A Técnica Psicológica das Palestras Radiofônicas de Martin Luther Thomas [1943]*
(I Parte : O elemento pessoal: caracterização do agitador)
1. Observações introdutórias
A liderança fascista se caracteriza pela complacência para com as declarações palavrosas que faz sobre si mesma. Os propagandistas liberal e radical, ao contrário, desenvolveram a tendência de evitar qualquer referência à sua vida privada em favor dos interesses objetivos aos quais apelam. O primeiro, a fim de mostrar seu realismo e competência; o último, porque sua atitude coletivista poderia se ver ameaçada, se ele realça-se sua personalidade. Embora essa impessoalidade esteja bem fundada nas condições objetivas existentes em uma sociedade industrial, ela é muito frágil a partir do ponto de vista da audiência do orador. O distanciamento para com os relacionamentos pessoais envolvidos em qualquer discussão objetiva pressupõe uma liberdade e uma força intelectuais que, hoje, quase não mais existem entre as massas. Além disso, a frieza inerente a uma argumentação objetiva intensifica os sentimentos de desespero, isolamento e solidão dos quais, virtualmente, todo o indivíduo sofre na atualidade. Desses sentimentos ele deseja escapar quando ouve qualquer tipo de discurso público, e isso foi entendido pelos fascistas: a sua fala é pessoal. Ela não apenas se refere aos interesses mais imediatos dos seus ouvintes como, também, abarca a esfera privada do orador que, assim, faz parecer que tem em seus ouvintes pessoas de sua confiança e que pode passar por cima das distâncias que separam as pessoas.
Existem mais razões específicas para essa atitude, que, apesar de muitas vezes ser nutrida pela vaidade do líder, é bem calculada e, a despeito de seu aparente subjetivismo, forma parte de um conjunto altamente objetivo de expedientes de propaganda. Quanto mais impessoal se torna nossa ordem, mais importante se torna a personalidade como ideologia. Quanto mais o indivíduo é reduzido a uma mera peça de engrenagem, mais a idéia de singularidade do indivíduo, sua autonomia e importância, tem de ser afirmada como compensação de sua real fraqueza. Como isso não pode ser feito com cada um dos ouvintes individualmente, nem de uma maneira meramente abstrata e geral, a referida ênfase é pois feita de modo vicário pelo líder. Pode-se dizer que parte do segredo da liderança totalitária consiste no fato de que o líder representa a imagem da personalidade autônoma que, na realidade, é negada a seus seguidores.
A propaganda pessoal feita pelo líder fascista é uma espécie de truque confessional. Embora ele vez por outra se vanglorie e, em momentos decisivos, possa blefar, sobretudo antes de chegar ao poder, ele prefere, no tocante aos temas, minimizar o que seria sua força resistível. Ele reitera que "também é um ser humano", isto é, um ser tão fraco quanto o são seus possíveis simpatizantes. Os conceitos de força e autoridade não bastam em si mesmo para explicar o apelo da liderança fascista. O principal é, antes, a idéia de que o fraco pode se tornar forte, se ele entregar sua existência privada ao movimento, à causa, à cruzada ou qualquer outra coisa. Referindo-se a si próprio de maneira ambivalente, como homem e super-homem, fraco e forte, próximo e distante, o líder fascista serve de modelo para cada atitude que ele procura firmar em seus ouvintes.
Além disso, suas confissões, falsas ou verdadeiras, satisfazem a curiosidade do ouvinte. A curiosidade é um aspecto universal da atual cultura de massa. É alimentada pelas colunas de fofoca de certos jornais, pelas estórias de bastidores contadas a um sem número de ouvintes pelo rádio ou, ainda, pelas revistas que prometem contar "a verdadeira história". A estrutura da coisa ainda não foi totalmente explorada. Deve-se, em parte, ao sentimento amplamente disseminado de que é preciso estar informado para se manter uma conversa mas, também, ao sentimento de que a vida dos outros é rica, excitante e colorida, em comparação com a existência penosa da nossa. Fundamentalmente, o principal talvez seja porém a função da atitude bisbilhoteira, profundamente enraizada no inconsciente do processo psicológico e de resto muito afim do fascismo, que consiste em satisfazer-se conseguindo dar uma olhada na vida privada do vizinhança. O líder fascista é esperto o bastante para saber que não faz muita diferença como essa curiosidade é satisfeita. Revelações sobre subornos ou roubos supostamente cometidos por um inimigo, tanto quanto sobre a doença de sua esposa ou suas dificuldades financeiras, que inclusive podem ser inventadas, são em geral bem efetivas. Na condição de psicólogo prático, ele sabe algo sobre como age a ambivalência, mesmo que ele denuncie a psicanálise como pilhéria judaica. A libido do ouvinte é satisfeita quando ele é tratado como alguém de dentro; é matéria secundária saber se sua curiosidade é dirigida a conceitos negativos ou positivos. Se um inimigo deixa de pagar suas contas, o fato serve para denunciá-lo como embusteiro. Se Martin Luther Thomas, como ele de fato faz, declara publicamente que ele não pode pagar suas despesas a emissora de rádio, isso, ao invés, pode lhe trazer novos amigos.
Finalmente, existe uma razão objetiva para a falta de objetividade dos fascistas. O expediente ajuda a esconder ou encobrir suas aspirações objetivas. Diferentemente da Alemanha, a idéia de democracia possui uma grande tradição e um forte apelo emocional na América. Seria pois quase impraticável para qualquer líder fascista atacar a democracia, como os propagandistas fascistas livremente o fizeram na Alemanha. Destarte e em geral, o fascista americano é preparado para aceitar a democracia como uma capa de proteção para seus próprios fins. Recorrendo a todas as suas forças pessoais e à aplicação de técnicas publicitárias de alta-pressão, ele espera munir-se do poder capaz de reunir um vasto grupo de pressão que acabará derrubando a democracia em nome da democracia. Aparte isso, conhece-se bem a técnica de propaganda fascista que consiste em prometer vagamente tudo para todos os grupos, sem se importar muito com os seus conflitos de interesses. Quando fala sobre si mesmo, o líder fascista procura trazer confiança para seu poder de integração; por outro lado, ele precisa ser muito específico sobre seus propósitos objetivos, a fim de que os aspectos em si mesmo contraditórios do seu programa não se tornem muito ruidosos. Desse modo é o toque pessoal que serve de eficiente camuflagem.
Martin Luther Thomas conhece por inteiro as técnicas de Hitler, devido as relações com Deatheradge, Henry Allen e Mr. Fry. Ele sabe bem sobre como se manipula o próprio ego com finalidades propagandistas e, habilmente, tem adaptado a técnica hitlerista da revelação e da confissão para o cenário americano e as necessidades emocionais do grupo para o qual ele se dirige – a classe média baixa idosa e de meia idade, com ascendência religiosa de tipo sectário ou fundamentalista.
O seguinte consiste de alguns exemplos da maneira como ele fala sobre si mesmo.
[* Gesammelte Schriften Vol. 9, tomo II (Soziologiche Schriften II). Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1975, pp. 11-37 – Tradução de Francisco Rüdiger.]