PARTIDO E CLASSE – Anton Pannekoek

ANTON PANNEKOEK

(1873-1960)

Nasce em 1873 nos Países Baixos. Entra para o Partido Social-Democrata Holandês em 1902. Participa com Hermann Gorter na redação do órgão teórico deste partido Nieuwe Tijd. Fixa-se na Alemanha em 1905, onde ensina nas escolas do Partido Social-Democrata. Em 1909 vai para Bremen, onde participa na luta fraccionária contra o aparelho do S.P.D. Polémica contra Kautsky em 1912. Membro da esquerda zimmervaldiana. Co-fundador do P.C. holandês em 1918. Rompe com a I. C. com base no apoio aos movimentos dos conselhos contra o aparelho dos partidos. As suas ideias têm certa influência sobre o movimento revolucionário da época. Até á sua morte (1960) foi o principal teórico dos conselhos operários.

Pannekoek também era astrônomo e se torna um dos fundadores da astrofísica lecionando sobre o assunto no fim da vida, estranhamente foi homenageado dando-se seu nome a uma cratera no lado escuro da lua.

Partido e Classe
Por Anton Pannekoek

É cada vez mais evidente que qualquer suposta vanguarda que pretenda, de acordo com seu programa, dirigir ou impor-se às massas, por meio de um ‘partido revolucionário’, se revela na prática, um fator reacionário, em razão de suas concepções.

 

PARTIDO E CLASSE

No momento atual, em que a crença no partido tornou-se um freio para a capacidade de acão da classe operária, criar um novo partido só pode ter como finalidade dirigir e dominar o proletariado. Faz-se necessário distinguir: a) o partido é uma organização construída em torno de certas idéias políticas; b) a classe é um agrupamento baseado em interesses materiais comuns. Pertencer a um partido significa ligar-se a um grupo de pessoas que mantém pontos de vista semelhantes nas questões políticas. O pertencimento à mesma classe é determinado pela função desempenhada na produção, função que cria e desenvolve a consciência dos interesses comuns. Mais do que nunca, a classe operária somente poderá afirmar-se e vencer com a condição de assumir o seu próprio destino.

Durante o período do desenvolvimento dos partidos operários, difundiu-se a ilusão de que esses partidos poderiam englobar todos os trabalhadores, seja como militantes ou como simpatizantes. Acreditava-se estar superando a diferença entre classe e partido. Mas o partido continuou sendo uma minoria e, além disso, começou a ser alvo das críticas de outros grupos operários, conheceu várias rupturas, enquanto seu caráter experimentava freqüentes mudanças e seu programa era revisado ou interpretado em um sentido diverso.

Os programas dos partidos operários apresentavam a revolução social como o resultado final da luta de classes. A vitória dos operários sobre o capital significaria a criação de uma sociedade livre e igualitária, socialista ou comunista. Mas, enquanto durasse o capitalismo, a luta não podia superar o marco das necessidades imediatas e da defesa do nível de vida. O parlamento era o lugar no qual se enfrentavam as diferentes classes sociais: grandes e pequenos capitalistas, latifundiários, camponeses, artesãos, operários, cujos interesses específicos eram defendidos por seus deputados. Todos lutavam para aumentar sua parte no produto social. Assim, a função do partido operário consistia em atuar no parlamento de modo a representar os interesses dos trabalhadores, que, em troca, forneciam-lhe os votos necessários para aumentar sua influência política.

Quando um partido operário tem muitos deputados, alia-se com outros partidos contra as formações políticas mais reacionárias, para formar uma maioria parlamentar. Uma vez instalados, os representantes se tornam incapazes de atuar em defesa dos reais interesses dos trabalhadores. Na prática, a maioria parlamentar continua pertencendo às classes exploradoras. Os eventuais ministros – socialistas ou comunistas, tanto faz – inclinam-se diante dos interesses do capital: propõem medidas para satisfazer as reivindicações imediatas dos trabalhadores e pressionam os demais partidos para que as façam adotar, convertendo-se em mediadores que se dedicam a convencer os trabalhadores de que tais pequenas reformas são conquistas importantíssimas, desviando-os da luta de classes.

Os partidos operários só tem um objetivo: tomar o poder e exercê-lo. Não contribuem para a emancipação do proletariado, pois sua meta é governá-lo. Mas apresentam seu domínio como se fosse a autêntica emancipação do proletariado. Tais partidos são aparelhos que lutam pelo poder e, após enquadrar os militantes na linha justa, utilizam todos os meios, visando à constante expansão de sua esfera de influência.

O partido operário de tipo leninista tem como fundamento a idéia de que a classe operária necessita de um grupo de dirigentes capazes de expropriar os capitalistas em seu nome e em seu lugar, e , portanto, de constituir um novo governo. Isto é, a convicção de que a classe operária é incapaz de fazer a revolução. Segundo esta concepção, os chefes criam a sociedade comunista por decreto.

Lênin (Que Fazer? -1902), inspirando-se em Kautsky, propõe a criação de um partido de vanguarda, formado por "revolucionários profissionais" e rigidamente centralizado, sob a direção dos intelectuais. A divisão do trabalho, tão eficaz e racional na organização capitalista da produção, tem sido o modelo da concepção leninista da organização revolucionária, que subordina os operários aos intelectuais, atribuindo a estes a função dirigente. O resultado é que, logo após a revolução, a "eficácia" do partido leninista, que até então se limitara a aparelhar as organizações de massas, se estende e se afirma como "ditadura do proletariado". Uma nova classe dominante, os tecnoburocratas ou gestores, assume o poder em nome do proletariado e mantém, no essencial, as relações de produção/exploração capitalistas, mudando apenas sua forma superestrutural ou jurídico-política: o capitalismo de mercado se transforma em capitalismo de estado.

A expressão "partido revolucionário" é, pois, uma contradição nos seus termos. Um partido seria revolucionário se o termo revolução significasse troca de governo ou, no máximo, tomada do poder por uma nova classe exploradora e opressora.

A alternativa é: a) as massas trabalhadoras, sem deixar o terreno livre aos partidos, continuam a sua luta: organizam-se autonomamente, nas fábricas e oficinas, para destruir o poder do capital e formam os conselhos operários – entrando, inevitavelmente, em conflito com o ‘partido revolucionário’, que considera a ação direta do proletariado um fator de desordem. Ou então, b) as massas trabalhadoras se adaptam à doutrina do partido, entregam-lhe a direção da luta, seguem obedientemente suas palavras de ordem e, por fim, convencidas de que o novo governo abolirá as relações de produção capitalistas, voltam à passividade. Abandonando a iniciativa ao partido, os trabalhadores permitem que o inimigo de classe mobilize todas as suas forcas (econômica, política, Ideológica e militar) e derrube o novo governo ou o adapte a seus interesses, transformando-o em instrumento de conservação das relações de produção capitalistas.

Todas as vezes em que as massas trabalhadoras, após derrubar um governo, aceitaram ser novamente governadas, por mais revolucionário que se pretendesse o partido ao qual entregaram o poder, o que aconteceu foi a substituição de uma classe dominante por outra. Assim ocorreu com a revolução russa, quando o partido bolchevique apoderou-se dos sovietes e, através de um golpe de mão, tomou o poder e implantou o capitalismo de estado.

É cada vez mais evidente que qualquer suposta vanguarda que pretenda, de acordo com seu programa, dirigir ou impor-se às massas, por meio de um ‘partido revolucionário’, se revela na prática, um fator reacionário, em razão de suas concepções.

Anton Pannekoek, março de 1936

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