A abutre
Parábola sobre o método de assistência social da Universidade de São Paulo baseada em fatos reais.
Era uma assistente social que depois de cuidar do meu caso bicava meus pés. Ela já havia estraçalhado botas e agora bicava os pés propriamente. Toda vez que atacava, voava várias vezes ao meu redor, inquieta, e depois prosseguia o trabalho. Uma vez me visitou no Crusp, em meu minúsculo apartamento ao lado do bandejão, um colega de curso que também era militante da ala jovem de nosso pequeno partido, olhou um pouquinho e perguntou então por que eu tolerava os ataques da assistente social. -Estou indefeso – eu disse. – Ela chegou e começou a bicar, naturalmente, eu quis afastá-la da minha vida, tentei até um recurso em instâncias superiores, mas uma funcionária dessas tem muita força política, ela também queria me jogar para fora deixando-me sem auxílio alimentação, aí eu preferi humilhar-me sacrificando-lhe os pés. Agora eles estão quase despedaçados e mais, segundo ela, tudo o que eu tinha era um favor dado aos obedientes desfavorecidos por parte de nossa poderosa Reitoria. – Imagine, deixar-se torturar dessa maneira! – disse o militante jovem . – Basta um "Ato", uma pequena manifestação e a assistente está liquidada politicamente. – É mesmo? – perguntei. – E você e o seu partido podem cuidar disso? – Com prazer – disse ele -, só preciso ir para casa pegar meu megafone e chamar os companheiros. Você pode esperar mais meia hora? – Isso eu não sei – disse e fiquei em pé um momento, paralisado de medo e tristreza, pois era a segunda vez que sofria de depressão. Depois falei: – De qualquer modo tente, por favor. – Muito bem – disse o militante. – Vou me apressar. Durante a conversa a assistente ficou sabendo através do porteiro que era um dos seus colaboradores, ao me avistar, saiu do COSEAS e deixou o olhar perambular entre mim e aquele militante. Agora eu via que ela tinha entendido tudo: levantou vôo, fez a curva da volta bem longe para ganhar ímpeto suficiente e depois, como um lançador de dardos, arremessou até o fundo de mim o bico pela minha boca. Ao cair para trás senti, liberto das necessidades e dos seus favores impiedosos, como ela se afogava sem salvação no meu sangue, que enchia todas as profundezas e inundava todas as margens.
*Publicado inicialmente em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/03/414322.shtml