Apresentação de George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro
Curioso percurso, o desta alegoria inventada para criticar o stalinismo e invocada ao longo de décadas pelos ideólogos democráticos, e que oferece agora uma descrição quase realista do vastíssimo sistema de fiscalização em que passaram a assentar as democracias capitalistas.
A electrónica permite, pela primeira vez na história da humanidade, reunir nos mesmos instrumentos e nos mesmos gestos o trabalho e a fiscalização exercida sobre o trabalhador. Como se não bastasse, a electrónica permite, e também sem precedentes, que instrumentos destinados ao trabalho e à vigilância sejam igualmente usados nos ócios. É graças à unificação de todos os aspectos da vida numa tecnologia integrada que a democracia capitalista pode realizar na prática as suas virtualidades totalitárias. O Big Brother já não é uma figura de estilo, converteu-se numa vulgaridade quotidiana.
O facto de este livro continuar actual, apesar da erosão interna dos regimes stalinistas e da sua derrocada final, mostra que a história não segue em linha recta mas em elipses, quando não desenha até labirintos. São múltiplos os percursos que unem, tantas vezes através de atalhos inesperados, as várias modalidades do capitalismo; e as formas mais totalitárias, que durante algum tempo foram postas em prática pelo capitalismo de Estado soviético a pretexto da libertação do trabalho, são hoje prosseguidas e agravadas pelo neoliberalismo a pretexto da libertação dos mercados.
João Bernardo