2. "Lobo solitário"
Em primeiríssimo lugar há o ardil do lobo solitário, tomado do arsenal de Hitler, que sempre o usou para se vangloriar dos sete solitários e heróicos companheiros de partido que começaram o movimento e do fato de que os outros controlavam a imprensa e o rádio – que esses possuíam tudo, e ele nada. Thomas modifica-o ligeiramente ao insistir de maneira muito específica que ele não tem o dinheiro dos políticos por trás. Inumeráveis vezes, ele usa variações da proposição : "Eu não tenho patrocinadores, e nenhum político jamais pôs um dólar neste movimento". Thomas o faz por trabalhar com a desconfiança americana no político profissional, a quem se acusa de auferir lucros privados explorando os negócios públicos. O raciocínio é o seguinte: se ele ataca com tamanha violência a rapina, muito poucos acreditarão ser ele um saqueador. Casualmente, aparece aqui uma das mais notáveis características dos propagandistas fascistas e anti-semitas: eles culpam suas vítimas de uma maneira quase compulsória pelas coisas que eles mesmos fazem ou esperam fazer. A contrapropaganda deveria assinalar concretamente que eles estão fazendo as mesmas coisas sobre as quais eles desatam sua fúria. Praticamente não há categoria de propaganda fascista a qual essa regra não se aplique. É através desse padrão que o mecanismo psicológico da projeção se deixa sentir na ideologia fascista.
Deixando de lado o trabalho feito em cima da própria coragem e integridade, com que busca ganhar a confiança daqueles que pensam que eles estão derrotados e sozinhos, existe um cálculo mais profundo na figura do "lobo solitário": ela atenua o medo universal e sempre crescente da manipulação. Trata-se de um medo que cresce em meio à [chamada] resistência às vendas e termina na crença semiconsciente de que nenhuma palavra dita em público tem significado objetivo ou mesmo representa a convicção do privada do comunicador. Pensa-se na palavra como propaganda em sentido amplo e algo que serve a alguma agência poderosa, responsável pelo pagamento de todas as declarações feitas publicamente. A razão para essa atitude repousa, é claro, na centralização e monopolização econômica dos canais de comunicação. A postulação de que "nenhum dinheiro de político está atrás de mim" fortalece a pretensão de que as declarações feitas são espontâneas, ainda não são dirigidas por organizações monopolísticas. Entretanto, essa atitude para com a manipulação e, portanto, a função psicológica deste expediente não devem ser supersimplificadas. Nas presentes condições sociais, as pessoas temem a manipulação mas também, e ao revés, anseiam por ela, da mesma forma como anseiam pela sua condução por parte daqueles que elas percebem serem fortes e capazes de protegê-las. A natureza hierárquica de nossa organização econômica fez crescer o desejo de ser manipulado passivamente. Além disso, a fronteira entre os pronunciamentos objetivos e os esquemas propagandísticos começam a se tornar cada vez mais fluidos. Quanto maior o poder concentrado nas agências e indivíduos que controlam os canais de comunicação, maior é a "verdade" de sua propaganda enquanto expressão das reais relações de poder. É altamente significativo que na Alemanha a pasta de Goebbels seja chamada de Ministerium für Volksaufklarung und Propaganda (Ministério da Propaganda e Esclarecimento Popular). O próprio nome identifica a verdade objetiva, sobre a qual se supõe que cada um está esclarecido, com os slogans de propaganda do partido. De todo modo, a ambigüidade para com a manipulação deve ser tomada em conta pelos propagandistas que usam o expediente do lobo solitário. Eles não esperam que ele seja levado muito a sério e, provavelmente, ele nunca o é. Embora eles trabalhem com a suspeita de que os poderes atuais manipulam via partidos políticos e comunicações, recorrendo a esse truque eles sugerem que realmente há muita coisa por detrás deles, nomeadamente os verdadeiros poderes existentes, ao invés dos simples detentores dos títulos oficiais de comando. Na fase atual, mobilizar a aversão contra o monopolismo é um dos meios de promover a vitória final do totalitarismo. O ouvinte que escuta diariamente numa grande estação de rádio que o locutor é sozinho e trabalha por conta própria, percebe que, realmente, ele, ouvinte, não está cercado apenas pelas agências estabelecidas e abertamente conhecidas de hoje mas, antes, pelo poder potencial de uma coletividade integrada e pelo "reino secreto por vir", do qual cada um de nós pode se tornar cidadão entregando-se o mais cedo possível. A difamação da manipulação é pois apenas o meio de manipulação. As pessoas são habilmente levadas a crer que a iniciativa está com elas e, seu modelo, no locutor. Quando mais elas são desprovidas de espontaneidade, mais se sustenta sua suposta espontaneidade como ideologia.