOTAS

1 Publicado originalmente em francês, em 1965. Extraído de: GUÉRIN, Daniel. Por un marxismo libertário. Madri: Júcar, 1979. p. 60-63.
2 Bakunin, Oeuvres, IV(I910), p. 62.
3 Ibidem, p. 381-382.
4 lbidem, p. 476.
5 MEHRING, Franz. Karl Marx, Gecschichte seine Lebens. Zurique, 1946.
6 Bakunin, carta ao periódico de Bruxelas La Liberté, datada de 5 de outubro de l 872. In: Oeuvres, IV, p. 387.
7 Ibidem, p. 372.
8 GUILLAUMK, James. Sonvenirs sur l’Internationale (1907), II, p.192.
9 LEHNING, Arthur. "Marxismus and Anarchismus in der russichen Revolulion". In: Die Internationale, Editora, Berlim, 1929.
10 MARX, Karl. Pages choisies pour une éthique socialiste. [S. l.]: Ed. Maximilien Rubel, 1948. Introdução, p. 4, em nota.

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33 TESES – HERBERT MARCUSE

33 TESES *
[SOBRE AS TAREFAS DA LUTA SOCIALISTA APÓS O FASCISMO]
HERBERT MARCUSE

O manuscrito que intitulo "33 Teses" foi encontrado no arquivo Max Horkheimer, sem título, com um "H. Marcuse. Febr. 1947" escrito à mão, no canto superior direito. No centro da página está escrito "Teil I" (Parte I) O manuscrito contém 33 teses sobre a situação do mundo de então e que deveriam ser uma contribuição para um possível relançamento do periódico do Instituto Zeitschrift für Sozialfonchung. Apesar de uma carta a Horkheimer de 17 de outubro de 1947 (ver página 343) indicar que Marcuse estava trabalhando nas teses, este manuscrito não foi encontrado. Estamos assim publicando o esboço de fevereiro de 1947, encontrado no arquivo Horkheimer. Agradecemos a Gunzelin Schmid Noerr por permitir o acesso a este documento. Estas teses foram traduzidas para o inglês por John Abromeit.


33 TESES

1 Após a derrota militar do fascismo de Hitler (que foi uma forma prematura e isolada de reorganização capitalista), o mundo está se dividindo em um bloco neofascista e outro soviético. O que ainda resta das formas democrático-liberais ficará comprimido entre os dois blocos ou será absorvido por eles. Os Estados nos quais a antiga classe dominante sobreviveu econômica e politicamente à guerra se tornarão fascistizados num futuro previsível, enquanto os outros entrarão para o bloco soviético.

2 As sociedades neofascistas e soviéticas são inimigas econômicas e de classe e uma guerra entre elas é provável. Mas ambas são, em suas formas essenciais de dominação, anti-revolucionárias e hostis ao desenvolvimento socialista. A guerra pode forçar o Estado soviético a adotar uma "linha" nova e mais radical. Este tipo de mudança seria superficial e sujeito a revogação; se bem-sucedida, seria neutralizada pelo crescimento massivo do poder do Estado soviético.

3 Sob estas circunstâncias, só há uma alternativa para a teoria revolucionária: criticar impiedosa e abertamente os dois sistemas e sustentar, sem concessões, a teoria marxista ortodoxa contra ambos. Diante da realidade política, esta posição seria impotente, abstraía e apolítica, mas quando a realidade política como um todo é falsa, a posição apolítica pode ser a única verdade política.

4 A possibilidade de sua realização política é, em si mesma, parte da teoria marxista. A classe operária e a práxis política da classe operária, e as relações de classe em processo de mudança (no nível nacional e internacional) continuam a determinar o desenvolvimento conceituai da teoria, assim como são, por sua vez, determinadas por ele – não pela teoria sem práxis, mas por aquela que "se apodera das massas". A realização não é nem o critério nem o conteúdo da verdade marxista, mas a impossibilidade histórica da realização é irreconciliável com ela.

5 A posição mencionada na tese #3 reconhece a impossibilidade histórica de sua realização. Fora do bloco soviético não há movimento operário "capaz de uma revolução". Os social-democratas se tornaram mais do que meros burgueses. Os grupos trotskistas estão divididos c desamparados. Os partidos comunistas não estão dispostos (atualmente) a fazer a revolução, sendo portanto também incapazes de fazê-la, mas são a única organização de classe anticapitalista do proletariado e assim a única base possível para a revolução (atualmente). Ao mesmo tempo, porém, são as ferramentas da política soviética e, como tais, hostis à revolução (atualmente). O problema está na unidade, dentro dos partidos comunistas, de forças potencialmente capazes de uma revolução, com outras hostis à revolução.

6 A total subordinação dos partidos comunistas à política soviética é, em si mesma, o resultado de relações de classe modifica das e da reorganização do capitalismo. O fascismo, como forma moderna da ditadura de classe do capital, mudou completamente as condições da estratégia revolucionária. O capital criou (não só nos Estados fascistas) um aparato terrorista com um poder tão marcante e uma presença tão onipotente que as armas tradicionais da luta de classes do proletariado parecem impotentes contra ele. A nova tecnologia de guerra e sua rígida monopolização e especialização tornam inviável o armamento do povo. A identificação aberta do Estado com a economia e a integração da burocracia sindical ao Estado trabalham contra as greves políticas, especialmente a greve geral – talvez a única arma contra o capital fascistizado. Este fato faz que o único meio possível de se opor com sucesso ao massivo aparato político-militar do capital seja construir e implementar um contra-aparato militar e político, pelo menos igualmente poderoso, ao qual a estratégia revolucionária tradicional esteja subordinada. A União Soviética poderá ser vista como este tipo de contra-aparato.

7 Se os governantes da União Soviética ainda estão ou não interessados na revolução era algo secundário no contexto deste argumento. O argumento foi mantido, mesmo quando se presumiu que não havia mais nenhum vínculo subjetivo entre o poder soviético e a revolução. O poder soviético seria, assim foi dito, inevitavelmente forçado a um conflito cada vez mais explosivo com os Estados capitalistas – mesmo que estes só estivessem representando e buscando os interesses nacionais. A União Soviética seria o objeto mais perigoso e sedutor da política imperialista do capital e como tal o inimigo que mais cedo ou mais tarde seria forcado a pegar em armas. A oposição contra o capital seria a base para uma futura reunificação entre a revolução e o sovietismo – assim como a atual aliança do capitalismo com o sovietismo é a base para a separação entre a revolução e o sovietismo.

8 Esta justificativa da linha comunista é aberta à objeção de que a educação em uma política anti-revolucionária e nacional torna a classe operária irremediavelmente incapaz de promover uma revolução – mesmo que seja mera "tática". Cria "interesses particulares" que têm sua própria dinâmica e vêm a determinar a tática. Mina a consciência de classe e reforça a submissão ao capital nacional. Opõe-se à unidade entre economia e política e subsume as relações de classe aos ditames políticos.

9 A rejeição da justificativa política da subordinação da estratégia revolucionária ao sovietismo é apenas o primeiro passo para fazer que os problemas retomem à sua esfera real – o das relações reais de classe. A linha comunista, por trás de sua própria justificativa política, aponta para estas relações: é a expressão e o resultado de uma mudança estrutural dentro da classe operária e na sua relação com as outras classes. A transformação da forma de dominação do capital (sobre a qual se baseia a justificativa política da linha comunista) também deveria ser compreendida em termos desta mudança estrutural.
10. Ela encontrou sua expressão mais óbvia no fato de a social-democracia ter vitoriosamente sobrevivido ao fascismo (cuja ascensão ao poder facilitou), de ter mais uma vez monopolizado todo o movimento organizado de operários fora dos partidos comunistas, de os partidos comunistas estarem se tornando, eles próprios, mais social-democráticos e de, até agora, nenhum movimento revolucionário de operários ter surgido do colapso do fascismo de Hitler. Assim, a social-democracia parece ser a expressão adequada do movimento operário não-comunista. A social-democracia também não se radicalizou; em vez disto, seguiu essencialmente sua política pré-fascista de cooperação de classes. O movimento operário não-comunista é um movimento operário aburguesado [verbürgerlicht] (no sentido objetivo) e as vozes dos operários contra os partidos comunistas são vozes contra a revolução, não apenas contra o sovietismo.

11 Não se pode explicar o aburguesamento ou a reconciliação de grande parte da classe operária com o capitalismo apontando-se a (crescente) "aristocracia operária". A aristocracia operária e os fatores que a tornam possível com certeza tiveram um papel decisivo no desenvolvimento da social-democracia, mas a profundidade e a amplitude do aburguesamento vão bem além do nível da aristocracia operária. Na Alemanha e na França, os agentes do aburguesamento no período pós-fascísta não são de modo algum os expoentes principais da aristocracia operária. A profundidade e a amplitude do aburguesamento também não podem ser explicadas pela dominação da burocracia sobre o aparato organizativo (de partidos e sindicatos). O aparato organizativo foi desmantelado pelo fascismo, mas o vácuo que o fascismo deixou atrás de si não foi preenchido por um contramovimento, sendo antes esta mesma burocracia que está de volta no poder.

12 Uma das tarefas mais urgentes da teoria é investigar o aburguesamento em todas as suas manifestações. Repetindo: o aburguesamento deve ser visto como um fenômeno de classe objetivo, não como a vontade insuficiente dos social-democratas de fazer a revolução ou como sua consciência burguesa, mas, antes, como a integração econômica e política de grande parte da classe operária ao sistema do capital, como uma mudança na estrutura da exploração. A base desta investigação pode ser encontrada nas referências de Marx à mais-valia extra e à posição monopolizadora de certos produtores e esferas de produção. O desenvolvimento resulta, por um lado, na fusão direta do Estado com o capital e, por outro, na regulamentação estatal-administrativa da exploração, que leva à substituição do livre contrato de trabalho por contratos coletivos públicos obrigatórios. Estes fatores definem os limites dentro dos quais a integração econômica da classe operária está se efetuando. Com ela, a porção (quantitativa e qualitativa) do produto social que cabe à classe operária está crescendo de tal maneira que a oposição ao capital está se transformando em ampla cooperação.

13 No curso deste mesmo desenvolvimento, o peso total da exploração recai sobre os grupos que ocupam uma posição marginal ou alheia dentro da sociedade, os "de fora", excluídos da parte integrada da classe operária e de sua solidariedade e, em caso extremo, os "inimigos". São os "desorganizados", "operários sem qualificação", trabalhadores rurais ou migrantes, minorias, colonizados e semicolonizados, prisioneiros etc. Aqui a guerra deve ser vista como um elemento essencial do processo capitalista como um todo: a reprodução voraz do capital monopolista através do saque dos países conquistados e do seu proletariado; criação de concentrações externas de exploração excedente e empobrecimento absoluto. O fato de a pilhagem voraz fazer uso da mais avançada tecnologia moderna e atingir países capitalistas altamente desenvolvidos reforça o poder do capital monopolista e seu Estado vitorioso a um grau jamais visto.

14 A identificação econômica e política da parte integrada dos trabalhadores com o Estado capitalista vem acompanhada de uma integração e identificação "cultural" não menos decisiva. A tese da legitimidade da sociedade existente, que, mesmo deficientemente, afinal mantém e abastece o todo, deveria ser aplicada a todas as esferas da vida social e individual. Sua validade tem sido fortemente confirmada pela refutação óbvia de seu oposto no desenvolvimento da revolução russa. O fato de a primeira revolução socialista bem-sucedida ainda não ter levado a uma sociedade mais livre e feliz contribuiu imensamente para a reconciliação com o capitalismo e objetivamente desacreditou a revolução. Estes acontecimentos permitiram que a sociedade existente surgisse sob uma nova luz e a sociedade existente compreendeu como usar isto em seu proveito.

15 O fenómeno da identificação cultural exige que o problema do "cimento cultural" (Kitt) seja discutido sobre uma base mais ampla. Um dos mais importantes fatores aqui envolvidos é o nivelamento das forças anteriormente vanguardistas-oposicionistas com o aparato cultural do capitalismo monopolista (a transformação e aplicação da psicanálise, arte moderna, sexualidade etc. no processo de trabalho e lazer). Antes e acima de tudo, os efeitos do "Kitt" dentro da classe operária deveriam ser investigados: "gerenciamento científico", racionalização, o interesse do operário no aumento da produção (e, com isto, a intensificação da exploração), reforçando os sentimentos nacionalistas.

16 A estratégia comunista da ditadura de partido é a resposta ao aburguesamento da classe operária. Se a revolução só pode ser levada a cabo pela classe operária, que, no entanto, foi alienada de sua tarefa por meio de sua integração ao sistema do capital, então a revolução pressupõe a ditadura da "vanguarda" revolucionária sobre a classe operária integrada. Isto torna a classe operária objeto da revolução que só pode passar a ser sujeito por intermédio da manipulação e organização do partido. A ditadura comunista sobre o proletariado se torna o primeiro passo para uma ditadura do proletariado.

17 A única alternativa seria a inversão objetiva do aburguesamento, o rompimento da integração causado pelas manifestas contradições do capitalismo, e que necessariamente também minariam a base econômica sobre a qual o capital mantém a integração. Mas nas crises que virão o capital surgirá fascistizado ou, mais uma vez, como capital fascista: em seu ápice, a classe operária americana já está amplamente enfraquecida, sua organização esfacelada e o aparato militar e policial onipresente. Se a Inglaterra tiver um desenvolvimento independente, então o socialismo sindical anti-revolucionário formará ali uma sociedade de classe média que tornará o aburguesamento ainda mais perfeito. A França ainda tem a possibilidade de desenvolver-se em qualquer uma das três vias: a fascista, a socialista sindicalista, ou a soviética. E a Alemanha permanecerá subjugada no futuro próximo, como objeto destas três forças. As contradições em desenvolvimento no capitalismo tendem ao fascismo ou ao socialismo de Estado anti-revolucionário -não à revolução.

l7a O socialismo sindicalista dominante na Inglaterra (e que começa a surgir na Alemanha) ainda não é um socialismo de Estado. As socializações parciais, que são efetuadas basicamente por razões "econômicas" (aumento de produtividade, racionalização, capacidade de competir, centralização da administração) ou como punição política, permitiram que as posições decisivas do capital (indústria de aço e ferro, indústria química na Inglaterra) permanecessem intactas. O estágio do socialismo de Estado não é atingido até que o governo tenha assumido e legalizado o controle da indústria como um todo e tenha encampado a propriedade do capital privado. O governo, o Estado – não os produtores unificados, a classe operária.

18 A tendência social do socialismo de Estado é anti-revolucionária. O poder sobre os meios de produção foi transferido para o Estado, que exerce esse poder por meio do emprego do trabalho assalariado. O Estado também assumiu o papel de direção do capital como um todo ("Gesamtkapitalisten"). Os produtores diretos não controlam a produção (e com ela seu destino) mais do que no sistema do capitalismo liberal-democrata. Permanecem subordinados aos meios de produção. A dominação dos humanos mediada pêlos meios de produção continua a existir. O interesse universal, para o qual a economia planejada é projetada e implementada, é o aparato existente da produção, a forma existente da divisão social do trabalho (nacional e internacional) e as necessidades sociais existentes. Estas não foram fundamentalmente alteradas; supõe-se que a mudança deva ocorrer gradualmente, como conseqüência do planejamento. Mas deste modo o socialismo de Estado mantém a base da sociedade de classes. A abolição das classes, a transição para uma sociedade livre pressupõe a mudança que o socialismo de Estado estabelece como sua meta. A diferença no tempo significa uma diferença qualitativa.

19 O aparato de produção que se desenvolveu sob o capitalismo, impelido pelo trabalho assalariado dentro da forma existente da divisão do trabalho, perpetua as formas existentes de consciência e necessidades. Perpetua a dominação e a exploração, mesmo quando o controle do aparato é transferido para o Estado, isto é, para o universal, que é, ele mesmo, um aparato de dominação e exploração. Antes da revolução, o universal não é um fator no socialismo: sua dominação não é mais livre nem necessariamente mais racional do que a do capital. O socialismo significa um universal determinado: o das pessoas livres. Até que a sociedade comunista desenvolvida se torne real, o universal só poderá tomar a forma da dominação da classe operária revolucionária, porque somente esta classe pode negar todas as classes, só ela tem o poder de abolir as relações existentes de produção e todo o aparato que vem com elas. A primeira meta da ditadura comunista sobre o proletariado (ver #16) deve ser a de submeter o aparato de produção ao proletariado: a república conselhista.

20 Esta meta e toda a política que a acompanha não constam atualmente do programa de nenhum partido comunista. É incompatível com a social-democracia. Na situação existente, é sugerida apenas como pura teoria. Esta separação entre teoria e prática é uma exigência da própria prática e permanece voltada para ela. Isto significa, negativamente, que a teoria não se alia com qualquer grupo ou constelação anticomunista. Os partidos comunistas são e continuarão sendo o único poder antifascista. Sua denúncia deve ser puramente teórica. Sabe-se que a realização da teoria só é possível através dos partidos comunistas e que ela precisa da ajuda da União Soviética. Esta consciência deve estar contida em todos os seus conceitos. Mais: em todos os seus conceitos a denúncia do neofascismo e da social-democracia deve superar a da política comunista. A liberdade burguesa da democracia é melhor do que a arregimentacão total, mas foi literalmente comprada por décadas de exploração prolongada e pelo retardamento da liberdade socialista.

21 A própria teoria se vê diante de duas tarefas principais: a análise do aburguesamento (#12-15) e a construção do socialismo. Os motivos que levaram Marx a omitir este tipo de construção devem ser reconsiderados à luz do dano causado pelas construções espúrias e semi-socialistas. A construção do socialismo se vê diante da tarefa de repensar a teoria das duas fases ou a diferença entre socialismo e comunismo, que domina a discussão atualmente. Esta teoria já pertence ela mesma ao período do aburguesamento e da social-democracia, como uma tentativa de levar este fenômeno para a concepção original e resgatar esta última contra ele. Pressupõe que a sociedade socialista irá "emergir" da capitalista e que a sociedade capitalista caminhará para o socialismo. Aceita, para a primeira fase, a continuação da subordinação do trabalho à divisão do trabalho, a continuação do trabalho assalariado e a dominação do aparato produtivo. Permanece orientada para a necessidade do progresso tecnológico. Pode reforçar o ponto de vista perigoso que, no tocante ao desenvolvimento das forças produtivas e à eficiência, o socialismo é um capitalismo intensificado e que a sociedade socialista tem de "superar" o capitalismo.

22 A teoria das duas fases ganhou justificativa histórica na luta da União Soviética contra o mundo capitalista à sua volta e na necessidade de "construir o socialismo em um só país". Justifica a não existência do socialismo nesta situação. Além disto, é falsa. Ao aceitar a racionalidade capitalista, utiliza as armas da antiga sociedade contra a nova: o capitalismo tem melhor tecnologia e maior riqueza (tecnológica); esta base permite que o capitalismo promova uma vida melhor. A sociedade socialista só pode imitar e superar isto se abrir mão da dispendiosa experiência de abolir a dominação e imitar e superar o desenvolvimento capitalista da produção e a produtividade do trabalho, isto é, a subordinação do trabalho assalariado ao aparato de produção. A transição para o socialismo se torna rebus sic stantibus1 sem sentido.

23 Ao contrário disto, a teoria das duas fases só pode projetar uma mudança para o futuro. Seu valor é mínimo para os operários europeus e americanos nas garras da ideologia sindicalista; o positivismo triunfou aqui também. E o valor se torna menor, quanto mais a "primeira fase" durar. Sua extensão cria um espírito de submissão e acomodação nos operários afetados, os quais mantêm eles próprios a perpetuação da "primeira fase" e extinguem os desejos revolucionários. Sob estas circunstâncias, o fim da "primeira fase" e a transição para o comunismo pode surgir apenas como um milagre ou como o trabalho de forças externas estrangeiras (ver #7).

24 A construção do socialismo deveria colocar sua diferença, não sua "emergência" a partir do capitalismo no centro da discussão. A sociedade socialista deveria ser apresentada como a negação determinada do mundo capitalista. Esta negação não é a nacionalização dos meios de produção, nem seu melhor desenvolvimento, nem o padrão mais alto de vida, mas antes a abolição da dominação, da exploração e do trabalho.
25 A socialização dos meios de produção, sua administração pêlos "produtores imediatos", permanece a precondição do socialismo. É sua primeira característica de destaque: onde não está presente, não há sociedade socialista. Mas os meios socializados de produção ainda são os do capitalismo: são a dominação e a exploração coisificadas. Não apenas no sentido puramente econômico. O que se produziu com eles traz a marca do capitalismo: também está estampada nos bens de consumo. E claro que uma máquina é apenas uma máquina; só o processo de trabalho assalariado a transforma em capital. Mas como capital, os meios de produção existentes também formaram as necessidades, os pensamentos e sentimentos das pessoas, e determinaram o horizonte e o conteúdo de sua liberdade. A socialização como tal não modifica nem o horizonte, nem o conteúdo: se a produção continuar ininterrupta, o que havia antes do momento da socialização também será reproduzido. As necessidades habituais continuam a influenciar as novas condições e os meios socializados de produção. A socialização dos meios de produção torna-se socialismo somente na medida em que o próprio modo de produção se torne a negação do modo de produção capitalista.

26 Isto inclui, para começar, a abolição do trabalho assalariado. A administração estatal-burocrática dos meios de produção não acaba com o trabalho assalariado. Este não é o caso até que os próprios produtores administrem diretamente a produção, isto é, eles próprios determinem o quê, quanto, e por quanto tempo algo será produzido. Este passo, sob as condições da economia moderna, equivale provavelmente à transição para a anarquia e a desintegração. E exatamente esta anarquia e desintegração talvez seja o único modo de quebrar a reprodução capitalista no socialismo, criar o intervalo ou mesmo o vácuo no qual a mudança de necessidades, o nascimento da liberdade possa ocorrer. A anarquia testemunharia a abolição da dominação e a desintegração eliminaria o poder do aparato de produção sobre o ser humano ou, pelo menos, significaria uma maior oportunidade para a negação total da sociedade de classes.

27 Quando os operários tomarem a produção em suas próprias mãos (e não se submeterem imediatamente, mais uma vez, a uma nova burocracia dominadora), talvez venham a abolir primeiro a escravidão do salário, isto é, diminuir as horas de trabalho. Podem também decidir o que produzir, o que parecer mais importante para eles nas várias localidades. Isto levaria automaticamente à dissolução da economia nacional em sua forma integrada; o aparato de produção se desintegraria em partes separadas e em muitos casos a maquinaria técnica permaneceria sem uso. Um movimento de volta iria se iniciar, o que iria libertar a economia nacional da economia internacional, mas também traria pobreza e aflição. Mas a catástrofe sinaliza que a antiga sociedade já deixou realmente de funcionar: ela é inevitável.

28 Isto significaria que o salto para o socialismo acarretaria um salto para um padrão de vida inferior ao do alcançado cm paises capitalistas. A sociedade socialista começaria em um nível tecnologicamente "ultrapassado" de civilização. O critério de partida da sociedade socialista não é tecnológico – é o progresso na realização da liberdade dos produtores, que se expressa em uma mudança qualitativa nas necessidades. A vontade de abolir a dominação e a exploração surge como desejo de anarquia.

29 O início do socialismo em um nível "ultrapassado" de civilização não é um "atraso". Difere do início da sociedade soviética pelo fato de o retrocesso não ser uma necessidade econômica (determinada pelo nível técnico de produção), mas antes um ato de liberdade revolucionária, uma interrupção consciente da continuidade. O atual aparato de produção e distribuição é suspenso pêlos trabalhadores, não é plenamente utilizado e talvez até parcialmente destruído. Se o proletariado não pode simplesmente "tomar" o aparato do Estado, então o mesmo é verdadeiro para o moderno aparato de produção. Sua estrutura exige uma burocracia especializada e diferenciada, que necessariamente perpetua a dominação e a produção em massa, o que leva necessariamente à padronização e à manipulação (arregimentação).

30 O problema de evitar uma burocracia de Estado socialista deve ser visto como um problema econômico. A burocracia tem suas origens sociais na estrutura (tecnológica) do aparato de produção; a remoção desta forma heterônoma pressupõe a mudança desta estrutura. Uma educação socialista geral certamente tornaria as funções especializadas intercambiáveis e assim romperia a forma heterônoma de burocracia, mas este tipo de educação não pode ter sucesso em uma burocracia estabelecida de dominação. Precisa preceder a burocracia operante – não substituí-la. Este tipo de educação só é possível quando o aparato de produção heteronomamente estruturado é submetido aos produtores a fim de que adquiram "experiência". A autoridade racional, que deve conduzir esta experiência, deve permanecer sob o controle direto dos produtores.

31 A desintegração revolucionária do aparato de produção capitalista também desintegrará as organizações de trabalhadores, que se tornaram parte deste aparato. Os sindicatos não são apenas órgãos do status quo, mas também da manutenção do status quo nas novas formas do Socialismo de Estado e do sovietismo. Seus interesses estão ligados ao funcionamento do aparato de produção de que se tornaram sócios (de segunda classe). Podem trocar de senhores, mas precisam de um senhor para compartilhar seu interesse na orientação domesticadora dos trabalhadores organizados.

32 Enquanto os sindicatos em sua estrutura e organização tradicionais representam uma força hostil à revolução, o partido político operário permanece o sujeito necessário da revolução. Na concepção marxista original, o partido não desempenha um papel decisivo. Marx supunha que o proletariado é impelido à ação revolucionária por si mesmo, baseado no conhecimento de seus próprios interesses, assim que as condições revolucionárias se façam presentes. Entretanto, o capitalismo monopolista encontrou formas e meios de nivelar econômica, política e culturalmente [gleichschalten] (#12-15) a maioria do proletariado. A negação deste nivelamento antes da revolução é impossível. Os fatos confirmaram a correção da concepção leninista do partido de vanguarda como sujeito da revolução. É verdade que os partidos comunistas atuais não são este sujeito, mas também é verdade que somente eles podem tornar-se o sujeito. Somente nas teorias dos partidos comunistas está viva a memória da tradição revolucionária, que pode mais uma vez tornar-se a memória da meta revolucionária; só sua situação se encontra tão fora da sociedade capitalista que pode tornar-se novamente uma situação revolucionária.

33 A tarefa política consistiria então em reconstruir a teoria revolucionária dentro dos partidos comunistas e em trabalhar na práxis apropriada a ela. A tarefa parece impossível hoje. Mas talvez a relativa independência em relação aos ditames soviéticos exigida por esta tarefa esteja presente como uma possibilidade nos partidos comunistas da Europa Ocidental e da Alemanha Ocidental.

* in: Marcuse, H: TECNOLOGIA, GUERRA E FASCISMO, Edunesp.

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Introdução à vida não fascista – Michel Foucault

Introdução à vida não fascista*

Michel Foucault
 
Foucault, Sartre e Deleuze em uma manifestação

        Durante os anos 1945-1965 (falo da Europa), existia uma certa forma correta de pensar, um certo estilo de discurso político, uma certa ética do intelectual. Era preciso ser unha e carne com Marx, não deixar seus sonhos vagabundearem muito longe de Freud e tratar os sistemas de signos – e significantes – com o maior respeito. Tais eram as três condições que tornavam aceitável essa singular ocupação que era a de escrever e de enunciar uma parte da verdade sobre si mesmo e sobre sua época.

        Depois, vieram cinco anos breves, apaixonados, cinco anos de júbilo e de enigma. Às portas de nosso mundo, o Vietnã, o primeiro golpe em direção aos poderes constituídos. Mas aqui, no interior de nossos muros, o que exatamente se passa? Um amálgama de política revolucionária e anti-repressiva? Uma guerra levada por dois frontes – a exploração social e a repressão psíquica? Uma escalada da libido modulada pelo conflito de classes? É possível. De todo modo, é por esta interpretação familiar e dualista que se pretendeu explicar os acontecimentos destes anos. O sonho que, entre a Primeira Guerra Mundial e o acontecimento do fascismo, teve sob seus encantos as frações mais utopistas da Europa – a Alemanha de Wilhem Reich e a França dos surrealistas – retornou para abraçar a realidade mesma: Marx e Freud esclarecidos pela mesma incandescência.

        Mas é isso mesmo o que se passou? Era uma retomada do projeto utópico dos anos trinta, desta vez, na escala da prática social? Ou, pelo contrário, houve um movimento para lutas políticas que não se conformavam mais ao modelo prescrito pela tradição marxista? Para uma experiência e uma tecnologia do desejo que não eram mais freudianas? Brandiram-se os velhos estandartes, mas o combate se deslocou e ganhou novas zonas.

        O Anti-Édipo mostra, pra começar, a extensão do terreno ocupado. Porém, ele faz muito mais. Ele não se dissipa no denegrimento dos velhos ídolos, mesmo se divertindo muito com Freud. E, sobretudo, nos incita a ir mais longe.

       Seria um erro ler o Anti-Édipo como a nova referência teórica  (vocês sabem, essa famosa teoria que se nos costuma anunciar: essa que vai englobar tudo, essa que é absolutamente totalizante e tranquilizadora, essa, nos afirmam, “que tanto precisamos” nesta época de dispersão e de especialização, onde a “esperança” desapareceu). Não é preciso buscar uma “filosofia” nesta extraordinária profusão de novas noções e de conceitos-surpresa. O Anti-Édipo não é um Hegel pomposo.  Penso que a melhor maneira de ler o Anti-Édipo é abordá-lo como uma “arte”, no sentido em que se fala de “arte erótica”, por exemplo. Apoiando-se sobre noções aparentemente abstratas de multiplicidades, de fluxo, de dispositivos e de acoplamentos, a análise da relação do desejo com a realidade e com a “máquina” capitalista contribui para responder a questões concretas. Questões que surgem menos do porque das coisas do que de seu como. Como introduzir o desejo no pensamento, no discurso, na ação? Como o desejo pode e deve desdobrar suas forças na esfera do político e se intensificar no processo de reversão da ordem estabelecida? Ars erotica, ars theoretica, ars politica.

        Daí os três adversários aos quais o Anti-Édipo se encontra confrontado. Três adversários que não têm a mesma força, que representam graus diversos de ameaça, e que o livro combate por meios diferentes.

        1) Os ascetas políticos, os militantes sombrios, os terroristas da teoria, esses que gostariam de preservar a ordem pura da política e do discurso político. Os burocratas da revolução e os funcionários da verdade.

        2) Os lastimáveis técnicos do desejo – os psicanalistas e os semiólogos que registram cada signo e cada sintoma, e que gostariam de reduzir a organização múltipla do desejo à lei binária da estrutura e da falta.

        3) Enfim, o inimigo maior, o adversário estratégico (embora a oposição do Anti-Édipo a seus outros inimigos constituam mais um engajamento político): o fascismo. E não somente o fascismo histórico de Hitler e de Mussolini – que tão bem souberam mobilizar e utilizar o desejo das massas -, mas o fascismo que está em nós todos, que martela nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora.

        Eu diria que o Anti-Édipo (que seus autores me perdoem) é um livro de ética, o primeiro livro de ética que se escreveu na França depois de muito tempo (é talvez a razão pela qual seu sucesso não é limitado a um “leitorado” [“lectorat”] particular: ser anti-Édipo tornou-se um estilo de vida, um modo de pensar e de vida). Como fazer para não se tornar fascista mesmo quando (sobretudo quando) se acredita ser um militante revolucionário? Como liberar nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres do fascismo? Como expulsar o fascismo que está incrustado em nosso comportamento? Os moralistas cristãos buscavam os traços da carne que estariam alojados nas redobras da alma. Deleuze e Guattari, por sua parte, espreitam os traços mais ínfimos do fascismo nos corpos.

        Prestando uma modesta homenagem a São Francisco de Sales, se poderia dizer que o Anti-Édipo é uma Introdução à vida não fascista.[1]

        Essa arte de viver contrária a todas as formas de fascismo, que sejam elas já instaladas ou próximas de ser, é acompanhada de um certo número de princípios essenciais, que eu resumiria da seguinte maneira se eu devesse fazer desse grande livro um manual ou um guia da vida cotidiana:

        – Libere a ação política de toda forma de paranóia unitária e totalizante;

        – Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, mais do que por subdivisão e hierarquização piramidal;

        – Libere-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna), que o pensamento ocidental, por um longo tempo, sacralizou como forma do poder e modo de acesso à realidade. Prefira o que é positivo e múltiplo; a diferença à uniformidade; o fluxo às unidades; os agenciamentos móveis aos sistemas. Considere que o que é produtivo, não é sedentário, mas nômade;

        – Não imagine que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo que a coisa que se combata seja abominável. É a ligação do desejo com a realidade (e não sua fuga, nas formas da representação) que possui uma força revolucionária;

        – Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política, para desacreditar um pensamento, como se ele fosse apenas pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política;

        – Não exija da ação política que ela restabeleça os “direitos” do indivíduo, tal como a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto do poder. O que é preciso é “desindividualizar” pela multiplicação, o deslocamento e os diversos agenciamentos. O grupo não deve ser o laço orgânico que une os indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de “desindividualização”;

        – Não caia de amores pelo poder.

        Poder-se-ia dizer que Deleuze e Guattari amam tão pouco o poder que eles buscaram neutralizar os efeitos de poder ligados a seu próprio discurso. Por isso os jogos e as armadilhas que se encontram espalhados em todo o livro, que fazem de sua tradução uma verdadeira façanha. Mas não são as armadilhas familiares da retórica, essas que buscam seduzir o leitor, sem que ele esteja consciente da manipulação, e que finda por assumir a causa dos autores contra sua vontade. As armadilhas do Anti-Édipo são as do humor: tanto os convites a se deixar expulsar, a despedir-se do texto batendo a porta. O livro faz pensar que é apenas o humor e o jogo aí onde, contudo, alguma coisa de essencial se passa, alguma coisa que é da maior seriedade: a perseguição a todas as formas de fascismo, desde aquelas, colossais, que nos rodeiam e nos esmagam até aquelas formas pequenas que fazem a amena tirania de nossas vidas cotidianas.

 __________________________

[1] Francisco de Sales. Introduction à la vie devote (1064). Lyon: Pierre Rigaud, 1609.

 * Preface in: Gilles Deleuze e Félix Guattari. Anti-Oedipus: Capitalism
and Schizophrenia, New York, Viking Press, 1977, pp. XI-XIV. Traduzido
por wanderson flor do nascimento.

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Plan de Ayala – Emiliano Zapata

Zapata e o Plano de Ayala

 Plan de Ayala

Emiliano Zapata

Plan libertador de los hijos del Estado de Morelos, afiliados al Ejército Insurgente que defiende el cumplimiento del Plan de San Luis, con las reformas que ha creído conveniente aumentar en beneficio de la Patria Mexicana.

Los que subscribimos, constituidos en Junta Revolucionaria para sostener y llevar a cabo las promesas que hizo la Revolución de 20 de noviembre de 1910, próximo pasado, declaramos solemnemente ante la faz del mundo civilizado que nos juzga y ante la Nación a que pertenecemos y amamos, los propósitos que hemos formulado para acabar con la tiranía que nos oprime y redimir a la Patria de las dictaduras que se nos imponen las cuales quedan determinadas en el siguiente Plan:

1º. Teniendo en consideración que el pueblo mexicano, acaudillado por don Francisco I. Madero, fue a derramar su sangre para reconquistar libertades y reivindicar derechos conculcados, y no para que un hombre se adueñara del poder, violando los sagrados principios que juró defender bajo el lema de "Sufragio Efectivo y No Reelección", ultrajando así la fe, la causa, la justicia y las libertades del pueblo; teniendo en consideración que ese hombre a que nos referimos es don Francisco I. Madero, el mismo que inició la precitada revolución, el que impuso por norma gubernativa su voluntad e influencia al Gobierno Provisional del ex Presidente de la República licenciado Francisco L. de la Barra, causando con este hecho reiterados derramamientos de sangre y multiplicadas desgracias a la Patria de una manera solapada y ridícula, no teniendo otras miras, que satisfacer sus ambiciones personales, sus desmedidos instintos de tirano y su profundo desacato al cumplimiento de las leyes preexistentes emanadas del inmortal Código de 57 escrito con la sangre de los revolucionarios de Ayutla.

Teniendo en cuenta: que el llamado Jefe de la Revolución Libertadora de México, don Francisco I. Madero, por falta de entereza y debilidad suma, no llevó a feliz término la Revolución que gloriosamente inició con el apoyo de Dios y del pueblo, puesto que dejó en pie la mayoría de los poderes gubernativos y elementos corrompidos de opresión del Gobierno dictatorial de Porfirio Díaz, que no son, ni pueden ser en manera alguna la representación de la Soberanía Nacional, y que, por ser acérrimos adversarios nuestros y de los principios que hasta hoy defendemos, están provocando el malestar del país y abriendo nuevas heridas al seno de la Patria para darle a beber su propia sangre; teniendo también en cuenta que el supradicho señor don Francisco I. Madero, actual Presidente de la República, trata de eludirse del cumplimiento de las promesas que hizo a la Nación en el Plan de San Luis Potosí, siendo las precitadas promesas postergadas a los convenios de Ciudad Juárez; ya nulificando, persiguiendo, encarcelando o matando a los elementos revolucionarios que le ayudaron a que ocupara el alto puesto de Presidente de la República, por medio de las falsas promesas y numerosas intrigas a la Nación.

Teniendo en consideración que el tantas veces repetido Francisco I. Madero, ha tratado de ocultar con la fuerza bruta de las bayonetas y de ahogar en sangre a los pueblos que le piden, solicitan o exigen el cumplimiento de sus promesas en la Revolución, llamándoles bandidos y rebeldes, condenandolos a una guerra de exterminio, sin conceder ni otorgar ninguna de las garantías que prescriben la razón, la justicia y la ley; teniendo en consideración que el Presidente de la República Francisco I. Madero, ha hecho del Sufragio Efectivo una sangrienta burla al pueblo, ya imponiendo contra la voluntad del mismo pueblo, en la Vicepresidencia de la República, al licenciado José María Pino Suárez, o ya a los gobernadores de los Estados, designados por él, como el llamado general Ambrosio Figueroa, verdugo y tirano del pueblo de Morelos; ya entrando en contubernio escandaloso con el partido científico, hacendados-feudales y caciques opresores, enemigos de la Revolución proclamada por él, a fin de forjar nuevas cadenas y seguir el molde de una nueva dictadura más oprobiosa y más terrible que la de Porfirio Díaz; pues ha sido claro y patente que ha ultrajado la soberanía de los Estados, conculcando las leyes sin ningún respeto a vida ni intereses, como ha sucedido en el Estado de Morelos y otros conduciéndonos a la más horrorosa anarquía que registra la historia contemporánea. Por estas consideraciones declaramos al susodicho Francisco I. Madero, inepto para realizar las promesas de la revolución de que fue autor, por haber traicionado los principios con los cuales burló la voluntad del pueblo y pudo escalar el poder; incapaz para gobernar y por no tener ningún respeto a la ley y a la justicia de los pueblos, y traidor a la Patria por estar a sangre y fuego humillando a los mexicanos que desean libertades, a fin de complacer a los científicos, hacendados y caciques que nos esclavizan y desde hoy comenzamos a continuar la Revolución principiada por él, hasta conseguir el derrocamiento de los poderes dictatoriales que existen.

2º. Se desconoce como Jefe de la Revolución al señor Francisco I. Madero y como Presidente de la República por las razones que antes se expresan, procurándose el derrocamiento de este funcionario.

3º. Se reconoce como Jefe de la Revolución Libertadora al C. general Pascual Orozco, segundo del caudillo don Francisco I. Madero, y en caso de que no acepte este delicado puesto, se reconocerá como jefe de la Revolución al C. general don Emiliano Zapata.

4º. La Junta Revolucionaria del Estado de Morelos manifiesta a la Nación, bajo formal protesta, que hace suyo el plan de San Luis Potosí, con las adiciones que a continuación se expresan en beneficio de los pueblos oprimidos, y se hará defensora de los principios que defienden hasta vencer o morir.

5º. La Junta Revolucionaria del Estado de Morelos no admitirá transacciones ni componendas hasta no conseguir el derrocamiento de los elementos dictatoriales de Porfirio Díaz y de Francisco I. Madero, pues la Nación está cansada de hombres falsos y traidores que hacen promesas como libertadores, y al llegar al poder, se olvidan de ellas y se constituyen en tiranos.

6º. Como parte adicional del plan que invocamos, hacemos constar: que los terrenos, montes y aguas que hayan usurpado los hacendados, científicos o caciques a la sombra de la justicia venal, entrarán en posesión de esos bienes inmuebles desde luego, los pueblos o ciudadanos que tengan sus títulos, correspondientes a esas propiedades, de las cuales han sido despojados por mala fe de nuestros opresores, manteniendo a todo trance, con las armas en las manos, la mencionada posesión, y los usurpadores que se consideren con derechos a ellos, lo deducirán ante los tribunales especiales que se establezcan al triunfo de la Revolución.

7º. En virtud de que la inmensa mayoría de los pueblos y ciudadanos mexicanos no són mas dueños que del terreno que pisan sin poder mejorar en nada su condición social ni poder dedicarse a la industria o a la agricultura, por estar monopolizadas en unas cuantas manos, las tierras, montes y aguas; por esta causa, se expropiarán previa indemnización, de la tercera parte de esos monopolios, a los poderosos propietarios de ellos a fin de que los pueblos y ciudadanos de México obtengan ejidos, colonias, fundos legales para pueblos o campos de sembradura o de labor y se mejore en todo y para todo la falta de prosperidad y bienestar de los mexicanos.

8º. Los hacendados, científicos o caciques que se opongan directa o indirectamente al presente Plan, se nacionalizarán sus bienes y las dos terceras partes que a ellos correspondan, se destinarán para indemnizaciones de guerra, pensiones de viudas y huérfanos de las víctimas que sucumban en las luchas del presente Plan.

9º. Para ejecutar los procedimientos respecto a los bienes antes mencionados, se aplicarán las leyes de desamortización y nacionalización, según convenga; pues de norma y ejemplo pueden servir las puestas en vigor por el inmortal Juárez a los bienes eclesiásticos, que escarmentaron a los déspotas y conservadores que en todo tiempo han querido imponernos el yugo ignominioso de la opresión y el retroceso.

10º. Los jefes militares insurgentes de la República que se levantaron con las armas en las manos a la voz de don Francisco I. Madero, para defender el Plan de San Luis Potosí y que se opongan con fuerza al presente Plan, se juzgarán traidores a la causa que defendieron y a la Patria, puesto que en la actualidad muchos de ellos por complacer a los tiranos, por un puñado de monedas o por cohechos o soborno, están derramando la sangre de sus hermanos que reclaman el cumplimiento de las promesas que hizo a la Nación don Francisco I. Madero.

11º. Los gastos de guerra serán tomados conforme al artículo XI del Plan de San Luís Potosí, y todos los procedimientos empleados en la Revolución que emprendemos, serán conforme a las instrucciones mismas que determine el mencionado Plan.

12º. Una vez triunfante la Revolución que llevamos a la vía de la realidad, una junta de los principales jefes revolucionarios de los diferentes Estados, nombrará o designará un Presidente interino de la República, que convocará a elecciones para la organización de los poderes federales.

13º. Los principales jefes revolucionarios de cada Estado, en junta, designarán al gobernador del Estado, y este elevado funcionario, convocará a elecciones para la debida organización de los poderes públicos, con el objeto de evitar consignas forzosas que labren la desdicha de los pueblos, como la conocida consigna de Ambrosio Figueroa en el Estado de Morelos y otros, que nos condenan al precipicio de conflictos sangrientos sostenidos por el dictador Madero y el círculo de científicos hacendados que lo han sugestionado.

14º. Si el presidente Madero y demás elementos dictatoriales del actual y antiguo régimen, desean evitar las inmensas desgracias que afligen a la patria, y poseen verdadero sentimiento de amor hacia ella, que hagan inmediata renuncia de los puestos que ocupan y con eso, en algo restañarán las graves heridas que han abierto al seno de la Patria, pues que de no hacerlo así, sobre sus cabezas caerán la sangre y anatema de nuestros hermanos.

15º. Mexicanos: considerad que la astucia y la mala fe de un hombre está derramando sangre de una manera escandalosa, por ser incapaz para gobernar; considerad que su sistema de Gobierno está agarrotando a la patria y hollando con la fuerza bruta de las ballonetas nuestras instituciones; así como nuestras armas las levantamos para elevarlo al Poder, las volvemos contra él por faltar a sus compromisos con el pueblo mexicano y haber traicionado la Revolución iniciada por él; no somos personalistas, ¡somos partidarios de los principios y no de los hombres!

Pueblo mexicano, apoyad con las armas en las manos este Plan, y hareis la prosperidad y bienestar de la Patria.

Libertad, Justicia y Ley. Ayala, Estado de Morelos, noviembre 25 de 1911.

General en jefe, Emiliano Zapata, rúbrica. Generales: Eufemio Zapata, Francisco Mendoza, Jesús Navarro, Otilio E. Montaño, José Trinidad Ruiz, Próculo Capistrán, rúbricas. Coroneles: Pioquinto Galis, Felipe Vaquero, Cesáreo Burgos, Quintín González, Pedro Salazar, Simón Rojas, Emigdio Marlolejo, José Campos, Felipe Tijera, Rafael Sánchez, José Pérez, Santiago Aguilar, Margarito Martínez, Feliciano Domínguez, Manuel Vergara, Cruz Salazar, Lauro Sánchez, Amador Salazar, Lorenzo Vázquez, Catarino Perdomo, Jesús Sánchez, Domingo Romero, Zacarías Torres, Bonifacio García, Daniel Andrade, Ponciano Domínguez, Jesús Capistrán, rúbricas. Capitanes: Daniel Mantilla, José M. Carrillo, Francisco Alarcón, Severiano Gutiérrez, rúbricas, y siguen más firmas.

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¿ Para qué sirve la autoridad? – Ricardo Flores Magón

Os irmãos Magón¿ Para qué sirve la autoridad?
Ricardo Flores Magón

Inclinado sobre el arado, regando con su sudor el surco que va abriendo, trabaja el peón, a la par que entona una de esas tristísimas canciones del pueblo, en las que parece condensarse, sumarse, toda la amargura que la injusticia social ha venido acumulando por siglos y siglos en el corazón de los humildes. Trabaja el peón y canta, al mismo tiempo que piensa en el jacal donde los suyos le esperan para tomar, reunidos, la pobre cena. Su corazón se inunda de ternura pensando en sus hijitos y en su compañera, y, alzando la vista para observar la disposición del sol en aquel momento, con el fin de adivinar la hora que pueda ser, percibe, a lo lejos, una ligera nubecilla de polvo, que, poco a poco, se va haciendo más grande a medida que más se acerca al lugar en que él se encuentra. Son soldados de caballería que se le aproximan y le preguntan: "¿Tú eres Juan?", y al recibir respuesta afirmativa, le dicen: "Ven con nosotros; el Gobierno te necesita". Y allá va Juan, amarrado como un criminal, camino de la ciudad, donde le aguarda el cuartel, mientras los suyos que-. dan en el jacal. encadenados a morirse de hambre o a robar y a prostituirse para no sucumbir.

¿Podría decir Juan que la Autoridad es buena para los pobres?

II

Hace tres días que Pedro recorre, ansioso, las calles de la ciudad en busca de trabajo. Es buen trabajador; sus músculos son de acero; en su rostro cuadrado, de hijo del pueblo, se refleja la honradez. En vano recorre la ciudad en todos sentidos pidiendo a lo señores burgueses que se tomen la "molestia" de explotar sus robustos brazos. Por todas partes se le cierran las puertas; pero Pedro es enérgico y no desmaya, y, sudoroso, con los finos dientes del hambre destrozándole el estómago, ofrece, ofrece, ofrece sus puños de hierro, con la esperanza de encontrar un amo que, <‘caritativamente", quiera explotados. Y mientras atraviesa la ciudad por la vigésima vez, piensa en los suyos que, como él, sufren hambre y le esperan ansiosos en la humilde pocilga, de la que están próximos a ser expulsados por el dueño de la casa, que no quiere esperar por más tiempo el pago de la renta. Piensa en los suyos… y, contraído dolorosamente el corazón, con las lágrimas próximas a rodar de sus ojos, aprieta el paso, pretendiendo encontrar amos, amos, amos… Un polizonte lo ha visto pasar, repasar y volver a pasar la calle en que está apostado "guardando el orden público", y, tomándole por el cuello, lo conduce a la más cercana estación de policía, donde lo acusa de vagancia. Mientras él sufre en la cárcel, los suyos perecen de hambre y de frío, o se prostituyen o roban para no morir de hambre. ¿Podrá decir Pedro que la Autoridad es buena para los pobres?

III

Santiago, contentísimo, se despide de su compañera. Va a pedir al dueño de la hacienda la parte que, como mediero, le. corresponde de la abundante cosecha que se ha levantado. El hacendado saca libros, apuntes, notas, vales, y, después de hacer sumas, restas, multiplicaciones y divisiones, dice a su mediero:

"Nada te debo; por lo contrario, tú me debes a mi por provisiones ropa, leña, etc.". El mediero protesta, y ocurre a un juez pidiéndolo justicia. El juez revisa los libros, apuntes, notas, vales, y hace sumas, restas, multiplicaciones y divisiones, y condena al mediero a pagar su deuda al hacendado y a pagar las costas y gastos del juicio. La compañera, contentísima, sale a encontrar a Santiago con el hijo menor en brazos, creyendo que traerá bastante dinero, pues la cosecha ha sido espléndida; pero palidece al ver que corren abundantes lágrimas por las tostadas mejillas del noble trabajador, que llega con las manos vacías y el corazón hecho pedazos. El hacendado había hecho las cuentas del Gran Capitán, y el juez se había puesto, como siempre, del lado del fuerte. ¿Podría decir Santiago que la Autoridad es buena para los pobres?

IV

En la pequeña estancia, saturada la atmósfera de humo de petróleo y de tabaco, Martín, el inteligente agitador obrero, dirige la palabra a sus compañeros. "No es posible tolerar por más tiempo la inicua explotación de que somos objeto -dice Martín echando hacia atrás la cabeza melenuda y bella como la de un león-. Trabajamos doce, catorce y hasta dieciséis horas por unos cuantos centavos; se nos multa con cualquier pretexto para mermar más aún nuestro salario de hambre; se nos humilla, prohibiéndosenos que demos albergue en nuestras miserables viviendas a nuestros amigos o a nuestros parientes, o a quien se nos dé la gana; se nos prohíbe la lectura de periódicos que tienden a despertarnos y a educarnos. No permitamos más humillaciones, compañeros; declarémonos en huelga, pidiendo aumento de salario y disminución de horas de trabajo, así como que se respeten las garantías que la Constitución nos concede". Una salva de aplausos recibe las palabras del orador; se vota por la huelga; pero, al día siguiente, la población obrera sabe que Martín fue arrestado al llegar a su casa, y que hay orden de aprehensión contra algunos de los más inteligentes de los obreros. El pánico cunde, la masa obrera se resigna, vuelve a desplomarse y a ser objeto de humillaciones. ¿Podría decir Martín que la Autoridad es buena para los pobres?

v

Desde antes de rayar el alba, ya está Epifania en pie, colocando cuidadosamente, en un gran cesto, coles, lechugas, tomates, chile verde, cebollas, que recoge de su pequeño huerto, y, con la carga a cuestas, llega al mercado de la ciudad a realizar su humilde mercancía, con cuyo produto podrá comprar la medicina que necesita el viejo padre y el pan de que tienen necesidad sus pequeños hermanos. Antes de que Epifania venda dos manojos de cebollas, se presenta el recaudador de las contribuciones exigiendo el pago en nombre del Gobierno, que necesita dinero para pagar ministros, diputados, senadores, jueces, gendarmes y carceleros. Epifania no puede hacer el pago y su humilde mercancía es embargada por el Gobierno, sin que el llanto ni las razones de la pobre mujer logren ablandar el corazón del funcionario público. ¿Podría decir Epifania que la Autoridad es buena para los pobres?

VI

¿Para qué sirve, pues, la Autoridad? Para hacer respetar la ley que, escrita por los ricos o por hombres instruidos, que están al servicio de los ricos, tiene por objeto garantizarles la tranquila posesión de las riquezas y la explotación del trabajo del hombre. En otras palabras: la Autoridad es el gendarme del Capital, y este gendarme no está pagado por el Capital, sino por los pobres.

Para acabar con la Autoridad debemos comenzar por acabar con el Capital. Tomemos posesión de la tierra, de la maquinaria de producción y de los medios de transportación. Organicemos el trabajo y el consumo en común, estableciendo que todo sea de la propiedad de todos, y entonces no habrá ya necesidad de pagar funcionarios que cuiden el capital retenido en unas cuantas manos, pues cada hombre y cada mujer serán, a la vez, productores y vigilantes de la riqueza social.

Mexicanos:

Vuestro porvenir está en vuestras manos. Hoy que el principio de Autoridad ha perdido su fuerza por la rebeldía popular, es el momento más oportuno para poner las manos sobre la ley y hacerla pedazos; para poner las manos sobre la propiedad individual, haciéndola propiedad de todos y cada uno de los seres humanos que pueblan la República Mexicana.

No permitamos, por lo tanto, que se haga fuerte un Gobierno. ¡A expropiar sin tardanza! Y si por desgracia sube algún otro individuo a la Presidencia de la República, ¡guerra contra él y los suyos!, para impedir que se haga fuerte, y, mientras tanto, .a continuar la expropiación.

(De "Regeneración", del número 83, fechado el 30 de marzo de 1912).

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Terceira Declaração da Selva Lacandona – Subcomandante Marcos

 
 
Terceira Declaração da Selva Lacandona

 

Há um ano do levante zapatista, hoje dizemos:

 
"A pátria vive! É nossa! Temos sido desafortunados, é verdade; muitas vezes a sorte tem sido adversa, mas, a causa do México, que é a causa do direito e da justiça, não sucumbiu, não morreu e não morrerá porque ainda existem mexicanos comprometidos em cujos corações arde o fogo sagrado do patriotismo e, seja onde for que se encontrem empunhando as armas e o estandarte da nação, tanto lá como aqui, será vivo e enérgico o protesto do direito contra a força.

Que fique bem claro para o homem incauto que aceitou a triste missão de servir de instrumento para escravizar um povo livre: o seu trono vacilante não repousa sobre a livre vontade da nação e sim sobre o sangue e os cadáveres de milhares de mexicanos que foram sacrificados sem razão ou apenas porque defendiam a sua liberdade e os seus direitos.

Mexicanos: vocês que tem a infelicidade de viver sob o domínio da usurpação, não vos resignais a suportar o jugo do opróbrio que pesa sobre vocês. Não vos deixeis enganar pelas pérfidas insinuações dos que defendem os fatos consumados, porque eles são, e sempre foram, partidários do despotismo. A existência de um poder arbitrário é uma violação permanente do direito e da justiça que nem o tempo, nem as armas, jamais podem justificar, e que é preciso destruir para a dignidade do México e da humanidade."

"Manifesto: de pé e decididos como no primeiro dia."

Benito Juarez, Chihuahua, janeiro de 1995.

 

Ao povo mexicano

Aos povos e governos do mundo

Irmãos:

No dia 1º de janeiro de 1994 levamos ao conhecimento de todos a Primeira Declaração da Selva Lacandona. No dia 10 de junho, lançamos a Segunda Declaração da Selva Lacandona. Tanto uma como outra, foram alimentadas pelo afã da luta por democracia, liberdade e justiça para todos os mexicanos.

Na primeira convocávamos o povo mexicano a levantar-se em armas contra o mau governo, principal obstáculo para transição rumo à democracia em nosso país. Na segunda, através da Convenção Nacional Democrática, chamamos os mexicanos a um esforço civil e pacífico para alcançarmos as profundas mudanças que o país precisa.

Enquanto o supremo governo mostrava toda sua falsidade e soberba, nós, entre uma e outra declaração, nos esforçamos para mostrar ao povo mexicano a nossa sustentação social, a justeza de nossas demandas e a dignidade que anima a nossa luta. Naquela ocasião, nossos fuzis se calavam e abriam espaço para que a luta legal mostrasse suas possibilidades … e seus limites. A partir da segunda Declaração da Selva Lacandona, o EZLN buscou evitar, por todos os meios, a retomada das hostilidades e procurou uma saída política, digna e justa, para que fossem atendidas as demandas formuladas nos 11 pontos do nosso programa de lutas: moradia, terra, trabalho, alimentação, saúde, educação, justiça, independência, liberdade, democracia e paz.

Para amplos setores da nossa sociedade, o processo pré-eleitoral de agosto de 1994 trouxe a esperança de que era possível a transição para a democracia pela via eleitoral. Sabendo que, nas condições atuais, as eleições não são o caminho da mudança democrática, o EZLN mandou obedecendo ao colocar-se de lado para dar a oportunidade de lutar às forças políticas legais de oposição. Na ocasião, o EZLN empenhou a sua palavra e seus esforços na busca de uma transição pacífica para a democracia. Através da Convenção Nacional Democrática, o EZLN conclamou a um esforço civil e pacífico que, sem opor-se à via eleitoral, não se esgotava nela e buscava novas formas de luta que incorporassem um maior número de entidades democráticas do México e tecessem relações com os movimentos pela democracia de outras partes do mundo. O dia 21 de agosto colocou um ponto final nas ilusões de uma mudança imediata pela via pacífica. Um processo eleitoral viciado, imoral, ilegítimo e realizado com o único objetivo de manter inalterada a situação atual, fez com que a boa vontade dos cidadãos fosse trapaceada. Em todos os lugares e em todos os níveis, o sistema de partido de Estado reafirmou a sua vocação antidemocrática e impus a sua soberba vontade. Diante de uma votação sem precedentes, o sistema político mexicano optou pela imposição e, dessa forma, acabou com as esperanças pela via eleitoral. Informes da Convenção Nacional Democrática, da Aliança Cívica e da Comissão para a Verdade trouxeram à luz aquilo que, com vergonhosa cumplicidade, estava sendo ocultado pelos meios de comunicação: uma fraude gigantesca. As múltiplas irregularidades, a iniquidade, a corrupção, a chantagem, a intimidação, o roubo e a falsificação marcaram estas que, sem dúvida, foram as eleições mais sujas da história do México. O grande número de abstenções nos pleitos para os governos dos Estados de Veracruz, Tlaxcala e Tabasco demonstram que, no México, voltou a reinar o ceticismo civil. Mas, não contente com isso, o sistema de partido de Estado voltou a repetir a fraude de agosto impondo governadores, prefeitos e representantes para a Assembléia Legislativa e a Câmara Municipal. Como no final do século XIX, quando os traidores realizaram suas "eleições" para avalizar a intervenção francesa, hoje diz-se que a nação aprova com prazer a continuidade da imposição e do autoritarismo. O processo eleitoral de agosto de 1994 é um crime de Estado. E é como criminosos que devem ser julgados os responsáveis desta farsa.

Por outro lado, o gradualismo e as vacilações se fazem presentes nas fileiras da oposição que aceita a visão pela qual uma grande fraude dilui-se numa multiplicidade de pequenas "irregularidades". Novamente aparece o velho dilema sobre a luta por democracia no México: aceitarmos prolongar a agonia apostando numa transição "sem dor", ou darmos o tiro de misericórdia cujo brilho venha a iluminar o caminho da democracia.

A situação chiapaneca é apenas uma das conseqüências do sistema político. Fazendo pouco caso dos anseios do povo de Chiapas, o governo repetiu a dose de imposição e prepotência.

Mesmo enfrentando uma ampla manifestação de repúdio, o sistema de partido de Estado optou por divulgar fartamente a mentira do seu triunfo e exacerbar os conflitos. O governo é o responsável pela atual polarização no cenário do sudeste mexicano e demonstra a sua incapacidade de solucionar com profundidade os problemas políticos e sociais do México. É pela corrupção e a repressão que ele procura resolver um problema cuja única solução é o reconhecimento do triunfo legítimo da vontade popular chiapaneca. Até agora, o EZLN se manteve à margem das mobilizações populares apesar destas estarem enfrentando uma ampla campanha de descrédito e de repressão indiscriminada.

Esperando que a vontade do governo emitisse sinais para a busca de uma solução política, justa e digna ao conflito, o EZLN assistiu impotente às ameaças, ao assassinato e às prisões dos melhores filhos da dignidade chiapaneca; viu como seus irmãos indígenas em Guerrero, Oaxaca, Tabasco, Chihuahua e Veracruz eram reprimidos e recebiam gozações como respostas às suas demandas por melhores condições de vida.

Durante todo este período, o EZLN não só resistiu ao cerco militar, às ameaças e às intimidações das forças federais, como também enfrentou uma campanha de calúnias e mentiras. Como nos primeiros dias de 1994, fomos acusados de receber apoio militar e financeiro do exterior, tentaram nos levar a abandonar nossas bandeiras em troca de dinheiro e de cargos governamentais, tentou-se esvaziar a legitimidade da nossa luta diluindo a problemática nacional no quadro da situação indígena local.

Enquanto isso, o supremo governo preparava a solução militar para a rebeldia indígena chiapaneca e a nação afundava na falta de esperança e no desgosto. Enganada por uma suposta vontade de diálogo que servia apenas para esconder o desejo de asfixiar o movimento zapatista, o mau governo deixava passar o tempo e a morte nas comunidades indígenas de todo o país.

O Partido Revolucionário Institucional, braço político do crime organizado e do narcotráfico, continuava sua fase aguda de decomposição ao recorrer ao assassinato como método para resolver os conflitos internos. Incapaz de um diálogo civilizado, o PRI ensangüentava o território nacional. Para os mexicanos é motivo de vergonha ver que no emblema do PRI continuam sendo usurpadas as cores da bandeira nacional.

Vendo que o governo e o país voltavam a cobrir de esquecimento e desinteresse os primeiros habitantes destas terras, vendo que o cinismo e a apatia voltavam a apoderar-se dos sentimentos da Nação e que, além dos seus direitos à condições mínimas para uma vida digna, negava-se aos povos indígenas o direito de governar e governar-se de acordo com seus princípios e vontade, vendo que a morte dos nossos mortos estava se tornando inútil, vendo que não nos deixavam outro caminho, o EZLN arriscou-se a romper o cerco militar que o oprimia e foi ajudar outros irmãos indígenas que, esgotadas as vias pacíficas, estavam sendo tragados pelo desespero e a miséria. Buscando evitar a qualquer preço o derramamento do sangue de irmãos em solo mexicano, o EZLN viu-se novamente obrigado a chamar a atenção da nação sobre as graves condições de vida dos índios mexicanos, especialmente daqueles que, supunha-se, já tivessem recebido a ajuda do governo e, sem dúvida, continuam carregando o fardo de miséria que, ano após ano, vem herdando há mais de cinco séculos. Com a ofensiva de novembro de 1994, o EZLN procurou mostrar ao México e ao mundo sua orgulhosa identidade indígena e a impossibilidade de resolver a situação local sem que ocorram profundas mudanças nas relações econômicas, políticas e sociais em todo o país.

Não haverá uma solução para a questão indígena se não houver uma transformação RADICAL do pacto federativo nacional. A única forma de incorporar os indígenas à nação, com justiça e dignidade, é reconhecendo as características próprias de sua organização social, cultural e política. As autonomias não são sinônimo de separação, e sim de integração das minorias mais humilhadas e esquecidas do México contemporâneo. Esta é a posição do EZLN desde a sua formação e é assim que as bases indígenas que constituem a direção de nossa organização tem ordenado que deve ser.

Hoje repetimos: NOSSA LUTA É NACIONAL

Nós zapatistas temos sido criticados porque estamos pedindo muito; dizem que devemos nos conformar com as esmolas que o mau governo nos oferece. Nós zapatistas estamos disposto a oferecer a única coisa que temos, a vida, para exigir democracia, liberdade e justiça para todos os mexicanos.

Hoje reafirmamos: PARA TODOS TUDO, PARA NÓS NADA!

Ao terminar, o ano de 1994 nos revelou a farsa econômica com a qual o salinismo havia enganado à nação e a comunidade internacional. A pátria do dinheiro chamou para perto de si os grandes senhores do poder e da arrogância e estes não hesitaram em trair o solo e o céu no qual lucravam com o sangue mexicano. A crise econômica acordou os mexicanos do sonho doce e embrutecedor de ingressar no primeiro mundo. O pesadelo do desemprego, da carestia e da miséria agora será bem mais agudo para a maioria dos mexicanos. Este ano que termina, 1994, acabou de revelar o verdadeiro rosto do sistema brutal que nos domina. O programa político, econômico, social e repressivo do neoliberalismo demonstrou sua ineficácia, sua falsidade e a cruel injustiça que constitui a sua essência. O neoliberalismo enquanto doutrina e realidade, desde já, deve ser atirado para o lixo da história nacional.

Irmãos:

Hoje, no bojo desta crise, é necessária a ação firme de todos os mexicanos honestos para que seja possível alcançar uma mudança real e profunda nos destinos da nação. Hoje, depois da convocação inicial a pegar as armas e, em seguida, a desenvolver a luta civil e pacífica, convocamos o povo do México a lutar POR TODOS OS MEIOS, EM TODOS OS NÍVEIS E EM QUALQUER LUGAR, pela democracia, liberdade e justiça, através desta

TERCEIRA DECLARAÇÃO DA SELVA LACANDONA

na qual convocamos todas as forças sociais e políticas do país, todos os mexicanos honestos, todos aqueles que lutam pela democratização da vida nacional, a formar um MOVIMENTO PARA A LIBERTAÇÃO NACIONAL que incorpora a Convenção Nacional Democrática e todas as forças que, sem distinção de religião, raça ou ideologia política, são contrárias ao sistema de partido de Estado. Este Movimento para a Libertação Nacional lutará de comum acordo, por todos os meios e em todos os níveis para a instauração de um governo de transição, uma nova constituinte, uma nova constituição e pela destruição do sistema de partido de Estado. Pedimos que a Convenção Nacional Democrática e o cidadão Cuauhtémoc Cárdenas Solórzano liderem este Movimento para a Libertação Nacional, enquanto frente ampla de oposição.

 

CHAMAMOS OS OPERÁRIOS DA REPÚBLICA, OS TRABALHADORES DO CAMPO E DA CIDADE, OS COLONOS, OS PROFESSORES E ESTUDANTES DO MÉXICO, AS MULHERES MEXICANAS, OS POVOS DE TODO O PAÍS, OS ARTISTAS E INTELECTUAIS HONESTOS, OS RELIGIOSOS COERENTES, OS MILITANTES DE BASE DAS DIFERENTES ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS a fazer com que, em seu meio e por todas as formas de luta que consideram possíveis e necessárias, lutem para o fim do sistema de Partido de Estado e, se não tiverem filiação partidária, se incorporem à convenção nacional democrática ou ao Movimento de Libertação Nacional, caso sejam militantes de algumas das forças políticas de oposição.

Portanto, de acordo com o espírito desta TERCEIRA DECLARAÇÃO DA SELVA LACANDONA, declaramos que:

Primeiro. Retiramos a custódia da pátria das mãos do governo federal. A bandeira do México, a lei suprema da nação, o Hino mexicano e o emblema nacional serão entregues agora aos cuidados das forças de resistência até que a legalidade, a legitimidade e a soberania sejam restauradas em todo o território nacional.

Segundo. Declaramos válida a versão original da Constituição Política dos Estados Unidos do México proclamada no dia 05 de fevereiro de 1917, incorporando a ela as leis revolucionárias de 1993, os estatutos de autonomia para as regiões indígenas e decretamos nossa adesão a ela até que se instaure uma nova constituinte e esta proclame uma nova constituição.

Terceiro. Convocamos a lutar pelo reconhecimento do "governo de transição para a democracia", aquele que as diferentes comunidades, organizações sociais e políticas virem a estabelecer por si mesmas, mantendo o acordo federal da constituição de 1917, e, sem levar em consideração religião, classe social, ideologia política, raça e sexo, se incorporem ao movimento para a libertação nacional.

O EZLN apoiará a população civil na tarefa de restaurar a legalidade, a ordem, a legitimidade e a soberania nacionais, e na luta pela formação e instauração de um governo nacional de transição para a democracia que tenha as características que seguem:

   1.   Que liquide o sistema de partido de Estado e tire o PRI do governo.
   1. Que formule uma nova lei eleitoral para que esta garanta: transparência, credibilidade, eqüidade, participação cidadã não partidária e não governamental, reconhecimento de todas as forças políticas nacionais, regionais ou locais e que convoque eleições gerais em todos os níveis.
   1. Que convoque uma constituinte para a criação de uma nova constituição.
   1. Que reconheça as particularidades dos grupos indígenas, seus direitos a uma autonomia que não seja excludente e a sua cidadania.
   1. Que oriente o programa econômico nacional para que este, deixando de lado a dissimulação e a mentira, favoreça os setores mais despossuídos do país, os operários e os camponeses, que são os principais produtores da riqueza da qual outros se apropriam.

 

IRMÃOS:

 

A paz virá pela mão da democracia, da liberdade e da justiça para todos os mexicanos. Os nosso passos não podem encontrar a paz justa que os nossos mortos reclamam se esta for conseguida em prejuízo da nossa dignidade mexicana. A terra não descansa e caminha em nossos corações. A enganação da qual foram vítimas os nossos mortos nos pede para lavar o seu sofrimento com a nossa luta. Resistiremos. O opróbrio e a soberba serão derrotados.

Como fez Bento Juárez diante da intervenção francesa, a pátria marcha agora do lado das forças patriotas, contra as forças antidemocráticas e antiautoritárias. Hoje dizemos:

A pátria vive! E é nossa!

Democracia!
Liberdade!
Justiça!

Das montanhas do sudeste mexicano,

CCRI-CG do EZLN – Janeiro de 1995.

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Segunda Declaração da Selva Lacandona – Subcomandante Marcos

Segunda Declaração da Selva Lacandona

        Hoje dizemos: não vamos nos render!

        "… não são somente os que carregam espadas que gotejam sangue e soltam raios fugazes de glória militar os escolhidos para nomear os governantes de um povo que quer democratizar-se; os cidadãos que lutaram através da imprensa e da tribuna, que se identificaram com as idéias da Revolução e combateram o despotismo que permeia as nossas leis, também tem este direito; não é possível aniquilar as tiranias apenas disparando projéteis em campo de batalha; é também lançando idéias, frases de liberdade e anátemas terríveis contra os carrascos do povo que se derrubam as ditaduras e se fazem desabar os impérios (…) e se estes acontecimentos históricos nos demonstram que a destruição de toda tirania, que a derrubada de todo mau governo é obra da união da idéia com a espada, é um absurdo, é uma aberração, é um despotismo sem tamanho querer segregar os elementos sadios que tem o direito de eleger o governo, porque a soberania de um povo é dada por todos os elementos sadios que tem consciência plena, que são conscientes dos seus direitos, sejam eles civis ou armados por força das circunstâncias, mas todos amam a liberdade, a justiça e trabalham para o bem da pátria".

        Emiliano Zapata na voz de Paulino Martinez, delegado zapatista na Soberana Convenção Revolucionária, Aguascalientes, México, 27 de outubro de 1914.

 

Ao povo do México

Aos povos e governos do mundo:

 

Irmãos:

 

O Exército Zapatista de Libertação Nacional, em pé de guerra contra o mau governo desde 1º de janeiro de 1994, se dirige a vocês para dar a conhecer o seu pensamento.

 

I. Irmãos mexicanos:

 

Em dezembro de 1993 dizemos: Basta! No dia 1º de janeiro de 1994, chamamos os poderes legislativo e judiciário a assumir a sua responsabilidade constitucional para impedir a política genocida que o poder Executivo Federal impõe ao nosso povo, e fundamentamos o nosso direito constitucional ao aplicar o Artigo 39 da Constituição Política dos Estados Unidos do México: "A soberania nacional reside essencialmente e originariamente no povo. Todo poder público emana do povo e se institui a benefício deste. Em qualquer momento, o povo tem o direito inalienável de alterar ou modificar a forma do seu governo".

A este apelo respondeu-se com a política de extermínio e a mentira. Os poderes da união ignoraram nossa justa demanda e permitiram o massacre. Mas este pesadelo durou apenas 12 dias, pois outra força bem superior a qualquer político ou militar se impus às partes em conflito. A Sociedade Civil assumiu o dever de preservar a nossa Pátria, desaprovou o massacre o obrigou as partes a dialogarem; todos compreendemos que os dias do partido que se eterniza no poder, aquele que usa em proveito próprio o fruto do trabalho de todos os mexicanos, devem chegar ao fim; que o sistema presidencialista, que lhe dá sustentação, impede que haja liberdade e, por isso, não devemos permitir que continue, que a cultura da fraude é o método pelo qual se impõe e impede que haja democracia, que a justiça existe apenas para os poderosos corruptos, que devemos fazer com que quem manda mande obedecendo, e não há outro caminho a não ser esse.

Isso foi compreendido por todos os mexicanos honestos e de boa fé, pela Sociedade Civil, e somente se opuseram aqueles que alicerçaram o próprio sucesso no saque dos cofres públicos, aqueles que, prostituindo a justiça, protegem traficantes, assassinos, ou aqueles que recorrem ao assassinato político e à fraude eleitoral para se impor. Somente estes fósseis da política planejam novamente dar marcha ré na história do México e apagar da consciência nacional o grito que o país inteiro assumiu a partir de 1º de janeiro de 1994: BASTA!

Não permitiremos que isso aconteça. Hoje não apelamos aos falidos poderes da União que não souberam cumprir com o seu dever constitucional e permitiram que o executivo federal os controlasse. Se esta legislatura e os magistrados não demonstraram dignidade, outros virão e talvez serão capazes de entender que devem servir a seu povo e não a um indivíduo. O nosso apelo transcende os seis anos de um mandato ou a eleição que se aproxima. É na Sociedade Civil que está a nossa soberania, é o povo que, a qualquer momento, pode alterar ou modificar a nossa forma de governo e o povo já assumiu esta tarefa. É a este povo que lançamos um apelo nesta Segunda Declaração da Selva Lacandona, dizendo:

 

Primeiro. Ao realizar ações bélicas temos cumprido à risca as convenções internacionais sobre a guerra: isso nos obteve junto a representantes da nação e de países estrangeiros o reconhecimento tácito do EZLN como força beligerante. Continuaremos cumprindo quanto é determinado por estas convenções.

 

Segundo. Ordenamos a todas as nossas forças regulares e irregulares, em todo o território nacional e no exterior, que prorroguem unilateralmente o cessar-fogo ostensivo. Respeitaremos o cessar-fogo para permitir à Sociedade Civil que se organize nas formas que considera apropriadas para realizar a transição para a democracia em nosso país.

 

Terceiro. Condenamos a ameaça que paira sobre a Sociedade Civil em função da militarização do país que, às vésperas das eleições federais, se faz presente com pessoas e modernos equipamentos repressivos. Não resta dúvida que o governo de Salinas pretende impor-se através da cultura da fraude. Não o permitiremos.

 

Quarto. Propomos a todos os partidos políticos independentes que, de imediato, reconheçam o Estado de intimidação e privação dos direitos políticos que o nosso povo sofreu nos últimos 25 anos e declarem publicamente que assumem um governo de transição política rumo à democracia.

 

Quinto. Rechaçamos a manipulação e as tentativas de separar nossas justas demandas das do povo mexicano. Somos mexicanos e não abriremos mão nem de nossas demandas, nem de nossas armas até que se estabeleçam a Democracia, a Liberdade e a Justiça para todos.

 

Sexto. Reiteramos a nossa disposição a uma solução política para a democracia no México. Convocamos a Sociedade Civil a retomar o papel de protagonista que desempenhou quando deteve a fase militar da guerra organizando-se para conduzir o esforço pacífico rumo à democracia, à liberdade e à justiça. A mudança democrática é a única alternativa à guerra.

 

Sétimo. Convocamos os elementos honestos da Sociedade Civil a um Diálogo Nacional pela Democracia, Liberdade e Justiça para todos os mexicanos.

 

Por isso dizemos:

 

II. Irmãos,

 

Iniciada a guerra em janeiro de 1994, o grito organizado do povo mexicano deteve o enfrentamento e chamou ao diálogo as partes em conflito. Às justas demandas do EZLN, o governo federal respondeu com uma série de ofertas que não tocavam o ponto essencial do problema: a falta de justiça, de liberdade e de democracia em solo mexicano. O limite do cumprimento das ofertas do governo federal às demandas do EZLN é o mesmo que marca o sistema político do partido no poder. Este sistema é aquele que faz com que nas regiões agrícolas do México subsista e se sobreponha ao poder constitucional um outro poder cujas raízes possibilitam a perpetuação do PRI no governo da nação. É este sistema de cumplicidade que torna possível a existência e os ataques dos jagunços, o poder onipotente dos criadores de gado e dos comerciantes, a penetração do narcotráfico … A simples apresentação dos compromissos para uma Paz Digna em Chiapas provocou uma grande agitação e uma luta aberta por parte destes setores. O sistema político de partido único trata de manobrar neste estreito horizonte que sua própria existência lhe impõe: não pode deixar de atingir estes setores sem atentar contra si mesmo, e não pode deixar as coisas como estão sem aumentar a beligerância dos camponeses e dos indígenas. Resumindo: o cumprimento dos compromissos implica, necessariamente, na morte do sistema de partido de Estado. Por suicídio ou por fuzilamento, a morte do atual sistema político mexicano é a condição necessária, ainda que não suficiente, para a transição rumo à democracia em nosso país. O caso de Chiapas não tem solução se não se resolve o problema do México.

O EZLN entende que a pobreza mexicana não se explica pela falta de recursos. Além disso, a sua contribuição fundamental é entender e deixar claro que qualquer esforço, numa determinada direção ou em todas, contribuirá apenas para adiar a solução do problema se ele não ocorrer no interior de um novo marco de relações políticas nacionais, regionais e locais: um marco de democracia, liberdade e justiça. O problema do poder não é saber quem será o titular do cargo e sim quem o exerce. Se o poder é exercido pela maioria, os partidos políticos se verão obrigados a confrontar-se com esta maioria e não entre si.

O fato de recolocar o problema do poder neste marco de democracia, liberdade e justiça, obrigará a uma nova cultura política no interior dos partidos. Deverá nascer uma nova classe de políticos e, não duvidem, nascerão partidos políticos de novo tipo.

Não estamos propondo um mundo novo, mas apenas algo muito anterior a isso: a ante-sala de um novo México. Neste sentido, esta revolução não se concluirá numa nova classe, fração de classe ou grupo no poder, e sim num "espaço" livre e democrático de luta política. Este "espaço" livre e democrático nascerá sobre o cadáver fétido do sistema de partido de Estado e do presidencialismo. Nascerá uma nova relação política. Uma nova política cuja base não seja o embate entre organizações políticas e sim o embate de suas propostas políticas com as diferentes classes sociais, pois o exercício da titularidade do poder político dependerá do seu apoio real. Dentro desta nova relação política, as diferentes propostas de rumo e de sistema (socialismo, capitalismo, social democracia, liberalismo, democracia cristã, etc.) deverão convencer a maioria da Nação de que sua proposta é a melhor para o país. Mas, isso não é tudo. Elas também serão "vigiadas" por este país que estão governando de forma tal que, ao serem obrigadas a fazer com regularidade uma prestação de contas, se submeterão ao veredicto da Nação no que diz respeito à sua permanência na titularidade do poder ou à revogação do seu mandato. O plebiscito é a forma que permite realizar a confrontação Poder x Partido Político x Nação e merece um lugar de destaque na lei máxima do país. A legislação mexicana é demasiado estreita para estas novas relações políticas entre governantes e governados. Faz-se necessária uma Convenção Democrática Nacional da qual emane um governo provisório ou de transição, seja através da renúncia do Executivo Federal ou através da via eleitoral.

Convenção Democrática Nacional e Governo de Transição devem desembocar numa nova Constituição sob cujas regras serão convocadas novas eleições. A dor que este processo provocará ao país será sempre menor do prejuízo que pode ser produzido por uma guerra civil. A profecia do sudeste vale para todo o país, podemos aprender do que já ocorreu e tornar menos doloroso o parto do novo México.

O EZLN tem uma concepção de sistema e de rumo para o país. A maturidade política do EZLN, sua maioridade como representante do sentimento de uma parte da Nação, está no fato de que ele não quer impor ao país esta concepção. O EZLN reivindica o que já é evidente para ele mesmo: a maioridade do México e o direito de decidir, livre e democraticamente, o rumo a ser seguido. Desta histórica ante-sala não sairá apenas um México mais justo e melhor, como também um novo México. Nisto apostamos a vida, aos mexicanos de amanhã queremos deixar em herança um país no qual viver não seja uma afronta …

O EZLN, num exercício de democracia sem precedentes no interior de uma organização armada, consultou seus membros para saber se assinaria ou não a proposta dos acordos de paz do governo federal. Vendo que não havia sido resolvida a questão central da democracia, da liberdade e da justiça para todos, as bases do EZLN, indígenas em sua maioria, decidiram rechaçar a assinatura da proposta governamental.

Cercados pelo exército e sofrendo pressões vindas de várias frentes que ameaçavam nos exterminar caso não assinássemos a paz, nos zapatistas reafirmamos a nossa decisão de alcançarmos uma paz com justiça e dignidade e nisso empenhamos nossa vida e nossa morte. Outra vez, manifesta-se em nós a história de luta digna dos nossos antepassados. O grito de dignidade do insurgente Vicente Guerrero, "Viver pela Pátria ou morrer pela liberdade" volta a ecoar através de nossas gargantas. Não podemos aceitar uma paz sem dignidade.

Abrimos nosso caminho de fogo perante a impossibilidade de lutar pacificamente pelos direitos elementares do ser humano. O mais precioso deles é o direito de decidir, com liberdade e democracia, a forma de governo. Agora, é novamente colocada à prova a possibilidade de uma transição pacífica para a democracia e a liberdade: o processo eleitoral de agosto de 1994. Tem aqueles que apostam no período pós-eleitoral pregando a apatia e a desilusão a partir do seu imobilismo. Estes pretendem se beneficiar do sangue dos que vão cair em todas as frentes de batalha, violentas e pacíficas, na cidade e no campo. Fundamentam o seu projeto político no conflito que virá depois das eleições e, sem fazer nada, esperam que a desmobilização política abra novamente a gigantesca porta da guerra. Dizem que serão eles a salvar o país.

Outros apostam na retomada do conflito armado antes das eleições para, aproveitando a ingovernabilidade, perpetuar-se no poder. Assim como ontem usurparam a vontade popular com a fraude eleitoral, hoje e amanhã, no rio agitado da guerra civil pré-eleitoral, pretendem ampliar a agonia de uma ditadura que já dura há décadas, mascarada de partido de Estado. Outros grupos, em suas estéreis visões apocalípticas, percebem que a guerra é inevitável e, por isso, sentam e esperam para ver passar diante de si o cadáver do seu inimigo … ou do amigo. O sectário acha, erroneamente, que basta apertar os gatilhos dos fuzis para criar o amanhecer que o nosso povo espera desde que a noite se fechou sobre o território mexicano com as mortes de Villa e Zapata.

Todos estes ladrões da esperança supõem que por trás de nossa armas esconde-se a ambição e o estrelismo e que isso irá conduzir nossos passos no futuro. Estão enganados. Atrás de nossas armas de fogo estão outras armas, as armas da razão. E ambas são animadas pela esperança. Não permitiremos que eles a roubem de nós.

A esperança de gatilho teve o seu lugar no início do ano. Agora é preciso que espere. É necessário que a esperança que passeia pelas grandes mobilizações volte a assumir o lugar de protagonista que lhe cabe por direito e razão. Agora a bandeira está nas mãos dos que tem nome e rosto, de pessoas boas e honestas que percorrem caminhos que não são os nossos, mas cuja meta é a mesma que nossos passos anseiam. Nossa saudação e esperança é de que eles levem esta bandeira onde ela deveria estar. Nós esperaremos, de pé e com dignidade. Se a bandeira cair, nós saberemos como levantá-la outra vez …

Que a esperança se organize, que comece a caminhar pelos vales e pelas cidades como ontem andou pelas montanhas. Combatam com suas armas, não se preocupem conosco. Saberemos resistir até o fim. Saberemos esperar … e saberemos voltar atrás se de novo se fecharem as portas que impedem à dignidade de caminhar.

Por isso, nos dirigimos aos nossos irmãos das organizações não governamentais, das organizações não camponesas e indígenas, trabalhadores do campo e da cidade, professores e estudantes, donas de casa e colonos, artistas e intelectuais, membros dos partidos independentes, mexicanos: os chamamos para um diálogo nacional sobre o tema da Democracia, Liberdade e Justiça. Por isso, estamos lançando este convite para a realização de uma Convenção Nacional Democrática.

Nós, o Exército Zapatista de Libertação Nacional, em luta para conquistar a democracia, a liberdade e a justiça que a nossa pátria merece, e considerando:

Primeiro. Que o supremo governo usurpou também a legalidade que nos foi deixada em herança pelos heróis da Revolução Mexicana.

Segundo: Que a Constituição que rege o país já não representa a vontade popular dos mexicanos.

Terceiro. Que não é suficiente o afastamento do usurpador do Executivo Federal e que é necessária uma nova lei para a nossa nova pátria que nascerá das lutas de todos os mexicanos honestos.

Quarto. Que são necessárias todas as formas de luta para viabilizar a transição para a democracia no México.

Convocamos a realização de uma Convenção Democrática Nacional, soberana e revolucionária, da qual saiam as propostas de um governo de transição e uma nova lei nacional, uma nova constituição que garanta o cumprimento legal da vontade popular.

O objetivo fundamental da Convenção Nacional Democrática é organizar a expressão civil e a defesa da vontade popular.

A soberana convenção revolucionária será nacional na medida em que sua composição e representação deverá incluir todos os Estados da federação, será plural no sentido de que as forças da nação poderão estar representadas, democrática na maneira de tomar as decisões, recorrendo à consulta nacional.

A convenção será presidida, livre e voluntariamente, por civis, personalidades públicas de importância social reconhecida, sem que para isso seja levada em consideração sua filiação política, raça, religião, sexo ou idade.

A convenção será formada por civis de comitês locais, regionais e estatais nos ejidos, colônias, escolas e fábricas. Estes comitês se encarregarão de recolher as propostas populares para a nova constituição e as demandas a serem atendidas pelo novo governo que dela nascerá.

A convenção deve exigir a realização de eleições livres e democráticas e lutar incansavelmente para que a vontade popular seja respeitada.

O Exército Zapatista de Libertação Nacional reconhecerá a Convenção Nacional Democrática como autêntico representante dos interesses do povo mexicano em sua transição para a democracia.

O EZLN está presente em todo o território nacional e já tem condições de apresentar-se ao povo do México como exército capaz de garantir o cumprimento da vontade popular.

O EZLN oferece como sede da Convenção Nacional Democrática um povoado zapatista e todos os recursos que nele se encontram.

A data e o lugar da primeira seção da Convenção Nacional Democrática serão dados a conhecer no tempo oportuno.

III. Irmãos mexicanos:

Nossa luta continua. A bandeira zapatista continua hasteada nas montanhas do sudeste mexicano e hoje dizemos: não nos renderemos! Diante da montanha falamos com nossos mortos para que a sua palavra nos trouxesse o bom caminho que o nosso rosto encapuzado deve percorrer. Rufaram os tambores e na voz da terra falaram a nossa dor e a nossa história.

"Para todos, tudo" – dizem os nossos mortos. Enquanto não for assim, não haverá nada para nós.

Falem a palavra dos outros mexicanos, toquem o coração daqueles pelos quais lutamos. Convidei-os a caminhar os passos dignos daqueles que não tem rosto. Chamem todos para a resistência, que ninguém receba nada dos que mandam mandando. Façam do não vender-se aos poderosos uma bandeira comum para todos. Peçam que não mandem apenas uma palavra de consolo para a nossa dor. Peçam que a partilhem, peçam a eles que se juntem a vocês para organizar a resistência, que rechacem todas as esmolas que vem da mão do poderoso. Que hoje todas as pessoas boas destas terras organizem a dignidade que resiste e não se vende, que amanhã esta dignidade se organize para exigir que a palavra que anda no coração das maiorias tenha a verdade e o respeito dos que governam, que se imponha o bom caminho pelo qual quem manda, manda obedecendo.

Não se rendam! Resistam. Não faltem à honra da palavra verdadeira. Resistam com dignidade nas terras dos homens e mulheres verdadeiros, que as montanhas abriguem a dor dos homens de milho! Não se rendam! Resistam! Não se rendam! Resistam!

Assim falou a palavra do coração dos nossos mortos de sempre. Vimos que a palavra dos nossos mortos é boa, vimos que há verdade e dignidade em seu conselho. Por isso, convocamos todos os nossos irmãos indígenas mexicanos a resistirem conosco. Chamamos a resistirem conosco todos os camponeses, os operários, os empregados, os colonos, as donas de casa, os estudantes, os professores, e todos aqueles que fazem do pensamento e da palavra a sua própria vida. A todos os que tem dignidade e vergonha, os chamamos todos a resistirem conosco, pois o mau governo não quer que haja democracia em nossos territórios. Não aceitaremos nada que venha do coração podre do mau governo, nem uma única moeda, nem um remédio, uma pedra, um grão de alimento, nem uma migalha das esmolas que ele oferece em troca do nosso digno caminhar.

Não receberemos nada do supremo governo. Ainda que aumentem a nossa dor e o nosso sofrimento; ainda que a morte continue sentada à nossa mesa, na nossa terra, sobre nossas camas; ainda que vejamos outros se venderem à mão que os oprime; ainda que tudo seja dor; ainda que choremos de aflição no meio das pedras, não aceitaremos nada. Resistiremos. Não receberemos nada do governo. Resistiremos até que aquele que manda, mande obedecendo.

Irmãos: não se vendam. Resistam conosco. Não se rendam. Resistam conosco. Irmãos, repitam conosco estas palavras: "Não nos rendemos! Resistiremos!" Que elas sejam ouvidas não apenas entre as montanhas do sudeste mexicano, que sejam ouvidas ao norte e nas penínsulas, na costa leste e oeste, no centro, que de entre os vales e as montanhas se tornem um grito que ecoa na cidade e no campo. Unam sua voz à nossa voz, gritem conosco, façam sua a nossa voz: Não nos rendemos! Resistimos!

Que a dignidade quebre o cerco com o qual as mãos sujas do mau governo nos asfixiam. Todos estamos cercados, eles não deixam entrar nas terras mexicanas a democracia, a liberdade e a justiça. Irmãos: todos estamos cercados. Não vamos nos render! Vamos resistir! Sejam dignos! Não vamos nos vender.

De que servirão ao poderoso suas riquezas se ele não pode mais comprar o que tem de mais preciosos na nossa terra? Se a dignidade dos mexicanos não tem preço, pra que serve o poder do poderoso?

A dignidade não se rende! A dignidade resiste!

 
Democracia!
Liberdade!
Justiça!

 Da montanhas do sudeste mexicano, CCRI-CG do EZLN – 12 de junho de 1994.

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Primeira Declaração da Selva Lacandona – Declaração do subcomandante Marcos

Subcomandante MarcosPrimeira Declaração da Selva Lacandona.
Subcomandante Marcos

Ao povo do México.

Somos produto de 500 anos de luta: primeiro contra a escravidão, na guerra de independência contra a Espanha encabeçada pelos insurgentes; depois para não sermos absorvidos pelo expansionismo norte-americano; em seguida, para promulgar a nossa Constituição e expulsar o Império francês do nosso solo. A ditadura Porfirista nos negou a justa aplicação das leis da Reforma e o povo se rebelou criando seus próprios líderes; foi assim que surgiram Villa e Zapata, homens pobres como nós, aos quais também se negou um mínimo de instrução, para que, como nós, fossem utilizados como bucha de canhão e deixassem o poderoso saquear as riquezas de nossa pátria, sem se importar com o fato de estarmos morrendo de fome e doenças curáveis, de não termos nada, absolutamente nada, sem um teto digno, sem terra, sem trabalho, sem saúde, sem alimentação, sem educação, sem ter direito a eleger livre e democraticamente nossas autoridades, sem independência dos estrangeiros, sem paz e sem justiça para nós e para os nossos filhos.

Porém, nós hoje dizemos: BASTA! Somos os herdeiros dos que realmente forjaram a nossa nacionalidade, somos milhões de despossuídos e convocamos todos os nossos irmãos a aderir a este chamado como o único caminho para não morrermos de fome ante a ambição insaciável de uma ditadura de mais de setenta anos, encabeçada por uma camarilha de traidores que representam os grupos mais conservadores e que estão dispostos a vender a pátria. São os mesmos que se opuseram a Hidalgo e Morelos, os que traíram Vicente Guerrero, são os mesmos que venderam mais da metade do nosso solo ao invasor estrangeiro, são os mesmos que trouxeram um príncipe estrangeiro para nos governar, são os mesmos que sustentaram a ditadura porfirista, que não se opuseram à expropriação do petróleo, são os mesmos que massacraram os trabalhadores das ferrovias em 1958 e os estudantes em 1968, são os mesmos que hoje nos tiram tudo, absolutamente tudo.

Para evitar tudo isso, e como nossa última esperança depois de ter feito todas as tentativas para pôr em prática a legalidade baseada na nossa Carta Magna, recorremos a ela, nossa Constituição, para aplicar o Artigo 39, que diz:

"A soberania nacional reside essencial e originalmente no povo. Todo poder público emana do povo e se institui em benefício dele. Em qualquer tempo, o povo tem o inalienável direito de alterar ou modificar a forma de seu governo".

Portanto, de acordo com nossa Constituição, emitimos a presente declaração de guerra ao exército federal que hoje tem Carlos Salinas de Gortari como chefe máximo e ilegítimo.

Em conformidade com esta declaração de guerra, pedimos aos outros poderes da Nação que restaurem a legalidade e a estabilidade da Nação, depondo o ditador.

Também pedimos aos organismos internacionais e à Cruz Vermelha Internacional que vigiem e regulem os combates que nossas forças vão travar, protegendo a população civil, pois desde já declaramos que nos sujeitaremos sempre ao que foi estipulado pelas Leis sobre a Guerra da Convenção de Genebra, constituindo o EZLN como força beligerante de nossa luta de libertação. O povo mexicano está do nosso lado, temos Pátria e a bandeira tricolor é amada e respeitada pelos combatentes insurgentes; em nossos uniformes utilizamos as cores vermelha e preta, símbolo do povo trabalhador em suas lutas e greves; nossa bandeira leva as letras EZLN, de Exército Zapatista de Libertação Nacional, e ela nos acompanhará em todos os combates.

Rechaçamos de antemão qualquer intento de desvirtuar a justa causa de nossa luta, acusando-a de narcotráfico, narcoguerrilha, banditismo ou outro nome que possa vir a ser usado por nosso inimigos. Nossa luta se apega ao direito constitucional e é motivada pela justiça e pela igualdade.

Portanto, conforme esta declaração de guerra, damos às forças militares do EZLN as ordens que seguem:

Primeiro: Avançar em direção à capital do país vencendo o exército mexicano, protegendo a população civil em seu avanço libertador e permitindo aos povos libertados eleger, livre e democraticamente, suas próprias autoridades administrativas.

Segundo: Respeitar a vida dos prisioneiros e entregar os feridos à Cruz Vermelha Internacional.

Terceiro: Iniciar julgamentos sumários de soldados do exército federal mexicano e da polícia política que tenham recebido cursos e que tenham sido assessorados, treinados ou pagos por estrangeiros, seja dentro da nossa nação seja fora dela, acusados de traição à Pátria, e de todos aqueles que roubem ou atentem contra os bens do povo.

Quarto: Formar novas fileiras com todos aqueles mexicanos que manifestem somar-se à nossa justa luta, incluídos aqueles que, sendo soldados inimigos, se entreguem às nossas forças sem combater e jurem responder às ordens deste Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional.

Quinto: Pedir a rendição incondicional dos quartéis inimigos antes de travar os combates.

Sexto: Suspender o saque de nossas riquezas naturais nos lugares controlados pelo EZLN.

Povo do México: Nós, homens e mulheres íntegros e livres, estamos conscientes de que a guerra que declaramos é uma medida extrema, porém justa. Há muitos anos os ditadores estão aplicando uma guerra genocida não declarada contra nossos povos. Por isso, pedimos sua participação decidida, apoiando este plano do povo mexicano que luta por trabalho, terra, teto, alimentação, saúde, educação, independência, liberdade, democracia, justiça e paz. Declaramos a intenção de não deixarmos de lutar até conseguirmos o cumprimento destas demandas básicas, formando um governo livre e democrático em nosso país.

Integre-se às forças insurgentes do Exército Zapatista de Libertação Nacional.

Comando Geral do EZLN – 1º de janeiro de 1994.

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PRINCIPAIS FACÇÕES CRIMINOSAS DO BRASIL

PRINCIPAIS FACÇÕES CRIMINOSAS DO BRASIL

No Brasil, existem várias organizações criminosas a saber: PCC – Primeiro Comando da Capital, aliada ao CV – Comando Vermelho do Rio de  Janeiro, aliada também a várias organizações criminosas de outros estados, como por exemplo o PCP – Primeiro Comando do Paraná, entre outros. Há também o Terceiro Comando – do Rio de Janeiro, que é oposição ao CV, consequentemente ao PCC e em São Paulo há também o Terceiro Comando da Capital – TCC, oposição ao PCC e consequentemente ao CV. São partidos do crime que de maneira rigorosa, monitoram o comportamento do seus membros que quando quebram a regra que reza os seus respectivos estatutos, são primeiramente suspensos e em muitos casos excluídos da irmandade. Os excluídos não desfrutam de nenhum privilégio como os membros em atividade normal, até que, no momento oportuno, pagam com a vida pelo deslize cometido. As regras de comportamento dos membros do Primeiro Comando da Capital, são rígidas e a perda do Estatuto é motivo de desonra para o ex-integrante, o excluído. As facções têm como finalidade a busca por lucro através de atividades como tráfico de drogas (inclusive internacional), roubo de cargas, roubo a bancos, e mantêm-se solidificada pois arrecadam mensalmente uma importância em dinheiro dos membros que se encontram privados de sua liberdade, nas unidades prisionais, cerca de R$ 60,00, e dos que se encontram em liberdade, cujo valor da contribuição é de R$ 500,00. Esse dinheiro é investido em drogas e armamento de guerra, bem como repassado para compra de medicamentos, alimentação, passagem para obtenção de visitas para os "irmãos" que se encontram em presídios afastado da Capital, bem como para os que estão em RDE ou castigo. Os integrantes alegam que buscam a paz, a justiça, a liberdade, a igualdade.

Comando Vermelho
Comando Vermelho é uma organização surgida, nos anos 80(1987), dentro do sistema prisional brasileiro – mais especificamente o presídio da Ilha Grande -, a partir da convivência entre presos políticos e crimonosos comuns, durante a Ditadura Civil-Militar Brasileira (1964-1985), a fim de melhorar a situação dos detentos – entre outras coisas, evitava violência sexual e financiava fugas. Houve uma organização que precedeu o CV, chamada Falange Vermelha.

Com o passar do tempo e a corrupção dos ideias iniciais (Paz, Justiça e Liberdade), o CV tornou-se uma organização criminosa que extrapolou os limites do presídio da Ilha Grande.

O CV dominou sozinho o comércio de substâncias ilícitas na região metropolitana do Rio de Janeiro até meados dos anos 90. A essa época, a organização fundada, entre outros, por Rogério Lemgrüber, dedicava-se exclusivamente a atividades criminosas.

Também na mesma época a partir de uma dissidência, surgiu o Terceiro Comando. Deu-se início um período de perdas para o CV, principalmente devido às guerras pelo controle de substâncias ilícitas.

Assim como atualmente, quando os principais líderes do CV ou foram mortos ou estão presos, a renovação das gerações de líderes fez com que a violência recrudecesse ano a ano.

principais líderes: Fernandinho Beira-Mar, Isaías do Borel, Marcinho VP, My Thor, Elias Maluco

principais redutos: Complexo do Alemão, Mangueira, Jacarezinho

O modus operandi do CV
A estrutura profissional do Comando Vermelho é o seu principal esteio de poder. Estima-se que controla cerca de 40% do comércio de drogas no Rio de Janeiro, e que em suas fileiras estejam presentes cerca de 5.000 marginais fortemente armados (chegando a usar até fuzis automáticos AR-15 – também usado pela polícia, fabricado pela norte-americana Colt – e o AK-47, produzido por licença da marca russa Kalashnikov). Tamanha artilharia – ambos os fuzis citados acima têm poder de fogo próximo de 600 tiros/minuto – faz-se necessária aos traficantes para que possam manter seu poder.

Crianças e jovens favelados, sem perspectivas de vida na cidade grande que tanto os discrimina e iludidas com promessas de renda fácil, muitas vezes acabam por engrossar as milícias do tráfico – bem como as alarmantes estatísticas de mortes por armas de fogo no Brasil (cerca de 80 óbitos são registrados todos os dias). Por vezes, os traficantes do CV exercem o que alguns chamam, ironicamente, de "política da boa vizinhança": entram sem aviso prévio em casas e barracos, com tal de "conhecer" melhor os habitantes da favela.

Em muitos casos, os traficantes são vistos pela população das favelas como a autoridade a ser seguida, visto que a presença do Estado naquele ambiente é mínima. A corrupção na Polícia carioca, por vezes escandalosa, também é apontada por especialistas como uma das razões do vertiginoso crescimento do tráfico, em especial a partir dos anos 80, quando cartéis colombianos passaram a usar o Brasil como rota alternativa de seus negócios.

Primeiro Comando da Capital

O Primeiro Comando da Capital, também conhecido como PCC, é uma facção criminosa surgida no início dos anos noventa no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, para onde eram transferidos prisioneiros de alta periculosidade com histórico de distúrbios em outras penitenciárias.
A organização cresceu e começou a mostrar força em diversas ações, como resgate de presos ou ataques a distritos policiais em todo Estado de São Paulo.

ESTATUTO DO PCC

1. Lealdade, respeito, e solidariedade acima de tudo ao Partido
2. A Luta pela liberdade, justiça e paz
3. A união da Luta contra as injustiças e a opressão dentro das prisões
4. A contribuição daqueles que estão em Liberdade com os irmãos dentro da prisão através de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate
5. O respeito e a solidariedade a todos os membros do Partido, para que não haja conflitos internos, porque aquele que causar conflito interno dentro do Partido, tentando dividir a irmandade será excluído e repudiado do Partido.
6. Jamais usar o Partido para resolver conflitos pessoais, contra pessoas de fora. Porque o ideal do Partido está acima de conflitos pessoais. Mas o Partido estará sempre Leal e solidário à todos os seus integrantes para que não venham a sofrerem nenhuma desigualdade ou injustiça em conflitos externos.
7. Aquele que estiver em Liberdade "bem estruturado" mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, serão condenados à morte sem perdão
8. Os integrantes do Partido tem que dar bom exemplo à serem seguidos e por isso o Partido não admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do Sistema.
9. O partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo, interesse pessoal, mas sim: a verdade, a fidelidade, a hombridade, solidariedade e o interesse como ao Bem de todos, porque somos um por todos e todos por um.
10, Todo integrante tem que respeitar a ordem e a disciplina do Partido. Cada um vai receber de acôrdo com aquilo que fez por merecer. A opinião de Todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será dos fundadores do Partido.
11. O Primeiro Comando da Capital PCC fundado no ano de 1993, numa luta descomunal e incansável contra a opressão e as injustiças do Campo de concentração "anexo" à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, tem como tema absoluto a "Liberdade, a Justiça e Paz".
12. O partido não admite rivalidades internas, disputa do poder na Liderança do Comando, pois cada integrante do Comando sabe a função que lhe compete de acordo com sua capacidade para exercê-la.
13. Temos que permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 02 de outubro de 1992, onde 11 presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos mudar a prática carcerária, desumana, cheia de injustiças, opressão, torturas, massacres nas prisões.
14. A prioridade do Comando no montante é pressionar o Governador do Estado à desativar aquele Campo de Concentração " anexo" à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, de onde surgiu a semente e as raízes do comando, no meio de tantas lutas inglórias e a tantos sofrimentos atrozes.
16. Partindo do Comando Central da Capital do KG do Estado, as diretrizes de ações organizadas simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado, numa guerra sem trégua, sem fronteira, até a vitória final.
16. O importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do Comando se espalhou por todos os Sistemas Penitenciários do estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora, com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis, mas nos consolidamos à nível estadual e à médio e longo prazo nos consolidaremos à nível nacional. Em coligação com o Comando Vermelho – CV e PCC iremos revolucionar o país dentro das prisões e nosso braço armado será o Terror "dos Poderosos" opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e o Bangú I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros.
Conhecemos nossa força e a força de nossos inimigos Poderosos, mas estamos preparados, unidos e um povo unido jamais será vencido.
LIBERDADE! JUSTIÇA! E PAZ!
O Quartel General do PCC, Primeiro Comando da Capital, em coligação com Comando Vermelho CV
UNIDOS VENCEREMOS

Terceiro Comando

O Terceiro Comando é uma extinta facção criminosa, surgida de uma dissidência do CV, no começo da década de 90. Passou a dominar pontos de venda a partir das zonas Oeste e Norte, áreas mais periféricas da cidade do Rio de Janeiro.

A aliança forjada com a ADA (Amigos dos Amigos), em 2002, fortaleceu e ampliou a organização. Entretanto, devido a uma nova dissidência, surgiu o TCP (Terceiro Comando Puro) e o que havia sido conhecido como TC não existia mais.O TCP junto com o ADA são gangues rivais do Comando Vermelho e do PCC, que disputam a liderança do trafico.

Terceiro Comando Puro
Dissidência surgida, no ano de 2003, a partir da união entre TC (Terceiro Comando) e a ADA (Amigos dos Amigos). Domina pontos de venda nas zonas Oeste e Norte e tem pouca expressão no centro e na Zona Sul da cidade.

Principais líderes: Robinho Pinga, Facão
Principais redutos: Acari, Dendê,Casa branca,Parada de lucas

Amigos dos Amigos

Amigos dos Amigos é um grupo surgido de uma divisão do CV (Comando Vermelho) e do TC (Terceiro Comando). Assim como o TC em seu início, passou a dominar os pontos de venda de drogas a partir das zonas Oeste e Norte.
Ganhou cobertura midiática a partir da união com o TC (2002). Atualmente, atua sem se aliar a nenhum outro grupo.
Principais líderes: Celsinho da Vintém, Sassá, Aritana.
Principais redutos: Rocinha, Vila dos Pinheiros, Morro dos Macacos, São Carlos

Extraído de Wikipédia e reportagens de jornais.

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