Batisti e o Gládio de Berlusconi

Batisti e o Gládio de Berlusconi
Algumas considerações da política recente da Itália para a compreensão do caso de Cesare Batisti
publicado originalmente em: http://passapalavra.info/?p=15107

nenhum regime conservador pode ter interesse em
levar avante a moralização política até suas ultimas conseqüências,
pois isto significa desqualificar e destruir politicamente toda a
classe política sobre o qual se apoia

Muita bobagem temos vsito sobre Cesare Batisti, como a “denúncia” assassina (e usual ?) do editorial da Folha de São Paulo de que este guardaria docinhos na cama durante sua greve de fome.
    
    Compreendo também que muitos sejam contrários à ações armadas, mas acho que deveriam entender em primeiro lugar parte do contexto italiano, não apenas como justificação antes de exercerem seus juízos, que tenho visto, feitos de pronto, confusos e infelizes em mutias das manifestações que observei. Primeiro tentemos tratar do que foi a ligação entre a Operação Gládio, a Democracia Crsitã e a Máfia, a seguir do partido de Berlusconi, descendente da República de Saló e dos extertores de Mussolini no norte da Itália e a seguir voltaremos ao caso da guerrilha na Itália.

1 – A Democracia Cristã, a Máfia e a Operação Gládio
a) A aliança satânica entre a Democraica Cristã e a Máfia

A democracia cristã começa sua hegemonia a partir de aristocracias, militantes anti-fascistas não comunistas e, principalmente, aproximação com a igreja e, segundo consta, a introdução na Itália, durante a invasão aliada, de lideranças políticas da máfia siciliana. Como Lucky Luciano, preso nos EUA e que ganha asilo na Sicília no meio da guerra graças a um acordo secreto com o governo americano. Para quê ? Para estabelecer conexões com a máfia italiana e ciciliana, que era inimiga de Benito Mussolini, mas que contaria, a partir de então, com a ajuda do governo italiano. Na ocasião, o sortudo Luciano considerava-se um “leal americano que era devotado à Cicília, à Máfia e aos Estados Unidos igualmente”, ao mesmo tempo, no entanto, ambos, o governo italino e a máfia, eram inimigos dos comunistas, deste modo, a máfia garantia que durante a ação aliada, não haveriam greves para frear o eixo durante a operação Albert Anastasia nas docas, assim, conseguia-se uma influência na resistência, que “minasse a resistência dos comunistas”

Posteriormente seria recompensado com diversos cassinos na Cuba de Fulgêncio Batista

Biografia de Lucky Luciano em wikipédia (http://en.wikipedia.org/wiki/Lucky_Luciano)

Deve-se entender que havia um conflito da máfia com o fascimo, principalemnte durante a gestão de César Mori, o prefeito de ferro, uq e para combater a Máfia, chega a queimar cidades interias, propriedades, reféns, etc, conseguindo “apaziguar” a ilha e baixar o preço dos imóveis graças a ausência do preço de proteção (mas o que eram os impostos ao Estado Facista Mussoliniano ?). Além disso, obviamente, Mussolini aproveitava a ocasião para afastar os lideres políticos com a legitimidade do combate à máfia. (reproduzido de Guaracy Mingari: Estado e Crime organizado, p. 51)
 
b)Mas como se minava esta resistência?
“O principal líder no período da II guerra Mundial que foi Calógero Vizzini, “Dom Caló”.[…]. No pós-guerra a Máfia foi encarregada de cumprir outras tarefas muito específicas. Durante o período de 1945-55 foram assassinados quarenta e três membros de partidos de esquerda na Sicília. Essa atividade não ficava restrita à Máfia. O famoso salteador Salvatore Giuliano foi o responsável por pelo menos dez mortes de encomenda”(reproduzido de Guaracy Mingari: Estado e Crime organizado, p. 51-52)
Isto é, matando lideranças sindicais e partidárias do sul da Itália (o chamado mezzogiorno) e abrindo caminho dentro e para a Democracia Cristã, que se tornou a grande vencedora política do início do pós guerra

c)Porquê repentinamente se voltou a falar de Batisti na Itália ?.

Começa no caso do Banco Ambrosiano, quando o banqueiro italiano Roberto Calvi aparece morto.
http://diasdekali.blogspot.com/2009/02/sebastiao-nery-cabeca-de-battisti.html
A partir daí descobre-se que o Banco envolvia os seguintes grupos : Um grupo clandestino de maçonaria chamado P2, As transações bancárias excusas do vaticano e o  caixa da operação Gládio.

A operação gládio visava “ Gladio (em português, "gládio") é o nome dado a uma organização clandestina do tipo stay-behind ("ficar atrás"), constituída pelos serviços de informação italianos e pela OTAN à época da Guerra Fria, para contrapor-se a uma eventual invasão da Itália pela União Soviética.” nota da wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Gladio
Em outros termos, Gládio é o equivalente europeu da Operação condor: http://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Gladio

Que, desta vez, durante sua duração, não matava apenas como nas operações da máfia, que passou por seus piores momentos desde Mussolini, mas perseguia esquerdistas em ascensão, inclusive em carreira normal como judiciário, sindical, etc, efetivando uma direitização dos quadros institucionais do estado, mídia e favorecendo a ascensão de quadros de confiança à direita.

Lembremos quem começa a carreira nesta época com favores do Estado e que compra o antigo time de futebol cuja torcida era composta por antigos militantes anti-fascistas e seus descendentes (Milan) e a editora que é dona dos direitos de publicações renomadas de esquerda (Einaudi) e que promove a carreira da neta de Mussolini como estrela ? Berlusconi, ao qual votlaremos.

O importante a saber é que “a existência da Gladio – da qual apenas se suspeitava até as revelações feitas pelo membro da Avanguardia Nazionale, Vincenzo Vinciguerra, durante seu processo, em 1984 – só foi reconhecida pelo Presidente do Conselho italiano, Giulio Andreotti, em 24 de outubro de 1990, quando se referiu a uma "estrutura de informações, resposta e salvaguarda". A Gladio foi acusada de ter tentado influir na política interna italiana, usando a estratégia da tensão.” E o que é a estratégia de tensão ? Criar um medo da esquerda na opinião pública que só a direita resolveria, fazendo ascender seus quadros de direita.

Assim, quando lembramos da bomba de 1980 sobre o juiz Mancuso, esquecemos do que foi na época, não uma luta apenas contra a corrupta máfia e coisas afim, que, neste contexto, são muito menores que a patota em causa, nem a alegada “precaução prudente contra o terror”, mas uma luta de reestruturação do Estado Italiano que tinha de lavar a roupa suja sem mobilizar a população à esquerda, pois todos os demais grupos estavam sujos. Sobrando, somados os mortos e feridos, mais para a Democracia-cristã por ter dado início ao problema. Digamos, mais ainda, por que, literalmetne, a bomba estourou na mão deles.

Deste modo, facilitavam-se os atendados direitistas deste período que, estes sim, utilizavam bombas e vejamos como isto ajudou a direita americana numa operação oculta da OTAN que era próxima à operação condor e utilzava parte do dinheiro dos Contras. Para tanto, basta acompanhar a lista de atentados perpretada pela patota que continua solta, inclusive o banqueiro de sua santidade, que, salvo engano, deve ser o mesmo: .

Complexo, diríamos, não?  Mas onde entraria nosso amigo Cesare Batisti neste local de tanta gente nobre e santa ?  

Lembram-se que diziamos da P-2 italiana (maçonaria) e de  Licio Gelli que faleceu trazendo à tona toda esta história? Vamos chamar mais um personagem, nada menos do que o homem bonzinho e ponderado que vemos representado nos filmes sobre as brigadas vermelhas: Aldo Moro.

Este era o líder desta operação que acabou somente em 1981 e chefe do então grupo P2, que funcionava como um tipo de maçonaria clandestina. A operação foi desbaratada na onda do banco Ambrosiano que mostrou mais claramente estas relações, isto é, que a Máfia e o Banco do Vaticano eram ligadas ao grão-mestre do P2 (sim, com este título mesmo) no maior escândalo italiano do século vinte, que era a quebra do banco ambrosiano junto com o banqueiro do papa de então, João Paulo II, eis o núcleo da operação Mãos Limpas.

Durante o sequestro e o assassinato do Primeiro Ministro Aldo Moro em 1978 o chefe dos serviços secretos de inteligência na ocasião, acusado de negligência, era igualmente “piduista”, Licio Gelli  que foi seu sucessor e continuador de um mar de sangue e corrupção sem fim.

E quem eram outros membros desta organização? Fora do país, nda menos que Jorge Videla capo da sanguinária ditadura Argentina e os líderes da terrível organização fascista argentina Triplo A, como o próprio José López Rega, assim como Raúl Alberto Lastiri e Emilio Massera. Do mesmo modo, o banqueiro de sua santidade, através do Banco do Vaticano, também foi acusado de fornecer cobertura através de fundos americanos ao sindicato Solidarnosc, disputando-o internamente e colocando figuras de proa à direita no lugar de outras à esquerda, assim como, igualmente, ajudar a lavar o dinheiro dos Contras da Nicarágua.
Vide : http://www.mega.nu:8080/ampp/gladio.html

E assim aconteceu a operação MÃOS LIMPAS e voltemos ao artigo Cabeça de Batisti :
“Nos dias seguintes, na Itália e na Inglaterra, apareceram assassinados varios outros ligados a Calvi. No meio da confusão estava Ortolani, um dos quatro "Cavaleiros do Apocalipse". Quando, a partir de 90, a "Operação Mãos Limpas" chegou perto deles, o conde, olhando Roma lá de cima do Gianiccolo, me dizia :
– Isso não vai acabar bem.
Depende o que é acabar bem. O ministério Publico e a Justiça enfrentaram a aliança satânica, que vinha desde 45, no fim da guerra, entre a Democracia Cristã e a máfia italiana. Houve centenas de prisões, suicídios. Nunca antes a máfia tinha sido tão encurralada e atingida. Responderam com bombas detonando carros de procuradores e juizes. Mas os grandes partidos políticos aliados (Democrata Cristão, Socialista, Liberal) explodiram. O Partido Comunista, conivente, se desintegrou. ”
[…]
“A "Operação Mãos Limpas" não teria havido se um punhado de bravos jovens valentes e alucinados, das Brigadas Vermelhas e dos Proletarios Armados pelo Comunismo (PAC) não tivesse enfrentado o Estado mafioso.

O governo, desmoralizado, usava a máfia para elimina-los. Eles reagiam, houve mortos de lado a lado, e prisões dos lideres intelectuais, como o filósofo De Negri (asilado na França) e o romancista Cesare Battisti (asilado na França). Estava lá, vi, escrevi, acompanhei tudo.

Foram eles, os jovens rebeldes das décadas de 70 a 80, que começaram a salvar a Italia. Se não se levantassem de armas na mão, a aliança Democracia Cristã, Partido Socialista, Liberais e máfia, estaria lá até hoje. Berlusconi é o feto podre que restou, mas logo será expelido.”(infelizmente, sic)
[…]
O corrupto Chirac, a pedido de Berlusconi, retirou o asílo politico de Battisti, que o Brasil agora lhe deu. Tarso Genro e Lula estão certos. O problema foi, era, continua político. O fascista Berlusconi (primeiro-ministro) é apoiado pelo desfrutavel velhinho comunista Giorgio Napolitano (presidente) que se escondeu quando o juiz Falcone (assassinado) e o procurador Pietro (hoje no Parlamento) fizeram a "Operação Mãos Limpas"

Não têm autoridade moral nenhuma. Por que não devolveram Caciolla, o batedor de carteira do Banco Central, quando o Brasil pediu?

As Salomés de lá e cá querem entregar a cabeça de Battisti à máfia.”

Mas, infelizmente, talvez não estejamos mais falando de máfia, mesmo que estejamos falando de um dos seus piores momentos desde Mussolini, quando ocorre uma troca de poder entre grupos políticos italianos, mas nada que se assemelhe com o fim da Máfia Italiana, afinal, “Stille relaciona vinte e três pessoas de relevo mortas pela Máfia entre 1977 e 1994. entre eles políticos, policiais de alto escalão, promotores, grandes empresáriios e juízes. Os mais famosos foram o General dos carabinere Carlo Alberto dalla Chiesa, o juiz Giovanni falcone e seu Paolo Borselino. […] As mortes não se restringem a pessoas conhecidas. O número de pessoas comuns mortas pela organização também cresceu na década de 80.” . (reproduzido de Guaracy Mingari: Estado e Crime organizado, p. 52-53)

Estariam seus antigos inimigos fascistas dispostos a aplacar a máfia em novo acordo cujo acompanhamento seja a cabeça de Batisti a prêmio ? Voltando com nova cara e ressurgindo dos escombros dos herdeiros da república de Saló de Mussolini, é como que estivéssemos vendo efetivar-se o que Pasolini satirizava em seu filme Saló em que associava Sade (Aristocracia) e Mussolini. Mas com resultados semelhantes, tal associação parece ter vindo hoje num gosto mais popularesco.

A república de Saló não é devidamente tratada nos verbetes digitais italinos e portugueses da enciclopédia livre wikipédia que a pintam com bons olhos, mas pode-se olhar o verbete inglês que explica mais sobre o protetorado nazista que resistiu por pouco tempo no norte da Itália e que passou à deportação sumária de judeus aos campos de concentração [Lager] nazistas e que se disfarçava por medidas sociais controladas pelo Estado de Sítio. Como veremos muitos reinvidicam sua herança. http://en.wikipedia.org/wiki/Italian_Social_Republic

2 Sobre o Partido de Berlusconi:
Me reservo a citar extratos de Anatomia do Fascismo de Robert Paxton, mesmo que discorde de algumas de suas conclusões frente aos fatos:

“O Movimento sociale Italiano (MSI) teve uma existência mais significativa como o único herdeiro direto de Mussolini. Ele foi fundado em 1946 por Giorgio Almirante, que, depois de 1938, havia sido secretário editorial de uma revista anti-semita, La defesa della razza, e chefe de gabinete do ministro da propaganda, na República Social Italiana de Mussolini, em Saló, em 1943-1945. Após um fraco desempenho de 1,9% dos votos em 1948, o MSI, a partir de então, alcançou uma média de 4% a 5% nas eleições nacionais, atingindo um máximo de 8,7 % em 1972, que não se beneficiou de uma fusão com os monarquistas e de uma reação ao “verão quente”de 1969. A maior parte do tempo, manteve um distante quarto lugar entre os partidos italianos.

O MSI alcançou seus melhores resultados após os “sustos vermelhos”: [que como vimos o autor não associa à estratégia da tensão mencionada sobre a operação Gládio] em 1972, empatou com os socialistas na disputa pelo terceiro lugar entre os partidos de nível nacional, com 2,8 milhões de votos e, em 1983, sua votação total alcançou quase o mesmo patamar, depois de os democrata-cristãos, em 1979, terem aceito votos comunistas, numa “abertura para a esquerda” que, segundo esperavam, iria reforçar suas maiorias. O partido, entretanto, continuou politicamente isolado. Quando o governo fraco de Fernando Tambroni, em 1960, contou com votos do MSI para completar sua maioria, veteranos da resistência antifascista fizeram manifestações até Tambroni renunciar. Nos trinta anos que se seguiram, nenhum político italiano convencional ousou quebrar a quarentena do MSI.

O MSI se saiu melhor no Sul, onde as lembranças das obras públicas fascistas eram positivas, e onde a população não havia passado pela guerra civil de 1944-1945, entre a Resistência e a República de Saló, que se limitou ao norte do país. Alessandra Mussolini, neta do Duce, formada em Medicina, ocasionalmente artista de cinema e pin-up famosa de revistas pornográficas, representou Nápoles no parlamento eleito em 1992, como deputada pelo MSI. Como candidata à prefeitura de Nápoles, em 1993, conquistou 43% dos votos. Fora do Sul, o MSI teve um bom desempenho entre os jovens de sexo masculino que não encontravam lugar na sociedade e em todas as regiões com a exceção do Norte, onde um movimento separatista regional, o Lega Nord
[nota Nas eleições parlamentares de 1992, a Lega Nord recebeu quase 19% dos votos do norte (8,6% nacionalmente), aproveitando-se do ressentimento dos pequenso empresários quanto ao peso social representado pelo sul da Itália, expresso em termos que se aproximavam do racismo. Ver Hans-Georg Betz, “Against Rome: The Lega Nord”, em Hans-Georg Betz e Stefan Immerfall, eds., The New Politics of the Right: Neo-Populist Parties and Movements in Estabilished Democracies, Nova York: St. Martin’s Press, 1998, p. 45-57.]
p.290-291
[…]
Na Itália, os democrata-cristãos (DC) ocupavam o poder de fomra ininterrupta desde 1948. Durante quarenta anos, nenhuma alternativa séria havia-se apresentado ao eleitorado italiano. A cisão comunismo-socialismo havia enfraquecido a esquerda a tal ponto que todos os partidos não-comunistas de oposição preferiam buscar participação na hegemonia dos DC a se arriscar na impossível tarefa de formar uma minoira alternativa.

Quando os democrata-cristãos e alguns de seus parceiros menores foram manchados pelo escândalo,  na década de 1990, não havia uma maioria alternativa entre os disparatados partidos de oposição. Novas personalidades vieram a preencher esse vazio, afirmando ser “externas à política e não-partidárias”. A mais bem-sucedida dessas figuras foi o magnata da mídia Silvio Berlusconi, o homem mais rico da Itália, que rapidamente formou um novo partido que recebeu o nome de Forza Italia, o mesmo nome de uma torcida de futebol. [Entre muitas outras propriedades, inclusive a maior parte da mídia italiana, Berlusconi era dono do time de futebol Milan A.C.]. Berlusconi montou uma coalizão com dois outros movimentos externos à política tradicional: A Liga Norte separatista de Umberto Bossi e o MSI (que agora se chamava Alleanza Nazionale, proclamando-se pós-fascista). Juntos, esses partidos ganharam a eleição parlamentar de 1994, tendo conseguido preencher o nicho vago de alternativas plausíveis aos desacreditados democrata-cristãos. Os ex-MSI, com 13% dos votos, foi premiado com cinco pastas ministeriais. Essa foi a primeira vez, desde 1945, que um partido que descendia diretamente do fascismo participou de um governo europeu. A Forza Italia de Berlusconi ganhou novamente as eleições de 2001 e, dessa vez, o dirigente da Alleanza Nazionale, Giangranco Fini, foi vice-premier.”
p.300

Eis parte da barca furada que os italianos se meteram e no qual queremos mandar de volta Cesare Batisti.
E por fim, como se deram as ações armadas na Itália ? Mesmo que saibamos que a ação isolada de grupos pouco pode no contexto da luta de classes, há algumas características que definem um grupo de ação neste contexto conturbado que apresentamos da Itália. Vejamos alguns tópicos que talvez possam ajudar a entender esta situação complicada:

3- O que foi a ação armada na Itália ?
Vejamos alguns elementos retirados do artigo “Por baixo da calçada, a dinamite”: Luta armada em Itália e na Alemanha durante a década de 70” de José Nuno Ramos. A ação armada na itália deve ser compreendida em seu contexto onde:

a) As ações não eram compostas de elementos estritamente estudantis desligados de questões específicas da sociedade, mas, como vimos, ligados à resistência num contexto de repressão política, sindical e estudantil em geral e contra a atuação de máfias que atuavam de modo compacto ligados ao estado;

b) 71% dos 1700 atentados na Itália dos anos 60 aos 70 foram realizados por grupos de extrema direita que, como vimos, eram ligados à operação gládio ou grupos claramente neo-fasicstas que assassinavam principalmente lideranças de esquerda, mas igualmente jornalistas e juízes que tropeçassem em algo que não deviam; como podemos lembrar as 23 pessoas de relevo mortas entre 1977 e 1994 diretamente citados nos casos sobre a máfia confessados pelos “arrependidos” chefes da máfia como Buscetta e Totó Riina, chefe da Corleone. O perdão que lhes foi concedido comprou uma paz principalmente com parte da direita de quem era rival.

c) Tudo isto se dava em pleno cenário de aumento da repressão social de manifestações políticas públicas:

”Em 1975, a publicação da Legge Reale autoriza as forças policiais a disparar sobre manifestantes desarmados em caso de desordem pública, desencadeando um ciclo de confrontos, prisões e mortes. A 1º de Fevereiro de 1977, durante uma manifestação à frente da sede do Movimento Social Italiano (como resposta a um ataque da extrema-direita à universidade de Roma), a polícia dispara sobre os manifestantes, ferindo quatro pessoas. A indignação com os acontecimentos leva à ocupação de várias faculdades. ”[…]
“A 21 de Abril, uma tentativa de reocupação da universidade de Roma leva a polícia a entrar no campus com tanques. O governo decreta então a proibição de todas as manifestações a ocorrer durante o mês de Maio de 1977. Por quebrar a ordem ministerial, uma manifestação feminista em invocação do terceiro aniversário da derrota do referendo que propunha a proibição do divórcio é desmobilizada por disparos da polícia. Uma manifestante é morta. No dia seguinte, durante uma manifestação de repúdio, um grupo de 20/30 pessoas separa-se da maioria e dispara sob o dispositivo policial, matando um agente.” Eis parte do contexto, que lidamos ao tratar da operação Gládio.

d) As organizações de esquerda não se utilizavam de bombas evitando vitimização de civis como na Alemanha e nomeavam alvos específicos em quem nunca utilizavam de tortura, apesar de seu uso pelo estado. No caso de Batisti, como vimos,  além do Brasil considerar um caso absurdamente de crime comum (como propalado pela impresa toda), sabemos que o incidente envolveu dupla morte (bomba ?), o que não confere com atuações da esquerda armada.

e)São válidas até hoje as confissões realizadas sob tortura naquela época e delações de membros que se encontravam no exterior e que podem, obviamente, ter sido falsas e realizadas em troca da própria vida;
f) O terror que a justiça e as articulações que cassaram foram a inclinação à extrema esquerda que foram a minoria das ações e que não começaram este cenário, conforme se sabe, graças aos dados que vazaram da operação Gládio e graças, em parte, à investigação contida na operação “Mãos Limpas”.

FONTES:

GLADIO OPERATION: Verbete so wikipédia contido In: http://www.mega.nu:8080/ampp/gladio.html
LUCKY LUCIANO. Verbete do wikipédia contido em:  http://en.wikipedia.org/wiki/Lucky_Luciano
MINGARDY, Guaracy. Estado e Crime Organizado. São Paulo: IBCCrim, 1998.
NERY, Sebastião. A Cabeça de Battisti. In: http://diasdekali.blogspot.com/2009/02/sebastiao-nery-cabeca-de-battisti.html
PANTALEONE, Michele. Máfia: 1943-1962. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, s/d.
RAMOS, José Nuno. Por baixo da calçada, a dinamite: A luta armada em Itália e na Alemanha durante a década de 70. In:
PAXTON, Robert Owen A Anatomia do Fascismo. São Paulo, Paz e Terra, 2007.
STILE, Alexander . Excellent Cadavers. Pantheon. New York, 1995.
THE SOCIAL REPUBLIC OF SALÓ. In: http://en.wikipedia.org/wiki/Italian_Social_Republic

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A INSUSTENTÁVEL ENGENHARIA DO DESEJO

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A INSUSTENTÁVEL ENGENHARIA DO DESEJO

Hipóteses sobre a produção pornográfica audiovisual

Douglas Rogério Anfra

 

Em certo sentido, a pornografia é a forma mais
política de ficção, pois aborda como usamos e exploramos uns aos outros, do
modo mais urgente e impiedoso.

J.G.Ballard

 

A ENGENHARIA DO DESEJO

 

Seriam as nossas fantasias mais
inconfessáveis a articulação de imagens fornecidas pelo repertório de uma
indústria do desejo ou seriam os produtos da indústria do sexo a coleta e
divulgação do segredo das camas divulgado à revelia?

 

De qualquer forma, na pornografia
há a sedução da imagem, que não atinge somente os meninos urbanos em fase de
maturação, mas ambos os sexos e imaginários. As criações mais intensas e tudo
aquilo que chocaria o repertório comum dos casais é posto e reposto com a sanha
de um tipo de iluminismo fora de hora que permite a revelação do irrevelável.

 

A quem se choca, a cena
pornográfica apresenta o sexo em suas formas mais diversas como algo natural,
mas que seria arcano à visão nublada pela moral. Vindo por todos os vãos, com
todos os meios e extensões. O corpo assim exposto é passível à idéia
transgressiva, material manipulável e disponível integralmente com tudo o que
se têm ao jogo armado dos corpos jovens e violentos. Nada mais humano que o
sexo sem limites. Esta instância apresentada que adere aos desejos
inconfessados e assume a carapuça de um impulso natural.

 

No entanto, algo acontece quando
se apresenta o resultado da transgressão erótica do corpo. Primeiro, o ritual
burguês e romântico da cena amorosa que enlaçaria os casais é desfeita, depois,
é realizada a dissolução da igualdade na comunhão amorosa fincada no contrato
pela transgressão mútua e, enfim, aparece a repetição de um repertório
facilmente reconhecido, dividido em categorias cada vez mais reduzidas e
definidas.

 

Partes de corpos interagindo em
tipos definidos de ação premeditados, prêt-à-porter
partilhados em massa que seguem um roteiro pré-definido. Basta ler a embalagem
ou o nome do arquivo a baixar na internet. Falemos desta representação
específica que não se assume.

 

A PRÉ-HISTÓRIA DO FILME PORNOGRÁFICO

 

O corpo mudou muito desde o tempo
em que aparecia imediatamente como objeto erótico. No primeiro momento em que
se apresentou, seguiu junto com as mudanças da arte um impulso pela
liberalização dos costumes. Haviam, é claro, as primeiras imagens de
representação do sexo (1), mas é quando surge a imagem em
movimento, ou propriamente o filme, depois do cinematógrafo, que estas imagens
passam progressivamente a ter como referência o que havia de engraçado no
choque propiciado pelos pioneiros da representação em massa do sexo.

 

As curtas representações iniciais
como “Les Époux Vont au Lit”, de
Eugène Pirou, não deixavam adivinhar o que viria, pois, assim como as produções
pouco posteriores como o conterrâneo “O Bom Albergue” (2), de 1908, todos receavam a exposição direta e integral do corpo
nú até ser imaginado um espaço próprio e seguro que foi o bordel, cenário
dominante nos filmes posteriores assistidos sem vergonha e às escondidas, pois
mesmo que seja constrangedor encontrar alguém no cinema, isto seria natural de
acontecer no espaço do lazer de exceção da Vaudeville.

 

Tudo mudará nos anos sessenta com
o documentário sueco “Jag är Nyfiken
(Sou curioso) cujo título no Brasil é revelador do quanto chocava seus
espectadores curiosos: “Eles nos chamam desajustados”(- porquê desajustados ?).
É interessante notar que para ter início a exposição da cena completa do sexo e
não mais sua representação indireta, adota-se o naturalismo (e, de certa forma,
o vouyerismo) na forma de um documentário sobre o comportamento. Como se
restasse ao corpo, reservado de sua exposição enquanto elemento social ser
retratado como natureza, como algo capturado de modo desprevenido. Muito da forma
da pornografia posterior terá algo do distanciamento com que a jovem Lena Nyman
beija o pênis flácido de seu namorado neste filme (3).

 

A VIRADA DOS ANOS 70

 

Apesar da produção pornográfica
nos anos setenta ter interiorizado a forma das demais produções cinematográficas
ditas sérias como a duração, o distanciamento na filmagem, a representação e o
enredo, ela se tornou um tipo de paródia que visou chocar os valores
enxergando-se como um tipo de transgressão, participando das demais
transformações dos hábitos.

 

Sua difusão comercial se inicia
neste período nos EUA quando se adotam medidas que garantem maior liberdade à
produção e as classificações que estratificavam as faixas etárias dos filmes,
abrindo o caminho para sua recepção no cinema, caminho diferente e posterior ao
da revista pornográfica, até então somente liberada nos países escandinavos
tidos como liberais e líderes no mercado pornográfico da época (4).

 

Constatam-se nestes primeiros
sucessos pornô dois limitadores à suas formas, que talvez fossem ligados à
recepção. De um lado, o cinema impedia algo curto e direto a quem se deslocava
para vê-lo na sala de projeção, por outro lado, a câmera impedia o
enquadramento tão próximo ao atual. No entanto, podem-se observar alguns
detalhes.

 

Por exemplo, de dois casos
paradigmáticos como Deep Throat
Garganta Profunda e The Devil in Miss
Daisy
O Diabo na Senhorita Daisy, fiquemos com o primeiro. Deep Throath é
um autêntico livre empreendedor numa nova área de sucesso (5), nada mais americano. De
custo baixíssimo, filmado em 1972, é simplesmente o filme pornográfico de maior
sucesso de todos os tempos. A batalha dos seus produtores e diretores contra
Nixon que tentou proibí-lo, foi tomada como uma luta entre a América liberal e
a conservadora, sendo até mesmo lembrada quando posteriormente deram o nome do
informante do caso Watergate de
Garganta Profunda.

 

Seu enredo é o de um filme de
humor que ri de si mesmo, colocando o pornô, mesmo constrangido, no vasto
catálogo do fun. Linda Lovelace, no
papel de Linda (6) é uma mulher que experimentou de tudo sem conseguir ter
um orgasmo até que descobre graças a um orgasmólogo, o Dr. Young (Harry Reems) (7),
que somente “ouviria os sinos” (referência ao orgasmo) realizando felações
profundas, pois teria nascido com uma deformação muito particular, o clitóris
no fundo da garganta.

 

É interessante a cena que
prenuncia o futuro da representação do sexo no cinema quando conversa com sua
amiga Helen (Dolly Sharp) e esta lhe recomenda a consulta com o Dr. Young
enquanto um jovem que mal se vê, sem nome e que não aparece nos créditos
realiza nela uma cuidadosa cunilíngua mostrando com que facilidade se pode
gozar.

 

Comparar esta produção com o que
adveio posteriormente ainda gera desconforto em quem participou desta
mobilização de inspiração reichiana em nome da verdade do sexo e contra a
repressão dos costumes eróticos, como representado no desencontro entre este
tempo e a atualidade no filme “Le
pornographe
” de Bertrand Bonello. Além disso, o sucesso desta produção faz
destacar sua efemeridade, pois nunca mais se repetiu com outro filme
pornográfico. De qualquer modo, é possível pensar hoje num expectador de filmes
eróticos que preste atenção no seu enredo até o ponto em que pudesse notar seus
gracejos humorísticos?

 

Para isto será necessário o
nascimento de dois gêneros distintos, o filme erótico e, no Brasil, a
pornô-chanchada, ambos envoltos em enredos suporte cuja revelação do corpo e a
insinuação da cena erótica já bastavam para a criação do enlace erótico na
fantasia do espectador. Por sua vez, a pornografia se torna cada vez mais
distante de tais enredos ao assumir uma proposta mais radical de penetrar
constantemente o enredo cada vez menos secreto dos corpos.

 

O FILME PORNÔ DOS 80 ATÉ HOJE

 

É visível que sua história tomou
outro rumo, uma história que mostra como o meio com que se faz o filme e se
assiste muda o modo de se fazer filmes determinando seu conteúdo. Afinal, duas
outras mudanças que repercutiram nos filmes são técnicas.

 

A primeira é menos óbvia a quem
assiste. A mudança da câmera que permitiu o recorte do corpo em close, pois a
diminuição da câmera permite a aproximação até a derradeira entrada no próprio
corpo com o qual passa a interagir.

 

A câmera, ao mesmo tempo em que
passa a pôr-se em cena sem gerar um efeito de distanciamento (como causou ao
surgir na novelle vague ou no
documentário), passa a afirmar mais um efeito de transgressão em cena, pois
aparece em conflito contra qualquer coisa que pudéssemos tomar como “clima” ou
enlace erótico, mesmo que ficcional dos atores na cena.

 

Ao mesmo tempo em que a câmera
aparece, desaparecem progressivamente os atores homens, restando apenas seus
genitais, o que só não acontece com a atriz e isto porque a face dela é
importante para outro ato de transgressão recorrente, a ejaculação em sua face,
como se no enredo do filme se efetuasse um ataque ou uma vingança da força
contra a beleza.

 

A segunda modificação formal e
técnica foi a possibilidade de se ver o filme em casa graças ao vídeo cassete,
o que tornava a recepção privada. Os anos oitenta criaram suas divas, as
principais sereias deste canto privado dos filmes, com destaque à atriz
húngara, depois naturalizada italiana e deputada de seios à mostra eleita pelo
“Partido Radical” (8) Cicciolina (nome fictício, artístico e
político de Ilona Staler).

 

Com a mudança da recepção pública
para a privada puderam ter início as exposições mais radicais do corpo e dos
desejos humanos mais secretos . A citada estrela Cicciolina inicia a divulgação
de cenas mais radicais intermediadas por imagens de “bestialidade” com cavalos,
cenas com fezes e outros eventos tolerados graças ao seu semblante doce,
tornando os meandros das taras privadas mais palatáveis.

 

Seria demais dizer que ela abriu
a caixa de pandora, pois, contra o filme pornográfico “com história”,
estabeleceu-se a definição do filme pela tara específica que já descreve o ato,
o que se viu em produções, na época, menores. Os filmes de Cicciolina tinham
nomes pomposos ou eufemísticos como “A ascensão da imperatriz romana” (9)
e “Banana com chocolate” (10), nunca algo literal como Anal com
Fezes I, ou similares que conquistariam sua reputação nos anos 90.

 

No entanto, notemos, ela teve
nome, um corpo inteiro e uma personalidade ainda que fictícia, não sendo apenas
um fragmento de seu corpo, pois, apesar de expor muito seus seios, eles
aparecem com o resto. A redução metonímica do corpo do desejo em fragmentos
assumiu a característica que vinculava o expectador ao seu produto audiovisual
de conteúdo sexual. Em determinado momento, passaram a emergir nas categorias
dos filmes o catálogo de excentricidades, patologias e taras assumidas como
naturais no espaço da cama, onde tudo era aceitável, apesar de velado por culpa
da moralidade (ao menos era o que se acreditava seguindo o repertório
Reichiano).

 

As seções veladas das vídeo
locadoras que se enchiam de sócios envergonhados deram lugar à internet quando
ocorreu uma explosão do desejo de participar do espetáculo, de se tornar objeto
de desejo, de chocar e ressignificar os hábitos sexuais em novas categorias
enquanto gostos separados. No entanto, pareceu ser necessário manter o normal e
a culpa, ainda que só para transgredi-la, ou que outro motivo haveria para a
manutenção dos filmes com história, enredo e, cada vez mais supérfluo, o esquema
inicial de sedução e enlace dos casais que se tornaria ele mesmo uma tara,
muitas vezes jogada para a categoria de “filmes pornográficos orientados para
mulheres”?

 

Progressivamente, a efusão de
filmes de pequena duração, amostragens gratuitas com recorte e  focalização exclusiva em partes separadas do
corpo, foram justificados para a manutenção do anonimato que se somariam à
efusão de experimentos visando chocar pela exposição da imagem do sexo, mesmo
que o impacto da imagem do corpo erotizado fosse progressivamente anestesiado
pela sua naturalização em comerciais, filmes, novelas, histórias em quadrinhos,
etc.

 

Tudo isto levou, por um lado, à
radicalização do impacto como objetivo da exposição da imagem, como se a cena
amorosa houvesse efetivamente se descolado do sexo sublimado num tipo de
esporte que envolve relações de força para além da cena visando outro tipo de
relação que criasse efeitos no expectador. O sexo retratado visaria criar uma
máquina para um efeito nem sempre erótico, bastando, para isso, acompanhar um
dos maiores sucessos do You Tube.

 

O filme brasileiro “Two Girls and
one Cup” (11),
cuja ação envolve duas garotas entre fezes e regurgitação virou sensação quando
alguém teve a idéia de exibi-lo a outra pessoa e retratar suas reações.
Referências a este “jogo” apareceram em seriados de TV americanos e animações
seriadas para adultos. Este parece ser o resumo do jogo criado entre a
retratação, a reprodução e a exibição de filmes pornográficos atuais,
resultando num distanciamento inclusive do sexo. O foco agora é dado
diretamente ao impacto causado no espectador sendo a cena erótica um fundo de
onde de desloca a outra ação, a de se obrigar a ver este mesmo filme (12).

 

Quando percebemos que a indústria
do sexo e a própria representação espetacular do sexo podem funcionar mesmo sem
sexo, dizendo mais respeito a uma atitude sobre ele, podemos concluir com
certeza que sua exploração, exposição e a reprodução de suas formas vai muito
além da função iluminista que tentavam os manuais de Educação Sexual ou
Enciclopédias sobre o tema, mesmo que a pornografia muitas vezes se
justificasse como uma extensão radical das pesquisas do Dr. Kinsey (13),
que permitiram a muitas senhoras americanas tratar do tema com normalidade.

 

No entanto, qualquer um dos seus
espectadores e produtores passará a evocar esta defesa no interesse de
preservar uma pretensa inocência do produto para garantir um resquício de
experiência para o expectador, colocando a pornografia como uma diversão entre
muitas que deve preservar a relação do espectador com o filme próximo ao da
contemplação natural ou encantada, algo da ambigüidade do sagrado/maldito que
Mauss descrevia a respeito do sacrificado (14), mesmo que saibamos do mercado que
representa e do que implica.

 

Mas se a pornografia vai para
além do sexo, o que sobraria do conteúdo humano da pornografia, o corpo?

 

AS INFINITAS MANIPULAÇÕES DO CORPO

 

É facilmente percebida a
diferença entre a pornografia de períodos anteriores e a atual no que toca ao
corpo e isto porque há uma ligação entre a experiência do sexo fora da
pornografia e a que se dá nela. O corpo não é mais imediatamente erótico e teve
de se modificar para poder tornar aceitável sua representação, colocando-se
como algo de elaborado.

 

Por que o corpo nu na pornografia
expulsou os pêlos do corpo das atrizes e atores tornando a superfície de sua
pele similar ao plástico, com brilho e liso, manipulável e elástico a ponto de
ser forçado às peripécias mais radicais entre volumes os mais incomuns? Será
isto reflexo da própria sociedade que talhou igualmente o corpo da modelo de
biquínis e lingerie, ou terá aí a participação da indústria do sexo?

 

Basta notar a rápida mudança que
se experimenta ao longo das décadas chegando ao que vemos hoje. Alguém poderia
argumentar que esta seria a marca de um desenvolvimento da civilização e da
sociedade que ao apreender a superfície do corpo como espaço de simbolização,
revelaria a interiorização de uma categoria socialmente partilhada. Tal forma
de se mostrar, aparentemente gostaria de se libertar das marcas da natureza
como o nosso parentesco com os animais atestado pelos nossos pêlos.

 

Deste modo, a superfície lisa nos
colocaria na categoria de símiles levados para outro plano de elaboração do
corpo, o que atestaria marcas culturais em mudança. Nada mais
natural, ou melhor, cultural, como o mostram as tatuagens que se tornaram
corriqueiras e pouco chocam hoje as madames da high society. O que há demais em
se tornar liso?

 

No entanto, colocamos que não
tratamos propriamente do corpo em si, mas do corpo apreendido pela indústria do
sexo, e, além disso, dentro deste contexto teríamos dois desdobramentos
possíveis, um seria o de que a pornografia apreende características
determinadas por mudanças sociais sendo apenas recortado e divulgado em escala
industrial.

 

O outro desdobramento, o que
prenderia o corpo dentro de um nível de erotismo socialmente determinado em
categorias, o que pode tornar a presença de pêlos na atriz e no ator pornô uma
dentre as suas possibilidades eróticas que se estratificam sem se negar. Esta
posição implica que se pode estratificar infinitamente as categorias do erótico
havendo até mesmo uma categoria específica para o que antes foi comum no corpo
(e talvez ainda o seja), sendo deslocado para uma “tara”, como o “hair”, a
presença de pêlos que sai de sua existência natural para ser aproximada ao
exótico, ao estranho.

 

O DESEJO DESENCARNADO

 

Como elemento de problematização,
fiquemos com a segunda intuição, a de que haveria alguma relação entre esta
mudança da exposição do corpo com base na produção pornô.

 

O distanciamento dos atores na
cena apresenta os atores pornôs como se fossem independentes não apenas um do
outro, mas do próprio ato sexual em si. Veja-se o semblante, como se fossem poses de
modelos, mantendo outro tipo de apresentação do corpo deslocado da cena sexual
em ação, não importa a intensidade e os orifícios envolvidos. Seria uma
afirmação da potência do Eu que resistiria a toda aquela articulação maquínica
que envolve os atores, a cena, o diretor, as luzes, que olha para a câmera como
se não estivesse ali, mesmo que ela se denuncie como presente à cena? (15)

 

Neste caminho há dois planos de
deslocamento em relação ao sexo. O primeiro, o do distanciamento do corpo
suplantando a forma orgânica e mesmo animal que ele é. O segundo, o
distanciamento da interação, mostrando-se o ator ou a atriz como superiores à
situação em que se inserem, como numa luta, um contra o outro, ou contra a
cena, o expectador e todo o entorno, mas sem que esta captação apresentasse uma
marca que pudéssemos aparentar com o distanciamento da forma cinematográfica,
como o efeito de opacidade que Bazin buscava ao criticar na montagem o falso
efeito de naturismo, o que acreditamos não poder ser posto pela cena
pornográfica, pois as diferenças do pornô são alegóricas e irônicas como a
própria representação.

 

Com efeito, falsos flagras e
cenas feitas com câmeras amadoras estimulam o desejo voyer, o desejo de
surpresa como aparece em diversas produções para a internet, ligados à
acessibilidade da reprodução de imagens que as novas câmeras portáteis permitem
aos casais. Estes se apresentem gratuitamente enquanto bens simbólicos para que
a indústria do espetáculo lucre com o salto mortal de seu ato sexual em
mercadorias, assim como a própria simulação destas cenas “reais” capturadas
pela indústria.

 

O ato sexual se torna esporte de
corpos inorgânicos apresentados enquanto saltos libertadores das prisões e
limitações de desejos representados não somente pelo tabu sexual, mas também do
próprio corpo (16) – mesmo que tal desejo em busca de libertação seja
pré-definido dentro de uma categoria de ação previamente descritiva (anal,
oral, bukake, public, etc.).

 

A internet aparece como um espaço
de circulação de imagens que permite a indexação de quaisquer categorias, ainda
que progressivamente elas se afinem, posto serem dadas ao imaginário e
convidadas a se libertar na realidade (ou no virtual), tornando-se novas
imagens postas em circulação na internet. Uma máquina de catalogação e
ordenação da pluralidade dos atos eróticos.

 

Se saber de tudo isto não basta
para distanciar de vez a força da presença ou a sugestão das imagens da
pornografia na vida sexual fora da tela, cabe perguntar porquê ela subsiste. Ou
ainda, conforme as questões levantadas por J.G. Ballard no ensaio introdutório
ao romance Crash :

 

A moderna tecnologia nos proporciornará
meios até hoje não sonhados de dar vazão a nossas próprias psicopatias ? Esse
direcionamento da nossa perversidade inata vai, presumivelmente, nos beneficiar
? Existe algum desdobramento lógico desviante mais poderoso do que aquele
fornecido pela razão ?
(17)

 

Estas coisas só se responderiam
com uma pesquisa que soubesse como os corpos entram na pornografia, como se
situam lá e, mais ainda, o que ela significa para a recepção. Ou melhor, por
que, mesmo ironicamente, a imagem dura e plástica da pornografia mantém sua
circulação para além da indústria com casais que mandam imagens de si mesmos e
que, sem lucrar nada com isso, se entregam a tal impulso de “libertação” criando
complicações sociais para si mesmos ao pôr em circulação suas imagens
oferecidas livremente para outras pessoas, mas que são reproduzidas numa
indústria que lucra justamente com este impulso?

 

Aparentemente, para o caso do
receptor a situação é um moto-perpétuo. A relação com a imagem pornográfica
parece ser o da busca de uma imagem que sacie por si mesma o impulso por
sexualidade representado por uma imagem cada vez mais violenta. Aparentemente
seguiria o sentido libertador da ruptura de um tabu, visto pelo receptor não
como valor, mas como determinação externa que limita suas experiências. Rompido
este tabu, vem a saciedade momentânea do impacto que causa nos próprios valores
partilhados, vistos como externos, permitindo ao consumidor seguir em busca de
imagens ainda mais radicais (18). No resultado geral, isto acaba em
ansiedade por mais imagens, tédio com o processo e angústia com a repetição.

 

Na produção, resulta em condições
cada vez mais difíceis a pessoas que são trabalhadores sujeitados à produção da
pornografia inserida numa competição feroz de um mundo espetacular, apesar de
cada vez mais longe do glamour de imagens que ninguém mais vê do mesmo modo,
pois a internet dispõe criações pornográficas o tempo todo. Imagens da carne
cujos limites são abstraídos para a manutenção do sexo como evento
mecânico/inorgânico que violenta (19).

 

E, por fim, caberia ainda
perguntar se a produção pornográfica teria em seu processo de expulsão e
submissão do corpo em prol de algo criado exclusivamente pela indústria do
pornô algum parentesco com a expulsão do conteúdo humano da circulação de
mercadorias em geral. Ou
seja, se o corpo estaria sendo não apenas suprimido neste momento em que ainda
subsiste (20),
mas subsumido na produção de mercadorias imagéticas, de corpos eróticos
inseridos na lógica do capital que daria uma resposta própria à definição tanto
do que sejam corpos, quanto do que seja erótico.

 

Resposta que, apesar de circular
cada vez mais nas cabeças dos casais, tornou-se impossível de ser reproduzida
nas camas onde, a princípio, teria início e que é, além disso, detentora de uma
lógica própria que teria origem e finalidade para fora do sexo. Concluindo,
paradoxalmente, que o pornô apontaria para algo fora do sexo que ainda não
sabemos o que é, ou se estaríamos tratando ainda de indícios de uma outra forma
de sexualidade que ainda começa a se manifestar, uma sexualidade pós-humana.

 

NOTAS

 

1 Pode-se observar a interessante coleção de representações,
brinquedos e utensílios eróticos de André Pieyre de Mandiargues que representa
quase toda a pré-história ocidental da representação erótica no filme de
Walerian Borowczy, Une coletion particuliére, Vide:
http://www.ubu.com/film/borowczyk_collection.html. O destaque é o pudor do dono
da coleção que não se revela no filme e a forma elaborada de mostrar seus “jou
jous particuliers”.

2 Os filmes de burlesco e mesmo pioneiros da representação intensa
do sexo mereceriam um lugar à parte, pois apareceriam junto com o circo humano
de horrores (o freaky show) no meio da algazarra da Vaudeville. Lugar próprio
de um entretenimento de exceção onde o sexo era posto entre coisas e lazeres
considerados excêntricas.

3 Muitos denotam em relação ao impacto do filme na época uma
mudança de tabu, pois, o que chocava neste filme, a felação, hoje é considerado
trivial, enquanto a sodomia, que hoje carrega relativo tabu, seria na época
mais tolerável. Como sinal, tomemos as leis salazaristas, como a portaria
municipal nº 69.035 de 1953 que dizia respeito ao policiamento das zonas consideradas
quentes, nesta são atribuídos valores de multas para “atos atentatórios à moral
e aos bons costumes”: “1º – mão na mão (2$50); 2º – Mão naquilo (15$00); 3º –
Aquilo na mão (30$00); 4º – Aquilo naquilo (50$00); 5º – Aquilo atrás daquilo
(100$00). Parágrafo único – Com a língua naquilo 150$00 de multa, preso e
fotografado” Podemos subentender que, por algum motivo, a cunilíngua e a
felação eram neste caso muito mais penalizadas que a sodomia. Mas seria preciso
outra tese para explicar a diferença entre “aquilo na mão” e a “mão naquilo” e
suas diferenças de valores.

4 Nos anos 50 haviam muitos colecionadores de revistas
contrabandeadas, chamadas suecas, não escapando nem mesmo Carlos Drummond de
Andrade e Cecília Meireles.

5 Vide a respeito o documentário Inside Deep Throath In:

6 A
respeito dizia-se que Linda Lovelace antes deste papel foi engolidora de
espadas num circo itinerante, emprego bem particular que permitiria
qualificá-la de uma manifestação extemporânea da da Vaudeville.

7 Provável referência ao psicanalista heterodoxo Wilhelm Reich e ao
seu livro de sucesso na época a Função do Orgasmo. A idéia principal é a de que
a repressão aos costumes no capitalismo seria dada pelo modo de vida repressivo
e necessário para manter a alienação. Frente a isto, propunha outras formas de
sociabilidade sexual para criar uma normalidade das funções sexuais que
pressupunham a capacidade regular de ter orgasmos. Os orgasmos eram pensados
como um tipo de descarga da energia sexual (orgônio) que ficaria acumulada, e
que ao serem regularizadas, levariam a uma sociabilidade mais comunitária e
menos alienada social e politicamente. Foi expulso da sociedade psicanalítica
internacional por causa de ser um dos primeiro psicanalistas a se admitir
marxista e a associar neurose e capitalismo, além disso também foi expulso do
Partido Comunista ao propor um programa de transição sexual e política, o
SEXPOL que envolvia o cuidado com a sexualidade dos adolescentes nas escolas (e
formas para que lá pudessem se aliviar). Do mesmo modo, foi condenado à prisão
nos EUA ao afirmar ter descoberto uma forma de acumulação da energia sexual que
também seria constituinte do universo, como um tipo de energia cósmica.  

8 O Partido Radical é um racha à esquerda do Partido Liberal que
por vezes chegou a se aliar ao Partido Comunista Italiano. Sua plataforma
liberal não foi de todo pífia, defendendo campanhas contra a AIDS nas escolas
(enormidade na Itália), campanhas contra a energia nuclear, a favor dos
direitos humanos e contra, pasmem, a pedofilia, ou seja, ela tinha limites.

9 Rise of the roman empress. Dir.,
roteiro, Riccardo Schicchi. Itália, Paradise Video prodution, color, 85 min.,
1987.

10 Banane al cioccolato. filme italiano de 1986 de Riccardo
Schicchi.

11 Na verdade, o filme é o trailer de Hungry Bitches, rodado em
2007

12 George Clooney após a brincadeira feita pela revista Esquire
definiu a “experiência” de ver o filme 2 Gilrs and 1 Cup como um tipo de
rodeio, onde a questão é ver o quanto tempo se agüenta vê-lo. Vide:
http://www.esquire.com/features/george-clooney-2-girls-1-cup-0408-3 (s.l.)
Ùltimo
acesso: 2008-06-05.

13 Dr. Alfred Charles Kinsey se notabilizou pelas pesquisas sobre
comportamento sexual humano inspirando junto com Wilhelm Reich a dita
“revolução sexual”. Tiveram importância principalmente seus dois livros sobre a
sexualidade masculina (Sexual Behavior in the Human Male de 1948) e feminina
(Sexual Behavior in the Human Female de 1953) que mostraram até hoje para escândalo
da sociedade americana que 92% dos homens e 62% das mulheres se masturbava (e
os demais mentem em pesquisas), e que 37% dos homens e 13% das mulheres já
tinham tido uma relação homossexual com orgasmo (onde aumenta ainda mais a
proporção das pessoas que mentem em pesquisas sobre sexo).

Também foi ofendido e questionado
por muitos órgãos de desinformação pública e da imprensa conservadora o que
sempre levanta suspeitas das acusações. Há um filme recente sobre ele: Kinsey –
Vamos falar sobre sexo.

14 Marcel Mauss e Henri Hubert. Sobre o Sacrifício. Cosac Naify,
São Paulo, 2005

15 Neste sentido, penso aqui numa outra leitura de autores do porn
chic como Chloé de Lysses, diferente daquela que vê no procedimento de
distanciamento em suas fotografias algo de uma crítica do fetiche da cena, como
Vladimir Safatle comenta em seu artigo sobre o livro Profanações de Giorgio
Agamben. Acredito que a autora prenuncia o mesmo espírito do pornô em busca do
distanciamento da cena sexual para um plano de naturalização da cena pornô,
desencantando e trazendo à cena o que era fora de cena.

16 É interessante neste sentido o caminho em busca do excesso do
excesso na formulação de Eliane Robert Moraes presente no livro de Jorge Leite
Júnior a respeito da pornografia hardcore, principalmente no capítulo V(P.
221-273) que fala não dos tipos adversos identificados à sexualidade limiar ao
tabu, mas a respeito das figuras plásticas do corpo que se indica na
pornografia contemporânea. Jorge Leite Júnior. Das maravilhas e prodígios sexuais.
A pornografia “bizarra’ como entretenimento. São Paulo, FAPESP/Annablume, 2006.

17 J.G. Ballard. Crash.São Paulo, Companhia das Letras, 2007.
Introdução, p.9.

18 Neste sentido seguiria o snuff, o filme voyerístico de execuções
realistas de pessoas. O snuff pornográfico, subgênero de vídeos de mortes de
pessoas durante o intercurso sexual, levou tal impulso de busca de uma imagem
sexual radical a seu limite aparente, principalmente se lembrarmos que, apesar
de não se conhecer registros de snuffs sexuais verídicos, todos os seus
consumidores acreditavam serem verdadeiros. Isto permitiria levar o consumidor
passivo da pornografia à atividade criminosa fantasmática de cúmplice de
homicídio com motivação sexual. Algo além do sádico e do vouyer.

19 Ou que reeduca, pois podemos pensar o sexo entre as técnicas do
corpo capazes de se recomporem pelo hábito e pela mímese do comportamento de
outros corpos permitindo mudar suas 
capacidades e limites como a elasticidade, a sensibilidade e a
motricidade do mesmo modo como Marcel Mauss pensou a respeito. Este libidinoso
antropólogo, ao observar as técnicas do uso do corpo em diversos aspectos como
o do corpo ao dormir, machar e nadar, inicia sua investigação a partir da
“revelação” com o “andar” (ou rebolar) das enfermeiras americanas, relembrando
onde haveria visto alguém andando daquele modo, lembra “que  fora no cinema”(sem dizer que tipo de
filmes). E posteriormente, ao retornar à França, haveria constatado que as
francesas também passavam a caminhar daquela maneira e, deste fato, pensava que
“os modos de andar americanos, graças ao cinema, começavam a se disseminar
entre nós (franceses)”. Marcel Mauss. Sociologia e Antropologia. p.403-4.

20 Ainda que se possa observar na produção do cinema de animação
pornográfica a confirmação da tendência da expulsão do corpo físico da imagem
de representação pura do sexo na pornografia.

 

BIBLIOGRAFIA

 

ABREU, Nuno César. O olhar
pornô.São Paulo, Mercado de Letras, 1996.

BALLARD, J.G. Crash.São Paulo,
Companhia das Letras, 2007.

LEITE JR, Jorge. Das Maravilhas e
prodígios sexuais – A pornografia “bizarra” como entretenimento. São
Paulo
, FAPESP/Annablume, 2006.

KINSEY, Alfred. Sexual Behavior of human
Female. Los Angeles,
Pocket, 1965.

KINSEY, Alfred.Sexual Behavior of human Male. Indiana,
Indiana University Press, 1998.

MAUSS, Marcel e HUBERT, Henri.
Sobre o Sacrifício. São Paulo, Cosac Naify, 2005.

MAUSS, Marcel. Sociologia e
Antropologia. São Paulo, Cosac Naify, 2003.

REICH, Wilhelm. A função do
Orgasmo. São Paulo, Editora Brasiliense, 1973.

SAFATLE, Vladimir. A profanação
como crítica da ideologia – Novo livro de Giorgio Agamben procura ser um
tratado teológico-político às avessas. Disponível em: <
http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2754,1.shl> . (s.l.) Acessado
em: 7 ag. 2008.

 

FILMES:

2 girls and 1 cup. (Trailler de Hungry Bitches). Dir,
rot, Marco Villanova. Elenco Karla e Latifa. Brasil, MFX Media, 2007. 60 seg.
(62 min filme).

Deep Throat. Direção, roteiro, Gerard Damiano. Elenco: Linda Lovelace, Harry Reems, Dolly Sharp,
Carol Connors.
Estados Unidos, 1972 Cor 61 min.

Inside Deep Throat. Direção, Produção e Roteiro: Fenton Bailey e
Randy Barbato. Narrador: Dennis Hopper. Entrevistados: Gore Vidal, Larry Flint,
Johnny Carson, Francis Ford Coppola e outros. Estados Unidos: Imagine
Entertainment, 2005. (92 min.), Digital, color.

Époux vont au lit, Les. Dir, roteiro., Eugène Pirou.
França, 3 min, branco e preto, 1896.

Kinsey. Dir., roteiro: Bil Condon, prod. Gail
Mutrux. Com Liam Neeson, Laura Linney, Chris O’Donnell, Peter Sarsgaard. EUA,
Drama, American Zoetrope, Pretty Pictures, N1 European Film Produktions, GmbH
& Co. KG, Qwerty Films, color, 118 min., 2004.

Le Pornographe. Dir, roteiro: Bertrand Bonello. Com
Jean-Pierre Léaud, França/Canadá, Haut et Court prod., color, 108 min.,2001.

Jag är nyfiken – en
film i blått
. Dir,
roteiro: Vilgot Sjöman, prod. Vilgot Sjöman. Com Vilgot Sjöman, Peter Lindgren,
Lena Nyman. Mus Bengt Ernryd Ed. Wic Kjellin. Suécia, Sandrews productions.
Documentário, 121 min (versão americana, 107 min.), branco e preto, 1968.

Rise of the roman
empress
. Dir.,
roteiro, Riccardo Schicchi. Itália, Paradise Video prodution, color, 85 min.,
1987.

Une coletion particuliére. Dir, roteiro: Walerian Borowczy, France. Documentário,
color14 min,1973.

http://passapalavra.info/?p=10648

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ANARQUISMO E MARXISMO

Anarquismo e Marxismo

(Segundo uma fala feita em Nova Iorque em 6 de novembro de 1973)
Daniel Guérin



1
Se for possível tratar de um tal assunto, nos encontramos na presença de muitas dificuldades. Comecemos pela primeira. O que realmente nós entendemos pela palavra “marxismo”? De que “marxismo” estamos tratando?
Eu acredito ser necessário responder imediatamente: nós chamamos aqui “marxismo” o conjunto da obra escrita pelos próprios Karl Marx e Fredrich Engels. E não aquela de seus sucessores mais ou menos infiéis, que usurparam o rótulo de “marxistas”.
Este é, em primeiro lugar, o caso do marxismo deformado, e podemos mesmo dizer traído, dos social-democratas alemães.
E eis alguns exemplos:
Durante os primeiros anos do partido social-democrata na Alemanha, durante a vid de Marx, os social-democratas lançaram o slogan de um pretenso Volkstaat (Estado Popular). Marx e Engels estavam provavelmente tão felizes e confiantes de haver enfim um partido de massas na Alemanha referendado neles que eles demonstraram uma estranha indulgência. Foi necessária a denúncia furiosa e repetida do Volkstaat por Bakunin e, ao mesmo tempo, da dos social-democratas com os partidos burgueses radicais para o qual Marx e Engels sentiram-se obrigados a condenar uma tal forma de organização e uma tal prática.
Muito mais tarde, em 1895, Engels envelhecido, assim que escreveu seu famoso prefácio à Luta de classes na França de Marx, realiza uma completa revisão do marxismo em seu sentido reformista, isto é, acentuando o uso do voto tanto como meio ideal, senão único, de tomar o poder. Engels, então, não é mais marxista no sentido que entendo.
A seguir, Karl Kautsky se torna o enganoso sucessor de Marx e Engels. Por um lado, em teoria, influenciado pela persistência no terreno da luta de classes revolucionária, mas, de fato, encobria práticas cada vez mais oportunistas e reformistas de seu partido. Neste momento, Eduard Bernstein, que também se pretendia um “marxista”, pedia para Kautsky mais clareza e repudiava abertamente a luta de classes, que estaria segundo ele, superada, em proveito do eleitorialismo, do parlamentarismo e das reformas sociais.
Kautsky, por sua vez, supunha que ele estava “inteiramente falso” em dizer que a consciência socialista seja o resultado direto da luta de classes proletária. Como não acreditava nisso, o socialismo e a luta de classes não se engendrariam um do outro. Eles surgiriam de premissas diferentes. A consciência socialista surgiria da ciência. O portador da ciência não seria o proletariado, seria o intelectual burguês. Por causa destes, o socialismo científico seria comunicado aos proletários. Para concluir: “A consciência socialista é um elemento importado de fora para a luta de classes do proletariado, e não qualquer coisa que surge espontaneamente.”
A única teórica, dentro da social-democracia alemã, que permaneceu fiel ao marxismo original foi Rosa Luxemburgo. Entretanto, ela soube muito bem fazer compromissos táticos com a direção de seu partido; ela não criticará abertamente Bebel e Kautsky; ela somente entrará em conflito aberto com Kautsky a partir de 1910, quando seu ex-tutor deixará cair a idéia da greve política das massas e, sobretudo, ela passa a dissimular o parentesco direto entre o anarquismo e a sua concepção de espontaneidade revolucionária; ela recorreu aos simulacros de vituperações contra os anarquistas (1). Ela buscou deste modo não assustar o partido ao qual estava ligada, por sua vez, por convenção, e pode-se dizer, porquê o sabemos agora, por causa de seus interesses materiais (2).
Mas, a despeito de variantes de enunciado, não há mais uma diferença verificável entre a greve geral anarco-sindicalista e a que a prudente Rosa Luxemburgo preferia denominar “greve de massas”. Mesmo suas violentas controvérsias, a primeira com Lênin, em 1904, a última na primavera de 1918, com o poder bolchevique, não são distantes do anarquismo. E nem mesmo por suas últimas concepções, no movimento spartakista, no final de 1918, de um socialismo impulsionado de baixo para cima pelos conselhos operários. Rosa Luxemburgo é um dos traços de união entre o anarquismo e o marxismo autêntico.
Mas o marxismo autêntico não foi somente deformado pela social-democracia alemã. Ele também fio alterado, em certa medida, por Lênin. Este último agravou consideravelmente alguns dos traços jacobinos e autoritários que, por ventura, ainda que não sempre, apareciam desde os escritos de Marx e Engels (3).Ele introduziu a ele um ultracentralismo, uma concepção estreita e sectária de Partido (com um P maiúsculo) e sobretudo a prática dos revolucionários profissionais enquanto dirigentes das massas (4). Não encontramos nenhuma destas noções nos escritos de Marx, onde eles não estão senão como embrionários e subjacentes.
Entretanto, Lênin acusa violentamente os social-democratas de haver vilipendiados anarquistas e, em seu pequeno livro O Estado e a Revolução, ele consagra uma seção inteira à lhes render uma homenagem por sua fidelidade à revolução.

2
A aproximação de nosso presente assunto apresenta segunda dificuldade. O pensamento de Marx e de Engels é em si mesmo muito difícil de compreender, por que ele passou por uma evolução ao longo de um quarto de século de trabalho que sempre se esforçou por refletir a realidade viva de seu tempo. Apesar de todas as tentativas de alguns de seus comentadores modernos, entre os quais um padre da igreja, não há dogmatismo marista.
Tomemos alguns exemplos.
O jovem Marx, discípulo do filósofo e humanista Ludwig Feuerbach, é bem diferente do Marx de idade madura, havendo rompido com Feuerbach e que , por seu lado, adoecerá em um determinismo científico um pouco rígido.
O Marx da Nova Gazeta Renana (Neue Rheinische Zeitung) que desejava somente ser chamado de democrata e que buscava uma aliança com a burguesia alemã avançada não parece com o Marx de 1850, comunista e mesmo blanquista, glorificador da revolução permanente e da ditadura do proletariado.
O Marx dos anos seguintes, repondo muito mais tarde a revolução internacional enfurnado dentro de uma biblioteca do Museu Britânico para se aprofundar em pesquisas científicas extensas e meditadas, é agora completamente diferente do Marx insurrecionista de 1850, que acreditava em um levante geral iminente.
O Marx de 1864-1869 interpretava agora nos bastidores o papel de conselheiro desinteressado e discreto dos operários reunidos na Primeira Internacional, se tornando subitamente, a partir de 1870, um Marx fortemente autoritário que, de Londres, regia o Conselho geral da Internacional.
O Marx que, no raiar do ano de 1871, se põe severamente em guarda contra uma insurreição parisiense não é o mesmo que, pouco depois, na famosa comunicação, publicada sob o título de Guerra Civil Na França, escrita sob as nuvens da Comuna de Paris, de onde, seja dito de passagem, ele idealiza alguns dos traços (5).
Enfim, o Marx que, neste mesmo escrito, afirma que a Comuna teve o mérito de destruir o aparelho de Estado e de trocá-lo pelo poder comunal não é o mesmo que, na Carta sobre o Programa de Gotha, se esforçará para convencer que o Estado deve sobreviver, por um longo período de tempo, antes da revolução proletária (6).
Deste modo, não pode ser questão de considerar como um bloco homogêneo o marxismo original, aquele de Marx e Engels. Nós devemos o submeter a um exame crítico serrado e reter somente aqueles elementos que tiveram uma ligação de parentesco com o anarquismo.

3
Nós somos agora confrontados com uma terceira dificuldade. O anarquismo forma agora menos que o marxismo uma doutrina de corpo homogêneo. Como eu indiquei no pequeno livro que precede, a refutação da autoridade, a acentuação posta sobre a prioridade do julgamento individual incita particularmente os libertários, como dizia Proudhon em uma carta a Marx  “fazendo profissão de anti-dogmático”. Assim as visões libertárias são as mais diversas, mais fluídas, mais difíceis de serem apreendidas que aquelas dos socialistas ditos autoritários. Existem diferentes correntes no seio do anarquismo: outra é a dos comunistas libertários, àquela à que em ligo, podemos nomear os anarquistas individualistas, os anarquistas societários, os anarco-sindicalistas e as outras numerosas variedades do anarquismo: anarquistas não-violentos, anarquistas pacifistas, anarquistas vegetarianos, etc.
O problema se coloca então em saber qual variedade do anarquismo pode nos oferecer um confronto com o marxismo original, com a finalidade de pesquisar sobre quais pontos as duas principais escolas do pensamento revolucionário poderiam se entender.
Me parece evidente que a variedade do anarquismo que se encontra menos distanciada do marxismo é o anarquismo construtivo, societário, o anarquismo coletivista ou comunista. E é por acaso sobre este ponto que é sobre este, e somente sobre este, em que eu tentei libertar os caminhos no pequeno livro que precede.

4
Se antes recordarmos disto um pouco, não é muito difícil descobrir que, no passado, o anarquismo e o marxismo se influenciavam reciprocamente.
Errico Malatesta, o grande anarquista italiano, escreveu em algum lugar: “Quase toda a literatura anarquista do século XIX estava impregnada de marxismo.”
Diz-se que Bakunin se inclinava com respeito diante das aptidões científicas de Marx, ao ponto de ter começado a traduzir em russo o primeiro volume do Capital. De sua parte, o anarquista italiano, seu amigo Carlo Cafiero, publica um resumo da mesma obra.
Em sentido contrário, os primeiros livros de Proudhon, O que é a propriedade? (1840) e, sobretudo, seu grande livro: Sistema das contradições econômicas ou Filosofia da Miséria (1846), influenciaram profundamente o jovem Marx, mesmo se, pouco depois, o ingrato economista ultrapassará seu mestre e escreverá contra ele a venenosa Misére de la philosophie.
Apesar das querelas, Marx devia muito aos pontos de vista expressos por Bakunin. Sob risco de nos repetir, lembraremos aqui duas:
– A carta redigida por Marx sobre a Comuna de Paris é, por todas as razões indicadas mais a frente, de grande inspiração bakuninista, como Arthur Lehning, editor dos Arquivos Bakunin, sublinhou.
– É graças a Bakunin que Marx, como já foi dito, se vê obrigado a condenar a palavra de ordem do Volkstaat de seus associados social-democratas.

5
O Marxismo e o anarquismo não são somente influenciados um pelo outro. Eles tem uma origem comum. Eles aparecem na mesma família. Enquanto materialistas, não acreditamos que as idéias nasceram pura e simplesmente no cérebro dos seres humanos. Elas não fazem senão refletir os fatos adquiridos pelos movimentos de massas atravé das luta de classes. Os primeiros escritores socialistas, tanto anarquistas quanto marxistas, tiveram sua inspiração conjuntamente, primeiramente na grande Revolução francesa do final do século XVIII, em seguida nos esforços empreendidos franceses a partir de 1840, em vista de se auto-organizar e de lutar contra a exploração capitalista.
Raros são aqueles que sabem que houve em Paris, em 1840, uma greve geral. E, durante os anos seguintes assistiu-se a um afloramento de jornais operários, tais como L’Atelier. Ora era o mesmo ano de 1840 – a coincidência é surpreendente – que Proudhon publica seu “Memória contra a propriedade’ e, quatro anos depois, em 1844, o jovem Marx atesta, em seus célebres Manuscritos inéditos por muito tempo, o relato de sua visita aos operários franceses e a impressão viva que estes trabalhadores manuais lhe causaram. O ano precedente, em 1843, uma mulher excepcional, Flora Tristan, havia pregado aos trabalhadores da União Operária e realizou uma turnê pela França para fazer contatos com os operários das grandes cidades.
Assim como o anarquismo e o marxismo em seu início beberam na mesma fonte proletária. E, sob a pressão da classe trabalhadora recém nascida, eles assumiram a mesma tarefa final, a saber, suplantar o Estado Capitalista, confiar, os meios de produção aos próprios trabalhadores. Tal foi, por sua vez, a base do acordo coletivista concluído entre marxistas e bakuninistas no congresso de 1869 da Primeira Internacional, antes da guerra franco-alemã  de 1870. É de se notar, aliás, que este acordo estava dirigido contra os últimos discípulos, que se tornaram reacionários, de Proudhon (morto em 1865). Um deles seria Tolain, que se agarrou fortemente à propriedade privada dos meios de produção.

6
Mencionei, a cada momento, que os primeiros porta-vozes do movimento operário francês tiraram, em uma certa medida, sua inspiração da grande Revolução francesa. Lembremos este ponto em detalhe.
Havia, de fato, no seio da Revolução francesa, dois tipos muito diferentes de revolução ou, se é preferido, duas variedades contraditórias de poderes, um formado pela ala esquerda da burguesia, outro por um protoproletariado (pequenos artesãos e assalariados).
O primeiro estado autoritário, e até mesmo ditatorial, centralizado e opressivo contra os não privilegiados. O segundo estado democrático, federalista, composto daquilo que será conhecido hoje por conselhos operários, isto é, as 48 sessões da vila de Paris associadas na quadra da Comuna parisiense e as sociedades populares nas vilas de província (7). Não êxito em dizer que este segundo poder era em essência libertário, em alguma medida o precursor da Comuna de Paris de 1871 e dos soviets russos de 1917, ao passo que o primeiro foi batizado, mais somente depois do golpe, durante o século de XIX, jacobino. Aliás, a palavra é imprópria, ambígua e artificial. Ela foi tomada de empréstimo do nome de um clube popular parisiense, a Sociedade dos Jacobinos, originada por sua vez de um convento de ordem monástica no quarteirão no qual estava instalado o clube. No que diz respeito à linha de demarcação da luta de classes entre revolucionários burgueses, de um lado, e desprivilegiados, do outro, passava no interior da Sociedade dos Jacobinos, através dela. Mais concretamente: em suas reuniões, nas quais seus membros prenunciavam uma e outra das duas revoluções que entraram em conflito.
Entretanto, na literatura política posterior, a palavra “jacobino” foi empregada correntemente para designar uma tradição revolucionária burguesa, dirigindo por cima o país e a revolução, por meios autoritários, e a palavra foi utilizada neste sentido tanto pelos anarquistas quanto pelos marxistas. Pos exemplo, Charles Delescluze, o líder da ala direita majoritária do Conselho da Comuna de Paris, se denominava a si mesmo um jacobino, um robespierrista.
Proudhon e Bakunin, em seus escritos, denunciaram o “espírito jacobino”, considerado por eles corretamente como um legado político dos revolucionários burgueses. Pelo contrário, Marx e Engels tiveram certo receio de se ligar a este mito jacobino, prestado aos gloriosos “heróis” da Revolução burguesa, entre os quais Danton (que, de fato, foi um político corrompido e um agente duplo) e Robespierre (que terminou aprendiz de ditador). Os libertários, graças à acuidade de sua visão antiautoritária, não foram logrados pelo jacobinismo. Eles afirmaram muito claramente que a Revolução francesa não foi somente uma guerra civil entre a monarquia absoluta e os revolucionários burgueses, mas que ela foi também, pouco tempo depois, uma guerra civil entre o “jacobinismo” e aquilo que eu chamarei, por uma comodidade da linguagem, o comunalismo. Uma guerra civil que terminou em março de 1794, com a defesa da Comuna de Paris e a decapitação de seus dois magistrados municipais, Chaumette e Hébert, isto é, a reversão do poder de base – tal qual a revolução de outubro na Rússia  terminará com a liquidação dos conselhos de fábricas.
Marx e Engels oscilaram sem cessar entre o jacobinismo e o comunismo. Primeiramente, eles fizeram elogio da “centralização rigorosa oferecida como modelo pela França em 1793”. Mas, bem mais tarde, bem mais tarde mesmo, em 1885, Engels percebeu que eles foram induzidos em erro e que centralização citada abriu caminho à ditadura de Napoleão I. Marx chega a escrever uma vez que os Enragés, os partidários do ex-padre esquerdista Jacques Roux, porta-voz da população trabalhadora dos subúrbios, haviam sido os “representantes principais do movimento revolucionário”. Mais, em oposição, Engels pretendia, em outro lugar, que o proletariado de 1793 “poderia, no máximo, ser dado um auxílio por cima”.
Lênin, mais tarde, se mostrará agora mais jacobino que seus mestres, Marx e Engels. Segundo ele, o jacobinismo seria “um dos pontos culminantes que a classe oprimida na luta pela sua emancipação”. E ele gostava de auto-denominar jacobino, acrescentando posteriormente: “Um jacobino ligado com a classe operária”.
Nossa conclusão sobre este ponto é que os anarquistas só poderiam entrar em acordo com os marxistas se os segundos fossem purgados por bem de toda reminiscência de jacobinismo.

7
Recapitulemos agora os principais pontos de divergência entre o anarquismo e o marxismo:
Primeiramente, se eles estão de acordo sobre a abolição última do estado, os marxistas acreditam necessário, após uma revolução proletária vitoriosa, de criar um novo estado, que eles chamam “estado operário”, para um novo período indefinido de tempo; após o qual eles prometem que um tal estado, denominado às vezes de semi-estado, acabará por desaparecer. Ao contrário, os anarquistas contradizem dizendo que o novo estado seria bem mais onipotente e opressivo que o estado burguês, baseado no fato da propriedade estatal do conjunto da economia e que a sua burocracia sempre maior se negaria a desaparecer.
Em seguida, os anarquistas são um pouco desconfiados quanto às missões assinadas pelos marxistas à minoria comunista da população. Se eles consultassem as sagradas escrituras de Marx e de Engels, eles não teriam mais razão de nutrirem dúvidas quanto ao assunto. Certamente, no Manifesto Comunista, onde se lê que “os comunistas não tem interesses separados daqueles de todo o proletariado” e que “eles representam constantemente o interesse do movimento total”. Suas “concepções teóricas”, juram os autores do Manifesto, “não repousam somente sobre as idéias, mas sobre os princípios inventados ou descobertos por este ou aquele reformador do mundo. Eles não são senão a expressão geral das condições efetivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histórico que acontece sob os nossos olhos”. Sim, certamente, e aqui, os anarquistas se dirão de acordo. Mas a frase que eu citarei é algo um pouco ambíguo ou alarmante : “Teoricamente, eles [Os comunistas] tem sobre o resto da massa proletária a vantagem de compreender as condições, a marcha e os últimos resultados gerais do movimento proletário.”
Esta afirmação decisiva poderia significar que, do fato de uma tal “vantagem”, os comunistas pretendem ter um direito histórico de atribuírem a si mesmos a direção do proletariado. Se fosse assim, os anarquistas não o aprovariam. Eles contestam que possa haver uma vanguarda fora do próprio proletariado e eles crêem que eles devam evitar interpretar o papel, ao lado ou no próprio seio do proletariado, de conselheiros desinteressados, de “catalisadores”, a fim de ajudar os trabalhadores nos seus próprios esforços em vista de se um nível mais elevado de consciência.
Assim, somos trazidos à questão da espontaneidade revolucionária das massas, uma noção especificamente libertária. Nós encontramos, com efeito, habitualmente, “espontânea”, “espontaneidade” sob a caneta de Phoudhon e de Bakunin. Mas, isto que é muito estranho, jamais nos escritos de Marx e de Engels, ao menos na redação de seus originais em alemão. Nas traduções, as palavras em questão aparecem de vez em quando, mas são equivalentes inexatos. Na realidade, Marx e Engels se referem somente à auto-atividade (Selbsttätigkeit) das massas, noção mais específica que espontaneidade. Por que um partido revolucionário não pode admitir, paralelamente à suas atividades prioritárias, uma certa dose de “auto-atividade” das massas, mas a espontaneidade, arrisca comprometer sua pretensão ao papel de dirigente. Rosa Luxemburgo foi a primeira marxista a utilizar, em alemão, a palavra spontan (espontâneo) em seus escritos, antes de tê-lo emprestado dos anarquistas, 
Mas é para sublinhar que Marx jamais sondou em detalhe as vozes para as quais a autogestão poderia funcionar, tanto que Proudhon lhe consagra páginas mais páginas. Este último, que começou sua vida como operário, sabia do que ele falava; ela havia observado com uma atenção profunda as “associações operárias” nascidas durante a revolução de 1848.  A razão da atitude de Marx é provavelmente que ele era inspirado e que ele estaria inspirado por e que ele considerava a questão como “utópica”. Hoje, os anarquistas foram os primeiras a remeter a ordem do dia a auto-getão (8), a qual veio a se tornar de tal maneira uma moda que ela foi depois confiscada, recuperada, alterada, por todos. 

8
Lembremos agora como anarquistas e marxistas, desde seu nascimento político, entraram no conflito uns contra os outros.
A primeira escaramuça foi aberta por Marx-Engels contra Stirner dentro do seu livro travesso: A Ideologia Alemã (9). Ele se apóia sobre um mal entendido recíproco. Stirner não sublinhou claramente que para além da exaltação do Ego, o indivíduo considerado como um “Único”, pressupõe, de fato, uma associação voluntária deste “Único” com um outro, isto é um novo tipo de sociedade formada sobre a livre escolha federativa e o direito de secessão – uma idéia que será retomada mais tarde por Bakunin e, finalmente, mesmo por Lênin quando ele tratará da questão nacional. Por seu lado, Marx e Engels interpretaram de maneira errada as diatribes de Stirner contra o comunismo, que eles acreditavam de inspiração reacionária, enquanto Stirner, na realidade, praguejava contra uma variedade bem particular de comunismo, o “grosseiro” comunismo estatal dos comunistas utópicos de seu tempo, tal como Weitling na Alemanha e Cabet na França, porque Stirner supunha com razão que este tipo de comunismo ameaçava a liberdade individual.
Então, como já havíamos dito, se produziu o assalto furioso de Marx contra Proudhon, em parte pelas mesmas razões, a saber: Proudhon celebrava a pequena propriedade privada na mesma medida onde ele via nela um grau de liberdade pessoal. Mas Marx não sabia que, para as grandes indústrias, em outros termos, para o setor capitalista, Proudhon se fazia muito corretamente a defesa da propriedade coletiva.  Não notava eles em suas anotações, que a “pequena industria é uma coisa tão ridícula quanto a pequena cultura”? Para a grande indústria moderna, ele é claramente coletivista. Aquilo que ele chama de companhias operárias terá, segundo acreditava, um papel considerável, aquele de gerar os grandes instrumentos de trabalho, tais como os trilhos de trem, a grande manufatura, o extrativismo,  metalurgia, naval, etc.
Por outro lado, Proudhon no fim de sua vida, em Capacidade Política das Classes Operárias, optou pela separação total da classe operária da sociedade burguesa, isto é, pela luta de classes. Isto não impedirá que Marx tivesse a má vontade de tratar o proudhonismo de socialismo pequeno-burguês.
Agora chegamos à violenta e pouco luminosa querela entre Marx e Bakunin no seio da Primeira Internacional. Aqui também, em certa medida, um mal entendido. Bakunin atribuía a Marx horríveis intenções autoritárias, uma sede de dominação sobre o movimento operário de onde provavelmente ele exagerava um pouco no tratamento. Mas, o mais gritante era que, de fato, Bakunin se mostrou-se ainda assim, um profeta. Ele teve uma visão bem lúcida de um futuro distante. Ele previa a entrada em cena de uma “burocracia vermelha”, ao mesmo tempo que ele pressentia a tirania que deveriam um dia exercer os dirigentes da Terceira Internacional sobre o movimento operário mundial. Marx contra-ataca caluniando Bakunin da maneira mais vil fazendo votar, no Congresso de Haia, em setembro de 1872, a exclusão dos bakuninistas.
A partir de então estes pontos separam o marxismo e o anarquismo: um evento desastroso para a classe operária, porque cada um dos dois movimentos tinha necessidade de contribuir teórica e praticamente um para o outro.
Entre os anos 1880 uma tentativa de criar uma esquelética Internacional anarquista fracassa. A boa vontade não faltou, mas ela se encontrava quase que completamente isolada do movimento operário. No mesmo momento o marxismo se desenvolve rapidamente na Alemanha como cruzamento com a social-democracia e na França com a fundação do Partido operário de Jules Guesde.
Mais tarde, os diversos partidos social-democratas se uniram para criar a segunda internacional. Em seus sucessivos congressos, como já dissemos em nosso pequeno livro precedente, se produziram vivos afrontamentos com os libertários, que reduziram sua participação em seus assentos. Em Zurique, em 1893, o socialista libertário holandês Domela Nieuwnhuis fixa em termos tão violentos quanto brilhantes o processo da social-democracia alemã e foi acolhida por vaias. Em Londres, em 1896, a própria filha de Marx, Mme. Aveling, e o líder socialista francês Jean Jaurès insultaram e colocaram na rua os poucos anarquistas que puderam penetrar nos recintos do congresso enquanto os delegados dos diversos sindicatos operários. É verdade que o terrorismo anarquista que tomou a França entre 1890 e 1895 não contribuiu para a reputação histérica dos anarquistas, tratados em geral como “bandidos”. Estes reformistas tímidos e legalistas foram incapazes de compreender as motivações revolucionárias dos terroristas, seu recurso à violência enquanto protesto que repercutisse contra uma sociedade horrorizada com o fato.
De 1860 à 1914 a social-democracia alemã e mais ainda a máquina surda dos sindicatos operários alemães rejeitam o anarquismo: mesmo Kautsky, no tempo onde ele se declarava a favor da greve de massas, foi acusado pelos burocratas operários de ser um “anarquista”. Na França, é o contrário que se produziu. O reformismo eleitorialista e parlamentar de Jaurès desagradava aos trabalhadores mais avançados ao ponto que eles tomaram parte na fundação de uma organização sindical revolucionária muito mais militante, a memorável C.G.T. antes de 1914. Seus pioneiros, Fernand Pelloutier, Émile Pouget e Pierre Monatte, vindos do movimento anarquista.
A revolução russa e mais tarde a revolução espanhola acabaram por cavar um fosso entre anarquistas e marxistas, um fosso que não será jamais somente ideológico, mas também e, sobretudo, sangrento.
Para terminar estas considerações sobre o passado das relações entre anarquismo e marxismo, acrescentemos o que segue:
1º Certos marxólogos, com na França Maxilien Rubel, são, dentro de uma certa medida, tendenciosos quando eles fazem passar Mar por “libertário”.
2º Quaisquer anarquistas sectários e de espírito correto, como na França Gaston Leval, são, dentro de uma certa medida, obcecados por uma certa paixão quando eles condenam Marx como se ele fosse o diabo.

9
E agora, o que resta para o tempo presente ?
Sem dúvida alguma, assistimos em nossos dias a um renascimento do socialismo libertário. Tenho dificuldade de lembrar como este renascimento se produziu na França em maio de 1968. Aquele foi o mais espontâneo, o mais imprevisto, a menos preparada das rebeliões. Um vento forte de liberdade soprou sobre nosso país, tão devastador e, ao mesmo tempo, tão criador, que, com efeito, nada deveria ser mais semelhante aquilo que existia anteriormente. A vida mudou ou, se vocês preferirem, nós mudamos a vida.. Mais um tal renascimento em conjunto do movimento revolucionário, especialmente entre os jovens estudantes. Deste fato, não há mais barreiras estanques entre os movimentos libertários e aqueles que reivindicam o “marxismo-leninismo”. Existe mesmo uma certa permeabilidade não sectária entre estes diferentes movimentos. Dos jovens camaradas na França passando pelos grupos “autoritários” à grupos libertários e o inverso se produz igualmente. Grupos inteiros de maoístas demonstram sua influência libertária ou são jogados no contágio libertário. Mesmo os grupúsculos trotskistas evoluíram em algumas de suas perspectivas e abandonaram muitos de seus preconceitos em relação aos escritos e teóricos libertários. Pessoas como Jean-Paul Sartre e seus amigos expressam agora em sua revista mensal as perspectivas anarquistas e um de seus recentes artigos teve por título: “Adeus a Lênin.” Existem sempre alguns grupos marxistas autoritários que são particularmente anti-anarquistas, com encontram-se agora anarquistas que permanecem violentamente anti-marxistas.
Na França a Organização Comunista Libertária (OCL (10)) se encontra localizada na fronteira entre o anarquismo e o marxismo. Eles tem em comum com os anarquistas clássicos sua filiação com a corrente anti-autoritária que remonta à Primeira Internacional. Mas elas também tem em comum com os marxistas o fato de que uns e outros se colocam resolutamente sobre o terreno da luta de classes proletária e do combate em vista de acabar com o poder capitalista burguês. Por um lado, os comunistas libertários se esforçam pro reviver tudo aquilo que foi construído em relação ao anarquismo do passado (seja dito em passagem, esta é a tarefa almejada desde que eu publiquei o livro que precede, O Anarquismo, e a antologia do anarquismo em quatro volumes de bolso, sob o título: Nem Deus nem Patrão (11). Por outro lado, os comunistas libertários não repousam sobre aquilo que da herança de Marx e Engels lhes parece hoje válido e fecundo e, sobretudo, respondendo às necessidades de nosso tempo. 
Assim como a noção de alienação contida nos Manuscritos de 1844 do jovem Marx entra em profundo acordo com as fontes da liberdade individual dos anarquistas. E assim como a afirmação de que a emancipação do proletariado deve ser obra do próprio proletariado e não de substitutos, é uma idéia que também se encontra tanto no Manifesto Comunista quanto em seus comentários posteriores e nas resoluções dos congressos da Primeira Internacional. E assim como a teoria reveladora do capital permanece, ainda hoje, uma das chaves que permitem compreender o funcionamento do mecanismo capitalista. E assim como, enfim, o famoso método da dialética materialista e histórica que permanece um dos fios condutores para uma compreensão dos eventos do passado e do presente. No entanto, uma condição é requerida: não se aplicar um método rigidamente, mecanicamente, ou como uma desculpa para não lutar sob os falsos pretextos que faltam as bases materiais para uma revolução, como os estalinistas pretenderam, por três vezes na França, em 1936, em 1945 e em 1968. Em outra o materialismo histórico não deveria se reduzir a um simples determinismo; a porta deve permanecer bem aberta à vontade individual e à espontaneidade revolucionária das massas.
Como escreveu o historiador libertário A. E. Kaminski, em seu excelente livro sobre Bakunin, uma síntese entre o anarquismo e o marxismo não é somente necessário, mas inevitável. “A história, acrescentou, constrói seus compromissos por si mesma.”
Eu gostaria de acrescentar, e este será minha própria conclusão, que um comunismo libertário, fruto de uma tal síntese, experimenta sem dúvida nenhuma os desejos profundos (mesmo se por acaso ele não seja mais, de fato, consciente) dos trabalhadores avançados, daquilo que chamo hoje em dia da “esquerda operária” mais avançada que o marxismo autoritário degenerado ou o velho anarquismo ultrapassado e fossilizado.



NOTAS

1. Cf. meu livro : Rosa Luxemburg et la spontanéité révolutionnaire, Flammarion collection “Questions d’histoire”, 1971 (Rosa Luxemburgo e a espontaneidade revolucionária, Ed. Brasileira, perspectiva)
2. Cf. Rosa Luxemburg, Lettres à Leon Jogichès, 2. vol., Denoël-Gonthier, 1971.
3. Cf. em meu livro Pour um marxisme libertaire, Robert Laffont, 1969, o capítulo “La Révolution déjacobinisée”.
4. Ibid., o ensaio: “Lènine ou le socialisme par em haut”.
5. Cf. em meu livro “La Revolution française et nous”, Maspero, 1976, o capítulo “Gare aux nouveaus Versaillais!”          
6. É verdade que o escrito sobre a Comuna era, na verdade, um informe dirigido à Primeira Internacional: Marx, ao redigir, levou em consideração as diversas correntes daquela organização operária ou as autoridades estatistas próximas aos libertários estando obrigado a lhes fazer concessões, ainda que não os reconhecesse.
7. Cf. Meu livro La lutte de classes sous la Première Republique, refonte, 2 vol., Gallimard, 1968, e o condensado Bourgeois et brás nus, Gallimard, 1973; e enfin, La Révolution française et nous, já citado.
8. A trama essencial do pequeno livro que o precede, publicado desde 1965, é a a autogestão, de onde a revolução de Maio de 68 acentuou a sua dinâmica.
9. É verdadeiro dizer aquela crítica severa permanece como manuscrito e não será publicado até 1932 (em francês 1937-1947), voltando-se contra Stirner numerosos marxistas de nosso século, tal como Pierre Naville.
10. 33, rue dês Vignoles, 75020 Paris.


11. Ni Dieu ni maître. Petite Collection Maspero, 4 vols.

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Entre milícias e militantes (IV): neointegralistas ou integralismo contemporâneo

Entre milícias e militantes (IV): neointegralistas ou integralismo contemporâneo

Jefferson Rodrigues Barbosa

No presente contexto de denúncia e de atuação de grupos portadores de valores intolerantes, marcados pelo chauvinismo, racismo e pelo discurso contra os imigrantes, o retorno à insanidade configurada no neofascismo e neonazismo possibilita o debate crítico em oposição às concepções que advogam o “fim da história” e o “fim das ideologias”.

As organizações de extrema direita, nesse sentido, firmam presença como parte da cultura política do século XXI, exercendo também atuação nos países latino-americanos como o Brasil. A militância no Brasil de muitas organizações nacionalistas que se autodenominam herdeiras do integralismo é uma realidade que está articulada às manifestações internacionais que compõem o fenômeno internacional dos movimentos e partidos chauvinistas.

Os integralistas, em sua primeira fase, estavam organizados enquanto partido sob a denominação de Ação Integralista Brasileira (AIB), entre 1932 e 1938. Porém, é necessário distinguir o integralismo brasileiro contemporâneo, pois ele não está mais organizado em um único partido político como a antiga AIB.

Hoje existem vários núcleos referenciados na internet e espalhados em vários estados brasileiros, principalmente no sudeste e no sul do país. E as diferentes organizações aglutinam núcleos que tem interpretações particulares sobre a herança ideológica de Plínio Salgado, Miguel Reale e Gustavo Barroso, os principais formuladores da ideologia integralista.

No sentido de reorganização, os herdeiros do Eixo, através de instituições geradoras de cultura como jornais, editoras e livrarias, construíram uma complexa e ainda obscura rede, com o apoio de parlamentares e congressistas conservadores e nacionalistas. Situação exemplificada no aparente proselitismo político caracterizado pela migração de antigos militantes (nazistas, fascistas e, no caso brasileiro, integralistas) para partidos políticos conservadores e democrata-cristãos depois da Segunda Guerra Mundial. Como é o caso do Partido de Representação Popular (PRP), fundado por Plínio Salgado depois de 1945.

O Partido de Representação Popular (PRP) é relacional ao contexto em que antigos fascistas e integralistas sobreviveram dentro de legendas partidárias conservadoras e representou a segunda fase de continuidade do integralismo no processo político brasileiro.

Os integralistas após 1945 não ficaram fora do espaço de disputa pela hegemonia no âmbito do Estado após a derrota dos Regimes do Eixo, atuando através do PRP e representando um componente da dominação burguesa que defendia posições excludentes sob a lógica do consenso. O PRP foi diluído no contexto do Regime Militar, porém, Plínio Salgado e antigos integralistas continuaram os seus préstimos à nova configuração da ordem nacionalista militarizada através do partido político criado para apoiar a ditadura, a Aliança Renovadora Nacional – ARENA [1] (CALIL, 2005).

No Brasil, a partir do final da década de 1970, novas e antigas gerações de integralistas, mesmo não estando mais articuladas em um único partido político, também objetivaram, e ainda objetivam, a mobilização de simpatizantes e militantes, difundindo sua propaganda política.

Os denominados neo-integralistas estão organizados e estão comprometidos com a difusão de sua ideologia através da propaganda política em meios impressos e eletrônicos.

A partir da década de 1980, com M. Tatcher e R. Reagan, período marcado pelo conservadorismo político e a reconfiguração e fortalecimento de instituições internacionais mantenedoras de novos modelos para a defesa da ordem do capital, configurou-se um novo contexto político propício para a articulação de alianças entre diferentes matizes da direita (VIZENTINI, 2000). A conjuntura internacional daquela década, influenciada pela administração conservadora hegemônica, propiciou espaços na sociedade para grupos com solidariedade ideológica no combate às concepções políticas esquerdistas.

No Brasil, sob a influência do contexto de conservadorismo internacional, em 1981, foi fundada a Casa Plínio Salgado por Pedro Baptista de Carvalho, na cidade de São Paulo, com a proposta de formar grupos de estudo e discussões sobre o movimento e organizar um acervo importante das obras do integralismo. Em 1983, o advogado Anésio Lara Campo registra a Ação Nacionalista Brasileira, tornando-se seu primeiro presidente, com intuito de reestruturar o movimento integralista e penetrar na sociedade política em forma de associação civil com o objetivo de se tornar partido político (CARNEIRO, 2007).

Nesse período, adeptos das idéias de Plínio Salgado tentaram recuperar como parâmetro organizacional os princípios da AIB. Porém, com a ausência do “Chefe”, que morreu em dezembro de 1975, ocorrem divergências que seriam potencializadas sem o papel de um líder. Mas alguns camisas-verdes continuaram a sua militância como intelectuais orgânicos em prol da concepção do Estado Integral. E, a rearticulação de um movimento unificado entre os integralistas recebeu forte contribuição de adeptos de São Paulo e Rio de Janeiro. Os últimos exerceram, nesse sentido, um papel fundamental no restabelecimento de articulações entre novos e velhos militantes.

Segundo Carneiro (2007, p.151-153):

Com a entrada dos anos 80 tentou-se a reorganização em formas de associações que pretendiam reviver a antiga prática integralista de doutrinação por encontros e cursos específicos. Dentre estes, o mais importante na reorganização do integralismo foi o Centro Cultural Plínio Salgado, localizado em São Gonçalo, Rio de Janeiro. Seu fundador e mantenedor era o advogado Arcy Lopes Estella […] na juventude um membro da militância integralista na década de 1930. Durante a segunda metade da década de 1990, Arcy manteve viva a idéia de união do movimento, organizando em sua caderneta a rede de contato dos que defendiam a permanência da memória integralista, desde velhos a novíssimos militantes. Alguns grupos nacionalistas, mas não necessariamente seguidores diretos do integralismo também freqüentavam o Centro Cultural Plínio Salgado. Alguns deles pertencem ao movimento “Carecas do Rio”. Atualmente, este grupo mantém estreita ligação com o movimento considerando-se parte dele, mas com certa independência em relação aos três grupos mais expressivos, a Frente Integralista Brasileira (FIB), o Movimento Integralista Linearista do Brasil (MIL-B) e a Ação Integralista Revolucionária (AIR). […] O apadrinhamento da velha militância daria aos “novos” a necessária ligação física com o pensamento de Salgado. Os debates principais, juntamente se davam e ainda se dão sobre o modo de reorganização do movimento. Alguns apóiam a reorganização como Partido, outros defendem que a essência integralista é antipartidária, pois a existência de partido faz parte da essência da democracia liberal que abominam. Assim sendo, o novo integralismo, atualmente, é composto de diversas correntes multiplicadas de norte a sul do país, principalmente sudeste e sul, que buscam legitimar a auto-referência de verdadeiro herdeiro do integralismo.

A unidade ideológica dos militantes foi um pressuposto central durante o período legal de existência da AIB enquanto partido político e a organização partidária dos integralistas foi uma bandeira levantada pelos núcleos da AIB espalhados pelo Brasil na década de 1930. Mesmo depois de 1945, no PRP, os integralistas concorreram a eleições elegendo muitos candidatos, momento que Plínio Salgado foi candidato à presidência da República na década de 1950, obtendo o terceiro lugar. Com o golpe militar de 1964, Salgado foi também eleito deputado federal por três vezes na ARENA.

Os integralistas contemporâneos, entretanto, estão divididos atualmente em relação ao retorno de uma legenda partidária independente. Porém, as atividades dos integralistas a partir da década de 1980 se intensificaram gradualmente numa rede de solidariedade ideológica entre os Intelectuais do Sigma.

Em consonância com a conjuntura internacional de reestruturação de muitos movimentos e partidos políticos chauvinistas, no Brasil os integralistas e outros herdeiros do Eixo continuaram sua militância, que pode ser evidenciada na realização dos três Congressos Nacionais [2], que ocorreram no Estado de São Paulo em 2004 [3] e 2006 [4] e, o último, na cidade do Rio de Janeiro, em janeiro de 2009, onde foi lançado um novo documento de diretrizes integralistas, intitulado Manifesto da Guanabara [5].

A Frente Integralista Brasileira (FIB), entre os novos grupos de integralistas, defende a manutenção da ideologia do Sigma [símbolo do Integralismo], formulada originalmente na década de 1930. Porém, outras organizações de militantes enfatizam a necessidade de revisão das concepções integralistas diante das novas conjunturas contemporâneas, como o Movimento Integralista Linearista (MIL-B) e a Ação Integralista Revolucionária (AIR).

A FIB é hoje a organização mais representativa dos integralistas, e foi criada em 2004, resultante do “I Congresso de 2004”. Está organizada, segundo dados de seu site [6], em 19 núcleos espalhados em oito Estados, localizados principalmente na região sudeste, na cidade de São Paulo, através da Casa Plínio Salgado e do Núcleo Integralista de Guarulhos.

No Rio de Janeiro existem, segundo dados do site [7], nove núcleos integralistas que fazem parte da FIB; entre eles o Centro Cultural Plínio Salgado, em São Gonçalo, o Centro de Estudos e Debates Integralistas (CEDI), na capital, e o Núcleo Integralista, de Niterói.

A FIB aglutina também organizações em importantes cidades com núcleos no Rio Grande do Sul, Paraná [8], Pernambuco e Bahia. Somente as regiões centro-oeste e norte estão ausentes de representação em núcleos divulgados no site da FIB.

As Brigadas Integralistas são uma das mais recentes organizações do integralismo contemporâneo, segundo dados do seu site [9]. Elas se colocam como um segmento de mobilização e ação da FIB. O lançamento de suas atividades ocorreu a 25 de agosto de 2008 (dia do Soldado no Brasil) e surgiu do trabalho elaborado por ex-membros da diretoria da FIB, preocupados com a forma de ação da instituição, para que deixasse de ter apenas uma formação doutrinária. As Brigadas Integralistas atuam especialmente na cidade de São Paulo, mas já com ramificações, segundo dados da internet, sendo estabelecidos pontos de representação em Manaus, São Paulo e Rio de Janeiro. Dentre as atividades destacadas, manifestações públicas, divulgadas em vídeos [10] na rede YouTube e panfletagens semanais, organizadas por suas unidades autônomas, buscam colocar em evidência o grupo, que tem por objetivo primeiro a difusão da ideologia integralista, buscando cooptar novos militantes.

A FIB, que aglutina as Brigadas Integralistas, nos seus quadros de liderança possui entre seus membros antigos “Águias Brancas”, militantes da organização juvenil Centros Culturais da Juventude (CCP), criados como órgãos de mobilização e formação política de jovens do PRP por Plínio Salgado, aglutinados pelo discurso do catolicismo social do mestre que, após seu retorno do exílio em Portugal, reestruturou segmentos de novos militantes nacionalistas e da antiga militância integralista.

Porém os antigos “Águias Brancas”, que hoje formam a FIB, se posicionam contra o restabelecimento do integralismo como partido político.

Existem também núcleos independentes, como o Núcleo Integralista de São Luís, no Maranhão, e o núcleo localizado na cidade Campinas, em São Paulo, denominado de Movimento Integralista Linearista Brasileiro.

O MIL-B foi fundado em 2004, pelo policial federal Cássio Guilherme Reis Silveira, que antes participava de reuniões na Casa Plínio Salgado, em São Paulo. Porém, devido a sua defesa pela reinterpretação da ideologia integralista, denominada de Linearismo, ocorreram atritos, que levaram Cássio, em 2006, a tornar o núcleo de Campinas independente da FIB, privilegiando a reinterpretação das concepções ideológicas de Gustavo Barroso, Plínio Salgado e Miguel Reale, os principais intelectuais do Sigma.

Os integralistas linearistas destacam-se entre os novos grupos, assim como os militantes da AIR, pois têm como proposta a releitura e atualização da ideologia integralista oficial da década de 30, diante dos problemas da atualidade. Nesse sentido, estas duas organizações integralistas contemporâneas são renegadas pelos integralistas tradicionalistas que buscam preservar as formulações ideológicas impostas pela liderança da AIB no período de sua fundação, nas primeiras décadas do século XX.

A Ação integralista Revolucionária (AIR) é o terceiro grupo contemporâneo mais expressivo, sob a liderança de Jenyberto Pizzotti, com sede na cidade de Rio Claro, em SP, criada em 25 de dezembro de 2004. Seu diferencial entre os neo-integralistas insere-se na crítica à organização partidária. Para o grupo em questão, a organização deve estar centrada no integralismo enquanto movimento, construído a partir de células, utilizando-se em grande medida da comunicação virtual, sob a coordenação de uma presidência, atualmente exercida por Jenyberto. Como os militantes da AIR não possuem núcleos, a sua forma de organização está intrinsecamente relacionada às estratégias não presenciais como a internet, privilegiando o ciberespaço como forma de interação política, onde ferramentas como o site de relações Orkut e outras possibilidades da rede são utilizados de forma a diferenciar a AIR dos demais grupos.

Os fenômenos políticos das manifestações contemporâneas de extrema direita representam reconfigurações ideológicas que precisam ser analisadas através de fontes de pesquisa diversas para a análise dos elementos comuns e das diferenciações de seus pressupostos e modelos organizativos. Neste mosaico, entre os novos militantes herdeiros do integralismo, existem os skinheads integralistas, que também marcam caracteres atípicos em relação às formas de organização e valores ideológicos dos grupos chauvinistas tradicionais.

Os extremistas de direita na atualidade buscam, através de diferentes modelos de organização, reconstruir possibilidades de atuação na sociedade e buscam legitimar a irracionalidade de seus discursos marcados pelo nacionalismo, xenofobia e homofobia.

A relação de militância entre os herdeiros do Eixo no Brasil, como em muitos países, é potencializada pela utilização das novas tecnologias de comunicação. Nessa bricolagem chauvinista, esses grupos se estruturam atuando através dos novos meios de comunicação para a difusão de suas ideologias.

Imprensa, partido político e a internet

A análise dos sites e jornais dos grupos integralistas contemporâneos possibilita a análise das perspectivas ideológicas dos grupos em questão através da utilização de fontes oriundas do material de propaganda política e formação de militância disponíveis nas publicações impressas e eletrônicas dos três grupos integralistas de maior expressão.

As aproximações e divergências na interpretação dos novos integralistas em relação às concepções dos teóricos e líderes da AIB da década de 30, segundo interpretação das fontes selecionadas, comprometem as possibilidades de unificação partidária devido às concepções ideológicas dos três grupos integralistas. Estes se distanciam em pontos fundamentais para reestruturação centralizada da militância, como a reestruturação legal do partido e as adequações “doutrinárias” da nova “interpretação integralista” na conjuntura nacional e internacional do início do século XXI.

Os skinheads integralistas apresentam outra dimensão do fenômeno político em debate, pois em sua maioria estão organizados na facção “Carecas do ABC”, sob o mesmo lema integralista da década de 1930 – Deus, Pátria e Família -, mesmo participando de atividades e encontros patrocinados pelos núcleos, são autônomos em relação à velha guarda de camisas-verdes agremiados nas organizações integralistas (CARNEIRO, 2007).

Os grupos integralistas contemporâneos se dividem em relação às suas posições diante de temas como o projeto político de Estado e de questões como o anti-semitismo e a solidariedade com outras tendências como neonazistas e fascistas. As valorizações de elementos como o espiritualismo cristão da denominada “Revolução Interior” de Plínio Salgado, as concepções normativas ao ordenamento jurídico do Estado integral corporativista de Miguel Reale e o anti-semitismo de Gustavo Barroso, são interpretados de modos diferentes nas releituras da ideologia integralista dos três grupos integralistas contemporâneos em estudo.

As divergências entre os grupos neo-integralistas são fatores que influenciam as táticas de estratégias políticas e estimulam visões antagônicas em pontos centrais, como a reunificação do integralismo enquanto partido para a reestruturação centralizada dos militantes. Porém, as facções integralistas, mesmo não centralizadas, desenvolvem nos últimos anos estratégias de reorganização e projeção nos meios de comunicação, em consonância com as estratégias de propaganda e organização de outros segmentos como neonazistas e neofascistas, no sentido de apresentarem propostas e ideais de cunho nacionalista e as concepções de defesa das virtudes morais como fundamento de defesa de um Estado Forte.

A difusão e socialização ideológica do jornal político proporcionam um caráter diretivo e organizativo para movimentos políticos não organizados em partidos tradicionais, segundo o pensador italiano Antonio Gramsci.

Gramsci aponta que, no contexto de ausência de partidos organizados, os jornais são capazes de desempenhar as funções de informação e de direção política geral para intelectuais de tendências políticas diversas.

No estudo dos jornais como capazes de desempenhar a função de partido político, é preciso levar em conta os indivíduos singulares e sua atividade. […] Jornais italianos muito mais bem feitos que os dos franceses: eles cumprem duas funções – a de informação e de direção política geral, e a função de cultura política, literária, artística, científica, que não tem um órgão próprio difundido. […] Na Itália, pela falta de partidos organizados e centralizados, não se pode prescindir dos jornais: são os jornais agrupados em série, que constituem os verdadeiros partidos (GRAMSCI, 2000, vol. 2, p. 218-221).

Nas disputas políticas do século XXI, as potencialidades da tecnologia instrumentalizadas para a propaganda política, marcam as organizações e partidos extremistas (DIAS, 2007). Através da socialização ideológica no ciberespaço, variados segmentos da extrema direita encontram um novo território para organização, ação e propaganda. Nesse sentido é ilustrativo o número de sites de grupos da extrema direita estadunidense [11].

As primeiras experiências da propaganda política via internet no Brasil ocorreram na década de 1990, destacando-se a atuação da “Editora Revisão” no Rio Grande do Sul, famosa pelo comércio de livros e divulgação de textos anti-semitas e revisionistas. Sendo proibida pela justiça, atualmente está hospedada em provedor de país latino-americano vizinho (JESUS, 2006).

As utilizações de fóruns de discussão têm propiciado a articulação de simpatizantes e membros de grupos de tendências diversas de extremismo político de direita. Fazendo uso também de comunidades virtuais no orkut, criando blogs, e nas listas de discussão os integralistas acompanham a extrema direita internacional na questão da utilização das novas possibilidades de propaganda política.

A FIB destaca-se realizando de forma programada reuniões entre seus ativistas através de Chats exclusivos do site oficial, ou “sede virtual”, disponibilizando grande quantidade de artigos para a formação de seus militantes. O Núcleo Integralista do Rio de Janeiro, na questão da comunicação também inova ao utilizar serviços de mensagens para celulares através de “torpedos” para seus membros, também se destacando pelos inúmeros artigos discutindo a conjuntura brasileira e internacional sob a ótica de suas “perspectivas nacionalistas para o século XXI”.

O trabalho que vem sendo desenvolvido pelos Núcleos Integralistas do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, está cada vez mais articulado a utilização do ciberespaço.

Está em fase de finalização um museu virtual do integralismo [12], organizado por uma nova organização integralista, o Centro Cultural Arcy Lopes Estrella [13], que está digitalizando, em parceria com a FIB-RJ/NIERJ, uma grande quantidade de documentos.

O projeto teve início em 2007 e já digitalizou documentos de vários grupos integralistas que atuaram entre 1945 e 1985, como o Partido de Representação Popular e os Centros Culturais da Juventude. O material digitalizado está sendo doado pela Academia Brasileira de Letras aos Núcleos Integralistas do Estado do Rio de Janeiro. O Presidente da FIB-RJ|NIERJ, Robson Peixoto, segundo dados do site da organização [14], agradeceu a doação à Academia Brasileira de Letras e informou que o novo conteúdo do acervo estará à disposição de todos os pesquisadores interessados em estudar o Integralismo.

O Instituto Plínio Salgado é outra organização recentemente fundada pelos integralistas contemporâneos, fundado no dia 5 de junho de 2009, segundo informações do site do NIERJ [15], é parte de um programa da Secretaria de Expansão e Organização da Diretoria Administrativa da FIB, visando divulgar a história contemporânea do movimento.

O site do Instituto Plínio Salgado está oferecendo cursos de formação através do modelo EaD (Educação a Distância) [16]. Elemento interessante para a reflexão das inovações da militância dos grupos de extrema direita no Brasil.

O site afirma que os seus objetivos são “a qualificação e o aperfeiçoamento intelectual dos membros da Frente Integralista Brasileira, para que eles possam, fundamentadamente, conquistar a superioridade do conhecimento em seu meio, progressivamente, até a conquista efetiva dos corações do Brasil por meio de nossas idéias”. O curso de formação e capacitação dos militantes integralistas através do modelo EaD está sendo organizado pela denominada “Secretaria de Expansão e Organização” e pela “Secretaria Nacional de Doutrina”. Segundo dados do site: “Os primeiros cursos, Doutrina I e Liderança I, são voltados exclusivamente ao movimento e têm previsão de início na terceira semana de julho”.

O site MIL-B também utiliza em grande medida a internet para suas atividades e conta com um freqüentado Fórum de Discussão, além de muitos artigos discutindo a necessidade de revisão de elementos da ideologia integralista diante da interpretação “Linerista” [17].

A Ação Integralista Revolucionária (AIR) destaca-se entre os novos grupos pela utilização de comunidades virtuais através do Orkut, divulgando um modelo descentralizado para o integralismo entendido enquanto movimento político, onde seus adeptos organizam discussões e atividades [18].

Para Ianni (2000), no mundo contemporâneo o papel que cabia ao partido, de organizador da vontade coletiva, em parte se esgotou e se restringiu; como outra dimensão social, a mídia é potencializada como ferramenta de socialização ideológica, suplantando a esfera de ação dos tradicionais partidos políticos.

As novas potencialidades dos meios de comunicação proporcionam no território em rede novas possibilidades de estratégias de guerra de posição.

O ciberespaço é, basicamente, um meio que fornece a comunicação não-presencial. Ganhando espaço no “território em rede”, como vantagem diante das distâncias físicas, os membros de comunidades virtuais, associações, movimentos e partidos, ao redimensionar suas propagandas, levando em conta a grande potencialidade do mundo virtual, abrem margem à interação entre membros de movimentos e partidos políticos.

Os militantes dos movimentos e partidos de extrema direita são nesta investigação compreendidos como intelectuais organizadores da cultura política de extrema direita [19] e, mesmo não estando mais articulados em partido de massa, exercem novas possibilidades organizativas e diretivas através da propaganda política impressa, como jornais e informativos [20] e através da internet [21].

A questão da atuação de movimentos e partidos políticos denominados de organizações de extrema direita reacende em pesquisas e publicações contemporâneas das ciências sociais o debate sobre o conceito e extremismo político de direita como critério interpretativo.

O contexto do século XXI marca um novo cenário que está redimensionando a política, realizada agora também em redes eletrônicas digitais. E a internet como mais um meio de comunicação, para a troca de informação e de propaganda política, possibilita a interpretação da atuação de sites oficiais dos partidos como sedes virtuais.

Em contraposição as tradicionais definições das organizações de caráter fascista como fenômenos políticos restritos ao período entre-guerras, marcados pela centralização organizacional através do partido único de massa, com base social na pequena burguesia e de uma liderança central.

As novas manifestações de movimentos e partidos políticos de extrema direita rearticulam novas possibilidades para sua militância e propaganda ideológica, sendo um fenômeno político que precisa ser analisado e coibido, sobretudo, pelo caráter violento da ação destes grupos, articulados em redes de solidariedade de amplitude internacional (FLORENTIN, 1994; HOCKENOS, 1995; JIMENEZ, 1997).

Nessa nova dimensão da política propiciada por novas formas de propaganda política, os grupos latino-americanos de extrema direita, como as atuais facções integralistas no Brasil, utilizando como os congêneres europeus e estadunidenses aproximadas estratégias de formação de militância e de propaganda política, mesmo divididos, firmam presença.

Os herdeiros do Eixo suplantam as distâncias físicas e mobilizam grupos congêneres na reconstrução de possibilidades para sua militância.

Notas

[1] A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) foi um partido político brasileiro fundado em 4 de abril de 1966 com a intenção de apoiar a Ditadura Militar instituída a partir do Ato Institucional I (AI-1), tendo uma orientação predominantemente conservadora. Sua criação foi a partir da instauração do bipartidarismo pelo AI-2 de outubro de 1965 que determinou a extinção do pluripartidarismo. Em 1980, o pluripartidarismo foi legalizado novamente, e a ARENA foi rebatizada de Partido Democrático Social (PDS). Mais tarde, o PDS se tornou o Partido Progressista Renovador (PPR), depois o Partido Progressista Brasileiro (PPB) e hoje se chama Partido Progressista (PP).
[2] Os encontros dos militantes integralistas proporcionaram também uma mobilização de grupos antifascistas como destacou o site Centro Mídia Independente (CMI). Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/12/296776.shtml. Data de acesso: 01 de julho de 2009.
[3] Segundo o relato de Carneiro, em sua observação participante enquanto pesquisadora no referido Congresso: […] em dezembro de 2004 reuniram-se os grupos dispersos que tentavam dar uma unidade ao integralismo. O 1º Congresso Integralista para o Século XXI reuniu-se na sede da UND (União Nacionalista Democrática) na capital paulista para nova tentativa de reorganizar a AIB. Esta pequena assembléia que reuniu representantes de Centros de Estudos e Debates Integralistas (CEDIs), núcleos diversos de simpatizantes que haviam se organizado em seus locais de origem com propostas debatidas internamente com o objetivo e expô-las e discuti-las no encontro, decidiu pela fundação do MIB (Movimento Integralista Brasileiro) e do Conselho Nacional Integralista formado por 40 membros que assumiram a missão de “resgatar o integralismo em todo o Brasil”. Deste encontro também participaram representantes do PRONA, da União Católica Democrática, do MV-Brasil (Movimento pela Valorização da Cultura, do Idioma, e das Riquezas do Brasil), alguns militares da ADESG (Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra) e UND. O que então pude constatar é que esta pequena parcela da direita brasileira, carregada de posições ultranacionalistas procura através da organização conjunta, consolidar um discurso que não pretende levar em conta o debate democrático, preferindo fazer valer seus pontos de vista a partir de posições intolerantes e violentas (CARNEIRO, 2007, p. 153-154).
[4] Veja as fotos dos dois últimos Congressos Integralistas: Disponível em: http://www.integralismonosul.net/multimidia/fotos/atuais/. Data de acesso: 2 de julho de 2009.
[5] Disponível em: http://www.integralismorio.org/offensiva/arquivos/2009/260109.htm. Data de Acesso: 1 de julho de 2009.
[6] Disponível em: http://www.integralismo.org.br/novo/. Data de Acesso: 1 de julho de 2009.
[7] Veja onde estão localizados os integralistas do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.integralismorio.org/institucional/ondeestamos/index.html. Data de acesso: 2 de julho de 2009.
[8] Disponível em: http://www.integralismonosul.net/ e http://www.anauefoz.hpg.com.br/. Data de acesso: 2 de julho de 2009.
[9] Disponível em: http://www.integralismo.org/. Data de acesso: 2 de julho de 2009.
[10] Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ZYVUW6KZKPk. Data de acesso: 3 de julho de 2009.
[11] No site da “National Alliance”, neo-nazistas podem acessar uma estação de rádio ao vivo através do programa de áudio Real Player para ouvir palestras, assim como, revistas on-line de temas nazistas. Programações musicais de gêneros populares entre Skinheads e White Powers como as bandas de Oi são utilizadas para agremiar simpatizantes ideológicos e atrair novos adeptos, através da programação musical. Este tipo de suporte informacional é destaque no site “Condemned 84”. A discussão entre historiadores e intelectuais revisionistas pode ser acessada no site “Fourteen Words Press”. Os E-books também são utilizados, principalmente pela “Word churchll of the Creator”, uma organização denominada “igreja” que prega o anti-semitismo e a supremacia branca, no site oficial estão disponíveis livros anti-semitas on-line. BARENBEIN, Daniel B. Varsóvia on-line. Do nacional socialismo de Goebbels ao neonazismo na internet. http://www.varsovia.jor.br/index.htm. Data de acesso: 4 de julho de 2007.
[12] Disponível em: http://www.integralismorio.org/offensiva/arquivos/2008/181108.htm. Data de acesso: 2 de julho de 2009.
[13] Disponível em: http://www.arcycultura.org.br/. Data de acesso: 2 de julho de 2009.
[14] Disponível em: http://www.integralismorio.org/offensiva/arquivos/2009/210209.html. Data de acesso: 2 de julho de 2009.
[15] Disponível em: http://www.integralismorio.org/offensiva/arquivos/2009/020709.html. Data de acesso: 2 de julho de 2009.
[16] Disponível em: http://integralismo.org.br/ead/. Data de acesso: 2 de julho de 2009.
[17] Disponível em: http://www.doutrina.linear.nom.br. Data de acesso: 2 de julho de 2009.
[18] Disponível em: http://www.integralismorio.org/ e http://br.geocities.com/airevolucionaria/. Data de acesso: 2 de julho de 2009.
[19] Intelectuais, organização e direção política aparecem em íntima relação no Caderno 12: “Que todos os membros de um partido político devam ser considerados como intelectuais é uma afirmação que pode se prestar à ironia e à caricatura; contudo, se refletirmos bem, nada é mais exato. Será preciso fazer uma distinção de graus: um partido poderá ter uma maior ou menor composição do grau mais alto ou mais baixo, mas não é isto que importa: importa a função, que é diretiva e organizativa, isto é, educativa, isto é, intelectual” (GRAMSCI, 2000, vol. 2, p. 25).
[20] Os principais informativos impressos mapeados e utilizados como fontes documentais são os jornais: Alerta (do Centro Cultural Plínio Salgado (RJ), publicado de 1995 até 2002), o Idade Nova (RJ) (que circulou no final da década de 1990), O Informativo CEDI (RJ) (que começou a circular em 1999). A partir do início do ano 2000, o jornal Avante de Niterói (RJ), Quarta Humanidade e o Ofensiva, ambos do Paraná, e o informativo distribuído pela Casa Plínio Salgado. Estas, aqui relacionadas são as publicações da associação de núcleos integralistas que formam a Frente Integralista Brasileira (FIB). O MIL-B, além do site e listas de discussão na rede, tem como veículo de propaganda impresso o jornal O Integralista Linear, que começou a circular em 2006. Este último agrupamento integralista, possuindo núcleo somente em Campinas, edita uma única publicação central.
[21] Os principais sites dos grupos integralistas em analise são: http://www.integralismo.org.br/novo/; http://www.integralismonosul.net/; http://www.anauefoz.hpg.ig.com.br/; http://www.integralismorio.org/; http://br.geocities.com/airevolucionaria/; http://www.doutrina.linear.nom.br/.

Referências

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SÃO PAULO LIVRE DOS ATIVISTAS ?

SÃO PAULO LIVRE DOS ATIVISTAS ?
Douglas Anfra
 

«São poucos, porém são… Abrem sulcos escuros
no rosto mais fero e no lombo mais forte.
Serão talvez os potros de bárbaros átilas;
ou os arautos negros que nos manda a Morte.
[…]
Há golpes tão fortes na vida … Eu não sei!
»
César Vallejo
(poeta que dá nome à rua onde ocorreram os principais incidentes do despejo da favela Real Parque)

 
O
Estadão chama a Paulista livre dos grevistas: advertência a todos
os movimentos sociais

O
Estadão [designação corrente do jornal O Estado de S. Paulo] já
pedia a “Paulista livre dos grevistas” no ano passado, pois, se o
PSDB [Partido da Social-Democracia Brasileira, do antigo presidente
Fernando Henrique Cardoso, cujo símbolo é o tucano] é deles e São
Paulo é do PSDB, nada mais justo que a Avenida Paulista ser
considerada dos tucanos do PIG (batizado pelo jornalista Paulo
Henrique Amorim de Partido da Imprensa Golpista), e que possa ser um
dia rebatizada de Avenida da Imprensa Golpista que, somada à Avenida
Roberto Marinho, poderia ser uma segunda homenagem aos apoiadores da
ditadura capitalista monopolista. (Veja aqui.)


E agora,
finalmente, regozijam-se em seu editorial com uma punição que
chamam de exemplar sofrida pela APEOESP [Sindicato dos Professores do
Ensino Oficial do Estado de São Paulo] por causa de um ato com 10
mil pessoas em 5 de outubro de 2005. A multa inicialmente era de 156
mil, mas quando o sindicato recorreu, a multa subiu e desceu entre os
juízes estabilizando em 1,6 milhão. Neste mesmo texto exemplar
notamos o apelo do Estadão que reflete de todo o PIG:

“a
decisão da 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP deve servir de
advertência a todos os movimentos sociais, organizações
não-governamentais e entidades corporativas que insistem em bloquear
ruas e avenidas importantes da cidade para realizar passeatas e atos
de protesto, dificultando o tráfego e prejudicando a circulação
dos paulistanos.” (Veja aqui.)


Podemos
notar algo de mais profundo quando olhamos o conjunto desta
manifestação de asco pelos que se insurgem em prol do direito da
normalidade dos negócios da cidade. Prerrogativa dos que chamam a
ordem pública para a anulação de direitos dos que se manifestam,
onde sua ordem reflete não apenas o trânsito dos carros e a avidez
por lucro segundo um tipo de espírito capitalista desumano, que
defende o direito de ir e vir apenas do cidadão de automóvel. Neste
sentido parece estar pressuposto um conjunto de modificações
políticas que inviabilizem as diversas formas de associação, lazer
público e protesto.


Sindicatos

Tal
modo de tentar quebrar um sindicato não é novidade, iniciou-se com
Fernando Henrique Cardoso, que utilizou intervenção do exército
nas refinarias no começo dos anos 90 para pôr fim à greve dos
petroleiros. Enquanto fazia isto, iniciava o processo de privatização
das refinarias, que posteriormente gerou a base financeira dos
investidores brasileiros da bolsa que brincavam de banco imobiliário
(como o PIG), enquanto entubavam o povo boliviano com o gasoduto e
quebravam o monopólio estatal do petróleo que constava da
constituição de 1988.

No final
da greve, junto com o então ministro do TST, Almir Pazzianoto,
aplicaram uma multa que destruiu a capacidade de mobilização de uma
das maiores federações de sindicatos brasileiras. Golpe de mestre
de um antigo estudioso de sociologia que estudou também os
trabalhadores junto com Florestan:

“Foi o
TST que declarou a greve ilegal — e que puniu os 21 sindicatos com
uma multa de R$ 100 mil por cada dia dos 21 em que a decisão foi
desrespeitada. Houve quem achasse que iria acabar em pizza — mas o
fato é que a decisão está sendo cumprida à risca. Cada Sindipetro
está devendo R$ 2,1 milhões — e a cobrança judicial, além de
determinar o bloqueio das contribuições sindicais (R$ 80 mil
mensais no caso de Cubatão) e das contas bancárias, ainda
determinou a penhora de todos os bens. Os petroleiros lutaram, e
continuam lutando, para livrar-se do pagamento da dívida — uma
decisão que consideram política e que não reconhecem. No plano
estritamente financeiro, para driblar o confisco, reduziram as
contribuições sindicais descontadas em folha pela Petrobrás a
simbólicos R$ 0,1. Passaram, então, a recolher os 3% de praxe no
boca a boca nas portas das refinarias — e daí o “mendigando”
de Averaldo. Não recolhem os R$ 80 mil, ouvem alguns desaforos, mas
têm conseguido arrecadar entre R$ 50 mil e R$ 60 mil, o que permite
pagar a folha dos 47 funcionários e dos 14 demitidos em conseqüência
da greve.

No plano
político, os petroleiros tentaram uma anistia via Congresso.
Conseguiram a unanimidade da Câmara e a quase unanimidade no Senado
— mas amargaram o veto implacável do presidente Fernando Henrique
Cardoso. Têm como último recurso a derrubada desse veto via
Congresso e o julgamento de um recurso extraordinário que impetraram
junto ao Supremo Tribunal Federal. “É tudo que nos resta”, diz
Averaldo, consciente de que os bens penhorados, incluindo a bela sede
avaliada em quase R$ 2 milhões, podem realmente ir à praça, para
serem vendidos em leilão.” (Veja aqui.)

Este
caminho parece estar sendo seguido por seu amigo Serra, que foi
presidente da UNE [União Nacional de Estudantes]. Tudo bem, sabemos
que a UNE é o que é. Sabemos que uma das primeiras medidas do Serra
quando presidente dela foi acabar com o alojamento para militantes em
encontros na sede da UNE do Rio (esquerda mesmo, ele nunca foi, nem
quando era da Ação Popular). Mas ele sabe o que é Movimento
Estudantil, foi cassado e fugiu para o Chile, viu a destruição da
Frente Popular que o hospedou e fugiu outra vez para a França, e
hoje ajuda a desmobilizar estudantes e a classe trabalhadora. Após
aprender a lição de Pinochet, seu ataque agora é contra a APEOESP
[Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo]
e o sindicato dos Trabalhadores da USP [Universidade de São Paulo]
com pesadas multas e perseguição política.

Um grande
sindicato como a APEOESP, mesmo recuadinho na direção, ainda tem
capacidade de mobilização e militantes de base tão bons e
imaginativos como o prof. Tonhão, demitido e abandonado pela
entidade, mas que deixou seu exemplo e um grande número de
associados, por isso, este sindicato ainda apresenta uma
possibilidade de movimento que deve ser reprimida.

Junto com
esta carga violenta vem o “interdito proibitório”, recurso
jurídico do direito civil utilíssimo aos patrões exploradores,
afinal, que coisa pode ser melhor que um mandato de reintegração de
posse preventivo, isto é, sem que se tenha tomado posse ou existido
qualquer indício material de ameaça? Este recurso serve para
combater o sindicato antes de qualquer ação que ele faça, pois
presume graciosamente que este possa vir a agir de modo radical, a
ocupar, a mudar o sentido do uso político de um bem determinado
privado ou público, comparando qualquer serviço ao serviço privado
bancário.

Esta
jurisprudência, que só muito forçosamente pode ser aplicada a
outros contextos, é outra das grandes ameaças aos sindicatos de
hoje, que faz os escritores do editorial dos jornais e seus amigos
dormirem cada vez mais felizes e tranqüilos, pois os protege
inclusive contra seus próprios funcionários ao pressupor que estes
possam vir a agir algum dia. A ordem está garantida aos patrões e
as únicas greves serão de pijama. Mas, do modo como a coisa anda,
tais questões não poderão ser discutidas nos bares ou mesmo em
casa de pijamas.

Repressão das associações, da juventude e do lazer

"O jovem é o mais velho exemplar da humanidade. Pesa-lhe a herança dos conhecimentos acumulados; pesa-lhe o desafio do que não foi conquistado; a inadequação entre o idealismo e o egoísmo prático."
Paulo Mendes Campos

Como
vimos, para os sindicatos: multas, quebras, perseguição e interdito
proibitório, enquanto para os jovens que podem se indispor com o
controle e se insurgir: toques de recolher e até proibição do
lazer, pois nada aberto sobrará, pois bares fecham pela lei do Psiu.
Só aos boys, Patis e Mauricinhos sobrará a liberdade de lazer, ao
entrar em eventos bem pagos e no Rio de Janeiro, como exemplo, até
mesmo o baile funk no morro é proibido.

Hoje os
espaços sociais de produção do prazer ou lazer são restritos a
áreas privadas que detém um progressivo monopólio privado do
lazer. O lazer passa a ser proibido em áreas públicas. Todos
deverão ficar em silêncio ou ir para a igreja.

Quebra-se
até mesmo o tênue equilíbrio da periferia, onde muitas pessoas
desde a juventude à velhice vagam tendo de ir atrás de “corres”
e “fitas” sem emprego e sem transporte, orbitando entre o boteco,
a igreja, o campinho de futebol e o baile. Quando não a “boca”,
ou “biqueira”, serve de mediação de conflitos (onde ocorre o
“debate”) e de possibilidade de um bico para arranjar um
“trocadinho” para consumir o que a TV diz que é bom. E por que
não, talvez um carrinho que dê a chance de dar um role por ali
mesmo, onde muitas vezes falta o “buzão” [autocarro]?

Nesta
mudança das formas de convívio, apesar de ter restado à escola ser
o palco das primeiras atividades de socialização (ou talvez das
únicas dentro da lei), a escola cada vez mais deixa de se parecer
com o cárcere para se tornar efetivamente um, graças aos convênios
entre a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria da Educação
,
pois se deu certo na USP manter a Polícia Militar, por que não
abrir espaço à repressão em todas as escolas do estado? A PM
protege a instituição contra o aluno e o professor, como aqueles
professores perseguidos nominalmente pelas delegacias de ensino e às
vezes expressamente pelo palácio dos Bandeirantes (Sede do governo
do estado). Muitas escolas até mesmo mandam espiões para as
reuniões de professores em greve, como vi pessoalmente em ato da
APEOESP.

Se
observamos a periferia, mesmo os campinhos de futebol, muitas vezes
áreas “nobres” das periferias em pontos planos, estáveis e
elevados, são os primeiros locais tomados pela especulação
imobiliária quando ela chega, impossibilitando até mesmo estas
áreas de lazer, que definem um dos únicos espaços de utilidade
pública nestes locais. Os CEUs se tornam progressivamente escolas e
deixam de ser palco de atividades esportivas e culturais. Mesmo o
grafite e as atividades de hip hop só se tornam possíveis em
espaços cooptados nas áreas centrais da cidade. Grafiteiros deixam
os muros para as galerias e quem freqüenta depois estes espaços?
Novamente, só Patis e Mauricinhos melhor ou pior intencionados.

Do mesmo
modo, quaisquer aglomerações parecem estar sendo vigiadas e
reprimidas, mesmo as torcidas organizadas, como ocorre com a
contenção de todas as reuniões de pessoas que possam vir a se
politizar. Um exemplo é a situação que passaram os membros do
movimento da Rua São Jorge quando jogados pela polícia no meio da
torcida rival.

Com
efeito, não negamos que a “sublimação repressiva” exista, isto
é, que haja uma quantidade socialmente segura de prazer e lazer que
o sistema repressivo capitalista permita para manter as pessoas
felizes num nível administrado, nem que as regras de repressão como
a que vige sobre as drogas e outras formas de entorpecimento tenham
validade maior ou menor conforme a classe social dos envolvidos.

Os
filósofos Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Guy Debord escreveram
muitas páginas sobre como o capitalismo cria uma indústria para
lucrar com o homem fora do trabalho e controlá-lo. Fazer com que ele
se sinta passivo e contemplativo, numa relação quase ritual com o
que lhe daria prazer, permitindo que o sistema o fisgasse em valores
políticos e sociais, assim como criasse uma estrutura que o tornasse
cada vez mais pacato.

O que
queremos afirmar é que outros tipos de lógica repressiva existem,
que convivem e agem de modo adiantado, tentando reprimir
antecipadamente o que somente de modo muito remoto possa pôr em
xeque qualquer princípio do sistema, seja este material ou moral,
como atesta a proibição da maconha, inofensiva até para Fernando
Henrique Cardoso, na prestigiosa e tradicionalmente liberal PUC
[Universidade Católica].

É
igualmente claro que os trabalhadores da bolsa, investidores,
gestores de empresas, trabalhadores da noite e turistas continuarão
num ritmo acelerado e consumindo drogas estimulantes ilícitas, até
mesmo porque o ritmo da vida urbana exige que estejam despertos,
ativos e disponíveis a qualquer momento para um turno de extração
de mais-valia ininterrupto.

No
entanto, as ferramentas de escape e anestesia envolvidas na
socialização do prazer podem pressupor um desejo ambíguo,
manifesto algumas vezes na realização da esperança, do fim da dor,
da comunhão ou mesmo… do comunismo, enquanto outras vezes diga
respeito à autodestruição que talvez nos seduza ao reduzir-nos
apenas ao prazer autodestrutivo, quando o torpor anula o desprazer e
o sofrimento, dando boas vindas ao esquecimento do que se sofre. No
entanto, tudo isto são mercadorias com valor agregado.

A
Parada Gay e a Virada Cultural sobraram como as únicas aglomerações
para o lazer públicas e gratuitas, e não só permitidas, como
fomentadas pela Prefeitura [Câmara Municipal]. No entanto, como
Kassab e Serra notaram, às vezes juntar as pessoas e deixá-las
livres pode dar errado, e é por isso que mantêm a restrição dos
ônibus durante a noite. Mesmo assim, ao tentar passear em meio à
multidão, notaram que a recepção pode ser diversa, como quando foi
“Comparado ao franzino Smeagol, de “O Senhor dos Anéis”. Ou
chamado de lindo. Vaiado. Aplaudido. E até sob rajadas de “vinho
químico” (álcool com sabor artificial), o governador de São
Paulo, José Serra (PSDB), se submeteu à crítica popular ao se
aventurar, à meia-noite de ontem, pelo viaduto do Chá em plena
Virada.” A solução? Serra disse que proibiria o vinho barato dos
bacantes ano que vem, será que isto bastaria? (Veja aqui.)

Uma
exceção da Virada Cultural se mostrou quando a política do gozo
consentido teve limites: no show do Racionais Mcs. Pois quando a
população pobre e jovem veio ao centro de fato, fora do horário de
trabalho, apanharam todos, patrícias, playboys e periféricos,
quando estes presenciaram uma das poucas e legítimas expressões
atuais da cultura da periferia que desceu até o centro. Foi ali que
notamos o quanto o lazer é restrito, até o ponto em que signifique
algo atual e de fato potencialize o aspecto político do conflito
social que vivemos.

A Parada
Gay passa por mais pontos que o protesto, pelos mesmos hospitais, mas
é tolerada, desde que seu público, além da opção sexual,
consuma. É o comércio que permite que a questão sexual exista para
a prefeitura. São Paulo sente falta de um carnaval de rua, isto
parece transparecer na Parada Gay, entristecida pelas cenas de
violência, quando notamos o que é reservado socialmente para a
diferença sexual, quando não é restrita ao consumo em locais
isolados e tolerados. Mesmo assim, temos de notar, a Parada é mais
tolerada pelo Estadão e o PIG do que os ativistas. Mas apesar de
sabermos de seus limites (como quando prenderam José Maria do PSTU
[dirigente do principal partido trotskista]), a Parada Gay não era a
representação de um movimento social?

Na
verdade as pessoas são contidas de diversas formas ao serem
induzidas a circular num espaço pré-determinado e controlado,
seguro, ou mesmo terem barrada a capacidade de expressão e
circulação. Isto se dá inclusive ao se restringir os ônibus em
determinados horários em que os habitantes de bairros de periferia
não possam fazer o impensável e sair da periferia para o centro,
onde restam as poucas áreas de lazer, e fazer como fariam na Virada
Cultural, e por que não?

Eles
fizeram, e fazem, mas pouco depois notaram que os bares passaram a
fechar. Então passaram a andar por aí com um destes vinhos
químicos, ruins mas baratos, e conversar e questionar, afinal, por
que não há ônibus à noite para os bairros de São Paulo? Por que
as únicas “baladas” abertas são, apesar de caras, tão lotadas
[cheias] por não conseguir comportar o volume de pessoas expulsas
dos bares do centro de São Paulo?

Também a
classe média, formada entre outros de estudantes universitários,
pode não notar, mas az uma certa função de “bandeirante”
(como disse a socióloga Nahema), expulsando estes habitantes
indesejados do centro, pois eles expandem a faixa de consumo de uma
região, aumentando o preço da habitação, dos bares e casas
noturnas, ajudando a expulsar os moradores de áreas como a do
centro.

Junto com
estes, o Estadão, como bom xerife do PIG, que já ameaçou dizendo
que não há espaço para o Capital e os ativistas na mesma avenida,
sabe muito bem como resolver a querela caso tenham pensamentos
infelizes e lutem pelo direito de ir e vir daqueles que não têm
carro ou são menores de idade: restrição da circulação por idade
e porrada.

A destruição do gozo ou a destruição pelo gozo?

Vivo condenado a fazer o que não quero
Então bem comportado às vezes eu me desespero
Se faço alguma coisa sempre alguém vem me dizer
Que isso ou aquilo não se deve fazer

Roberto Carlos
 

É
preferível destruir-se para o patrão, para anular o vazio do
desamparo, para a polícia ou para o crack? O PIG, sabemos, opta pelo
patrão e sugere o que fazer com as pessoas que não têm onde gozar
e onde ir. Enfim, para onde vão as pessoas, quando albergues para
moradores de rua fecham e bairros como a Luz e favelas são
destruídos para a construção de prédios onde ninguém mora,
prédios úteis somente para a especulação imobiliária expandir a
acumulação, como ontem foi o Real Parque e hoje acontece em
Paraisópolis? O que oferecer para a população de rua, quando toda
a imprensa quer que esta desapareça, sendo que eles não têm para
onde ir?

Sem
qualquer diminutivo, querem que desapareçam, que sejam aniquilados,
e estes parecem preferir muitas vezes se aniquilar sozinhos enquanto
esperam que a Polícia Militar os liquide, pois os albergues se
tornaram hospícios para poucos habitantes e os moradores de rua
estão entregues ao vazio. E os jovens, o que o crime não oferece na
rua, o Estado abriga na Febem [instituição oficial para acolhimento
de menores, onde vigora um estilo prisional], que se lotará mais
ainda com o toque de recolher por faixa etária.

Coisa
radical, sem dúvida, mas para quem tem recursos materiais de sobra,
o lazer aparece como um evento da natureza, uma contemplação de
obras, filmes, música com moderada interação, de tal modo que
muitas vezes pode resultar no tédio e na busca de prazeres
imaginariamente radicais, que envolvam a transgressão que se vê
radical. Mesmo que estes, por sua vez, mantenham respeitosamente as
coisas em seu lugar, como o sadomasoquismo, que brinca com as imagens
do poder mantendo, ao seu final, tudo como está.

Mesmo
estes prazeres fixos na imagem pornográfica ou contemplativa dos
produtos da indústria cultural em jogos eletrônicos, filmes e
demais produtos, podem ser proibidos, isto é, mesmo expulsando as
pessoas que podem consumir da rua para a intimidade dos lares, a
internet, última bóia salva-vidas de liberdade de expressão formal
e comunista nos produtos partilhados, pode deixar de existir graças
ao projeto Azeredo, proibindo downloads e uploads, escaneamento de
livros úteis aos demais e filmes raros que só possuiriam legendas
devido ao esforço altruísta de interessados digitais.

Até a
partilha digital se torna alvo da fronteira do Capital na intimidade
do que em si não seria proibido, exceto pelo ato de dividir. Ao
mesmo tempo, querem controlar a informação, proibindo que mesmo
expressões voluntárias de repúdio político ou que formulações
de contestação se manifestem, quando os servidores se dispõem a
entregar os IPs para autoridades defensoras de direitos autorais e a
polícia. Considerado tudo isto, que restará fazer, quando até
reclamar se tornará ilegal?

Quando
acabarem com a expressão da insatisfação, São Paulo ficará livre
dos ativistas?

Originalmente publicado em: http://passapalavra.info/?p=8764

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Não dispersem, Não dispersem !

O estado de São Paulo
caminha já para o seu décimo sexto ano de gestão do PSDB [Partido
da Social Democracia Brasileira, do antigo presidente Fernando
Henrique Cardoso]. Um fardo demasiadamente pesado, mesmo que seja
para uma população de reconhecido comportamento eleitoral
conservador. Curiosamente, o estado mais moderno da federação
transitou, praticamente sem intervalos, de um regime ditatorial
escancarado para uma sucessiva troca de gestões tucanas [o tucano é
o símbolo do PSDB], que se enchem de orgulho por terem cunhado um
jeito próprio de governar.

Apesar de a maioria da
população paulista, ao que parece, estar contente com tal situação,
entre os movimentos sindicais e populares – pelo menos entre os
mais combativos – é mais que sabido do que se trata esse jeitão
tucano de governar: nenhuma disposição ao diálogo e reiterado uso
de força bruta para contenção das questões sociais.

E assim tem sido a
dinastia do PSDB em São Paulo, ano a ano, uma série de incontáveis
eventos de retaliação política pesada sobre os movimentos sociais,
a não admissão de quaisquer tipos de mobilização coletiva, que
não tem sequer seu caráter político reconhecido, sendo tratada
invariavelmente enquanto tema policial. Nesse ínterim, não foram
raros os casos em que as perseguições se mostraram nua e cruamente.

Porém, o fato de nos
últimos anos os movimentos sociais, sindicais e estudantis estarem
cada vez mais acuados, figurando como presas fáceis para os
poderosos paulistas, não pode ser explicado tão-somente pela
truculência mais do que esperada das entidades públicas e privadas
que controlam o estado. As experiências municipais e federal revelam
que o mesmo provavelmente aconteceria se, ao invés de PSDB,
estivéssemos submetidos a um estilo de esquerda, petista, de
governar. Que o digam os camelôs [vendedores ambulantes] e perueiros
[condutores e proprietários de mini-autocarros não reconhecidos
legalmente] que tanto apanharam durante a gestão da prefeita Marta
Suplicy, ou, mais recentemente, os controladores de vôo presos e
demitidos e os moradores dos morros cariocas e de algumas cidades do
interior de S ão Paulo que já naturalizaram a presença do exército
e da guarda nacional nas ruas. Ao que tudo indica, o aspecto maior
deste problema reside na própria incapacidade dos movimentos e
organizações de resistência para conseguirem forjar uma
solidariedade mais orgânica e consistente. Ou, pelo menos, é esta a
dimensão do problema sobre a qual nos compete agora refletir: a
nossa estratégia, e não a deles.

Cindidos por categorias
profissionais, regiões, esferas administrativas, faixas salariais,
bairrismos, além das inúmeras siglas ideológicas que hoje compõem
nossa esquerda, os trabalhadores e as camadas populares de uma
maneira geral não têm conseguido se unir em uma oposição comum a
um inimigo que lhes é comum. Os intermináveis anos de supremacia do
PSDB, com o seu incansável projeto de aniquilamento dos movimentos
populares, só são suficientemente eficazes na medida em que há o
abandono, ou o esfacelamento, de um projeto antagônico capaz de
traçar caminhos a médio ou longo prazo e de se organizar em torno
de uma necessidade prática mais do que urgente: defender-se dos
ataques, das punições, das retaliações, das perseguições que
recaem sobre as organizações sociais, sindicais ou estudantis, em
especial sobre os membros mais ativos e personalidades mais
destacadas das entidades de luta.

 

É inadmissível,
porque traz conseqüências irreparáveis para o prosseguimento das
lutas, que companheiros engajados sejam abatidos – um por um – sem
que haja uma resposta conjunta e à altura por parte de todas as
entidades e movimentos que se reclamem comprometidos minimamente com
a justiça social; quaisquer que sejam a categoria e a filiação
ideológica destas pessoas criteriosamente escolhidas. Enquanto os
gestos solidários se resumirem a moções de apoio e ações
isoladas, assistiremos aos tucanos, ou qualquer outra ave da vez, e
às suas tropas de choque marcharem por sobre os territórios
autônomos e estraçalharem todas as liberdades políticas, até que
não reste mais nada, nenhum movimento, nenhum combatente, nenhuma
opinião crítica, nenhuma voz dissonante.

Seria impossível
listarmos aqui todas as atitudes claramente repressoras levadas a
cabo pelo governo do estado nos últimos anos contra as organizações
de classe; embora seja este um esforço que precisa ser feito
rapidamente, antes que a memória das lutas escoe de vez pelo ralo da
história. Lembro apenas de alguns casos mais recentes que, pese
terem causado muita indignação entre as pessoas mais diretamente
envolvidas na ocasião, não ganharam a repercussão que deveriam ter
tido e acabaram contribuindo para a desmoralização interna e
externa dos movimentos sociais aqui em São Paulo.

Em maio de 2000, os
professores do ensino básico da rede pública paulista empreenderam
uma greve duríssima contra o governo estadual. Nessa ocasião, a ala
mais radical da categoria manteve um acampamento no entorno da
Secretaria Estadual de Educação, o que era tido como um desaforo
pessoal pela excêntrica e presunçosa figura do então governador
Mário Covas e pelas elites paulistas. Desta grande mobilização,
que sacudiu o estado por mais de 40 dias, resultou a demissão
sumária de 4 professores militantes e segue até hoje o indiciamento
criminal de outros 35, que no decorrer do processo simplesmente
testemunharam a favor de seus colegas grevistas.

A última mobilização
dos metroviários [funcionários do metro] de São Paulo, em 2007,
também não passou em branco para as autoridades públicas. O Metrô,
num claro gesto de retaliação política, resolveu demitir
[despedir] 61 empregados depois do julgamento do dissídio coletivo,
que considerou abusiva a greve ocorrida nos dias 2 e 3 de agosto.
Cabe lembrar que 4 dirigentes sindicais da categoria já haviam sido
dispensados anteriormente, em represália à paralisação de poucas
horas ocorrida em abril daquele ano. Mesmo recorrendo a todos os
recursos possíveis, até hoje nem todas as readmissões foram
obtidas.

No fim do ano passado,
a reitoria da Universidade de São Paulo anunciou a demissão por
justa causa do funcionário Claudionor Brandão, membro ativo do
sindicato dos trabalhadores daquela instituição. Ele foi acusado de
ter cometido faltas graves, como, por exemplo, ter participado de
piquetes e paralisações em 2005 e 2006 e encampado a luta dos
trabalhadores terceirizados, o que aos olhos dos administradores da
universidade estaria fora de sua alçada legal.

No contexto do
movimento estudantil, exemplos de perseguições, expulsões e mesmo
de repressão policial nos últimos anos não faltam. Em 2005, 7
alunos da Unesp de Franca foram expulsos da instituição por terem
feito um protesto um tanto extravagante diante do reitor. Nesta mesma
gestão, mais 4 discentes da unidade de Araraquara foram banidos em
decorrência de um ato político e cultural que incluiu a pintura de
alguns caixas eletrônicos. Em 2007, quando estourou a onda de
ocupações estudantis por todo o país, enquanto os estudantes da
USP negociavam a saída pacífica de sua ocupação, este campus da
Unesp teve suas dependências invadidas pela tropa de choque, que,
na calada da noite, atendeu aos apelos da diretora da Faculdade e
levou todos os ocupantes presos. De maneira ainda mais covarde, o uso
de força militar no meio universitário também ocorreu neste mesmo
ano na Fundação Santo André, onde os alunos criticavam o abusivo
aumento das mensalidades.

Nem me arrisco a
relacionar outras situações parecidas que envolvam ações do
Movimento dos Sem Terra, do Movimento dos Sem Teto e de moradores de
bairros pobres, pois são inúmeras. Nestes casos, a medida da
violência das forças repressivas do Estado, morbidamente, deve
incluir a contagem de mortos, torturados e desaparecidos. Prática
que, por enquanto, não voltou a ser admitida quando se está a falar
de movimentos estudantis.

Findas as mobilizações,
são sempre os seus protagonistas a serem taxados de violentos,
mesquinhos e defensores de regalias próprias, que agiriam por puro
interesse pessoal, à margem de um suposto interesse geral. Esta
caracterização negativa, somada às punições e demissões que em
regra se seguem a estes movimentos, tem levado ao perene esgarçamento
das formas de luta. Nestes assuntos, há sempre uma unidade
inabalável – tal como nas tropas de choque – entre governos,
magistrados, mídia e outros interesses privados; unidade pouco
praticada entre os de baixo.

Vista desta maneira, a
batalha campal entre funcionários, professores e policiais, em plena
cidade universitária, foi somente a cereja do bolo, ou seja, um
episódio que veio para demonstrar até que ponto há, por parte das
autoridades políticas e econômicas do estado, uma certeza quanto à
fragilidade e ao desgaste em que se encontram os movimentos sociais,
sindicais e estudantis. Noutra correlação de forças, em que
houvesse uma sólida articulação entre as entidades, direções e
organizações de base, com certeza, optar-se-ia por uma solução
mais diplomática, como o foi, por exemplo, há dois anos nesta mesma
instituição. Mas não! Procedeu-se ao exercício mais explícito de
repressão por haver total confiança no que se estava fazendo.
Calculava-se que tal medida teria o apoio não só da população em
geral, que é cotidianamente submetida às lavagens cerebrais da
grande mídia [órgãos de comunicação social], mas, sobretudo, da
própria comunidade universitária – o que foi apavorantemente
confirmado!

A ação violenta da
tropa de choque terá conseqüências muito mais nefastas para a
continuidade das lutas sociais se conseguir fazer dispersar não só
aqueles ativistas que, protegendo-se das bombas e balas de borracha
que choviam no dia 09 de junho, espalhavam-se pelo campus
universitário, mas também para as forças populares que devem agora
se concentrar para travarem o enfrentamento político que a situação
tem imposto. Por já serem numericamente inferiores, os coletivos e
pessoas mais audazes que hoje são capazes de se indignar com os
vários aspectos da opressão social não podem se manter isolados,
sem se reconhecer na luta do outro; sob o risco de, nesta etapa do
conflito, sofrerem uma verdadeira surra de classes. Passa Palavra

http://passapalavra.info/?p=6143

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FORA PM DO MUNDO: RELATO SOBRE A PM NA USP

O Ato de ontem, 9 de
junho, corria normalmente, exceto alguns policiais que volta e meia
provocavam entre a multidão. Por exemplo, num determinado momento um
diretor do sindicato orientava uma motorista que ficou assustada no
carro (fazendo assim o trabalho que deveria ser da CET) quando foi
empurrado por um policial que estava passeando entre a multidão.

Após as pessoas no ato
ficarem gritando “Fora PM !” na frente da fileira da polícia em
formação de choque, pouco depois do portão principal, atirarem
flores, gritarem coxinha e “FORA PM DO MUNDO ” parecia que nada
ia acontecer. Não havia nenhuma tensão entre as pessoas que
voltavam do ato e davam-no por encerrado.

Todos estavam
tranquilos, inclusive a polícia, achando que tudo havia acabado,
quando repentinamente o efetivo de policiais da força tática
paramentados com material de choque aumentou na frente do portão
principal e cinco policiais que, acredita-se, não estavam a observar
passarinhos, apareceram no meio da multidão e provocaram as pessoas
que passavam. Alguém gravou tudo e postará em breve no You Tube.

Um grupo começou a
gritar “Fora PM!, fora PM!” para tentar fazê-los se retirar e os
policiais foram gerando cada vez mais atrito, até que a situação
ficou tensa.

Neste instante
começaram a chover bombas de efeito moral, balas de borracha e gás
lacrimogêneo a tal intensidade que pareciam fogos de artifício. Um
estudante, diretor do DCE [Diretório Central dos Estudantes, a
Associação de Estudantes] que estava na parte da frente do ato,
correu para trás e foi alvejado com uma bala de borracha que se
alojou na perna. Um amigo aplicou-lhe um torniquete pois sangrava
muito e retirou-o do local levando-o ao Hospital Universitário,
infelizmente (pois lá eles ficham alunos atendidos nestas situações
e encaminham para a polícia).

Outros estudantes,
quando caíam no chão, tomaram muitos golpes de tonfa (o cacetete
duro com uma barra lateral) de vários policiais ao mesmo tempo, como
um estudante da Escola de Comunicação e Artes. Soube de 6
estudantes que apanharam muito, e bombas de efeito moral que caíram
sobre seus corpos arrancando nacos de carne quando os atingiram de
raspão.

Neste momento o carro
de som que estava na frente da reitoria foi tentar voltar para chamar
os companheiros e orientá-los quando a polícia prendeu o
sindicalista demitido Claudionor Brandão de cima do carro de som,
junto com um estudante do DCE.

Neste momento fiquei
conduzindo pessoas desorientadas e em crise de choro para o CRUSP
[residência estudantil], antes que a fileira da choque chegasse,
pois a polícia avançava atirando bombas e mais bombas sem permitir
a dispersão. Após vários minutos alguns tentaram resistir,
principalmente para proteger os ônibus de outras cidades que estavam
lá com funcionários e estudantes para o ato do fórum das seis
horas, vindos de várias universidades estaduais paulistas, e pessoas
confusas que não sabiam para onde ir. Há pessoas que não soube do
destino, o que me preocupa.

Observei pela televisão
dos porteiros dos blocos, ao entrar no CRUSP que os prédios do
CRUSP, assim como da FFLCH [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas], estavam cercados e soube que os estudantes subiram até lá
onde estava acontecendo uma reunião da ADUSP [sindicato dos
professores da USP]. Notei que o helicóptero dava coordenadas
precisas para perseguirem todas os aglomerados onde quer que as
pessoas fugissem.

Fui até o sindicato
para saber quem havia sido preso e se algo de pior aconteceu por lá,
pois vi pessoas apanhando na praça do relógio, no centro da
Universidade, e imaginei que os policiais seguissem ao sindicato.

 

Contornamos o prédio
da FFLCH, onde notamos que a polícia havia recuado, mantendo apenas
uma fileira em um lado. Não sei se as pessoas viram que o prédio
estava todo cercado antes e que a fileira da Tropa de Choque estava
no P1, caso houvesse resistência ativa contra a Força Tática.
Descobrimos lá que bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral
interromperam a reunião da ADUSP e que uma caiu ao lado da diretora
da FFLCH, Sandra Nitrini, que estava junto a outras professoras que
iam negociar com a polícia.

Outra bomba de efeito
moral caiu ao lado da professora Adma. Parecia que o prédio ia ser
invadido, mas conseguiram negociar.

Felizmente nada de pior
aconteceu, mas gostaria que os professores também se pronunciassem,
pois a media [comunicação social] mentirá e dirá absurdos.

Houve posteriomente um
ato que se transformou numa assembléia na avenida em frente ao
prédio de FFLCH para encaminhar atividades para hoje, 10 de junho,
como o ato ao meio dia.

Descobri que os
companheiros mais próximos estavam bem, fora balas de borracha e
fragmentos de bombas de efeito moral de raspão. Todos estavam muito
bravos [zangados, excitados] e quando a polícia mandou avisar
indiretamente que deveriam sair da avenida, não saíram.

Muitos alunos desceram
de várias unidades, mas todos estão sendo observados. Há câmeras
por todas parte, a universidade mantém um serviço de inteligência
[vigilância e informação] contra ativistas havia policiais
infiltrados.

Soube de uma aluna que,
pouco antes de chegar, abordou um sujeito perguntando: – O que acha
que está acontecendo ? Ele respondeu: – eu não sei! Ela perguntou:
– Você é de qual unidade ? Ele disse: – Educação Física. Ela
respondeu: – Eu também, qual curso? Ele disse: – Tenho que ir, tenho
que ir … Explicaram pra ela o que é um P2, o policial infiltrado,
e que estávamos sendo vigiados por toda a parte.

Hoje continuará a
tensão, e espero que os professores tenham coragem, pois ontem, toda
a USP foi atacada, estudantes, funcionários e professores.

Apesar de que, deve-se
lembrar, a medida que aprovou que toda a ocorrência de ativistas na
USP demande que se chame a polícia foi aprovada no Conselho
Universitário (na USP chamado C.O., para evitar que a sigla seja CU)
no ano passado, sob pressão do candidato a reitor, diretor do
Direito e de extrema-direita, João Grandino Rodas.

Além disso, deve-se
lembrar que a medida que deu jurisprudência para a polícia contra
os piquetes foi a lei antigreves do interdito proibitório, que faz
com que se utilize um mandato de reintegração de posse de um prédio
que não se tem posse para evitar o piquete. Assim como na Embraer
proíbe-se panfletar a menos de 5 km de raio da fábrica.

Sentimos agora, mas
está em plena vigência desde o ano passado o AI-5 (Ato
institucional número cinco, lei do regime militar que proibia todas
as atividades políticas) contra o ativismo na USP e em todos os
sindicatos que se neguem a apenas regular o valor da mercadoria
trabalho em acordos espúrios com os patrões, controlando os
trabalhadores para que aceitem demissões neste período de crise.

Deve-se lembrar também
que a Polícia Militar é uma força paramilitar brasileira, que é
parecida com muitas outras que permaneceram em operação em países
que passaram por ditaduras mal resolvidas. É um tipo de força
militar que é utilizada contra a população pobre, com maior
violência quanto menor o valor da vida em questão, como se vê em
Paraisópolis e nas ruas de São Paulo, e que é diferente da polícia
que investiga crimes e registra ocorrências cotidianas.

É preciso que as
pessoas não tratem o assunto como Fora PM com suas botas espúrias
de nosso campus sagrado, mas que coloquem com todas as letras e que
se politize o debate: Fora PM do mundo!

Publicado originalmente em: Passa Palavra 

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Ecologia do Medo e Epistemologia da Catátrofe

Henrique Carneiro
 
Os três últimos livros de um dos mais importantes marxistas
norte-americanos, o urbanista e historiador Mike Davis, traduzidos
recentemente no Brasil (Cidades mortas, Record, 2007; O monstro bate à
nossa porta: A ameaça global da gripe aviária, Record, 2006; e Planeta
favela, Boitempo, 2006), assim como a publicação de um novo, Apologia
dos bárbaros: Ensaios contra o império, a sair neste ano também pela
Boitempo (com apresentação de Paulo Daniel Farah), mais a reedição
prometida para 2008, pela mesma editora, de Cidade de quartzo, são
expressões de análises lúcidas e precisas das condições sociais e
ambientais que nos esperam no futuro das próximas décadas.

Davis, membro da revista New Left Review, que lecionou planejamento
urbano no Instituto de Arquitetura do Sul da Califórnia, e atualmente é
professor de História na Universidade da Califórnia, em Irvine, vem
tratando nessas notáveis obras de uma análise crítica das condições
urbanas contemporâneas. Em Cidade de quartzo (Scritta, 1993), contou a
história de Los Angeles, metrópole pósmoderna por excelência, nascida
do nada, no deserto, para tornar-se uma cidade para automóveis,
espalhada como a mais extensa mancha urbana do mundo. Em Holocaustos
coloniais (Record, 2002), analisou as ondas de fome do século 19 e suas
relações com o clima, o mercado mundial e as expansões dos impérios
europeus na Ásia e África. Em O monstro bate à nossa porta (Record,
2006) e Planeta favela (Boitempo, 2006), se debruçou sobre dois dos
mais terríveis cavaleiros do apocalipse: a pobreza e a peste.

É difícil não sentir um arrepio apocalíptico diante dos cenários
catastróficos que se combinam: explosão de hiper-urbanização favelizada
em megacidades, aquecimento global e pandemia. A fome, a doença, a
guerra e a pobreza potencializam-se num complexo espantoso de desastres
e tragédias anunciadas.

Ler Mike Davis é uma tarefa indispensável, mas extremamente sombria.
O futuro que nos espera será terrível. Um “futuro exaurido”, em que
bilhões de seres humanos vão viver amontoados nas maiores cidades que
já existiram em um planeta no qual o aquecimento global, a poluição, o
extermínio da biodiversidade e demais processos de decadência do século
21 serão anunciados na forma de ondas de calor, incêndios, inundações,
pandemias, além, é claro, da violência e da guerra onipresentes.

Um profeta do apocalipse, dir-se-á. E não é para menos, pois como
este crítico implacável do capitalismo e do imperialismo analisa em
suas muitas obras, “tempos estranhos começam”.

Na turbulência do movimento juvenil dos anos 1960 na Califórnia,
Mike Davis, nascido em 1946, tornou-se um jovem ativista da Students
for a Democratic Society, a principal organização de política
estudantil contestadora, e começou sua trajetória como um dos críticos
mais radicais das condições da sociedade contemporânea. Mas,
diferentemente da maioria dos jovens rebeldes brancos, que eram de
classes médias e abastadas, Mike Davis foi aprendiz de açougueiro e
caminhoneiro, antes de tornar-se um professor de planejamento urbano no
Instituto de Arquitetura do Sul da Califórnia.

Sua obra já vasta começou com a análise de Los Angeles como a cidade
síntese da civilização do automóvel, da especulação imobiliária, da
mercantilização da água, da indústria armamentista, do entretenimento e
da alta tecnologia, cujo presídio high tech em pleno centro da cidade
num edifício de vidro e aço é um símbolo mais significativo que o
letreiro de Hollywood. Mais tarde, abordou o fenômeno da cidade
contemporânea, em que as megalópoles tornam-se pela primeira vez na
história da humanidade o lugar de moradia da maioria da população e a
área rural uma zona despovoada em todo o planeta. Essa expansão caótica
é um sintoma mais profundo de uma ruptura da civilização humana com a
sua interdependência da natureza.

O ponto de convergência da crítica de Davis é a noção de cidade,
originalmente vista como um refúgio diante dos perigos da natureza
selvagem e que se tornou hoje em dia o centro de todos os pavores e
inquietações. A “ecologia do medo” visa compreender como a vida urbana
tornou-se tão monstruosa. E não é para menos, já que diante do
apocalipse anunciado é preciso cada vez mais pensar uma “epistemologia
neocatastrofista para reinterpretar a história ocidental”.

Na tradição do pensamento marxista, a análise das condições
habitacionais dos pobres das cidades inglesas foi o ponto de partida de
Friedrich Engels, em A condição da classe trabalhadora na Inglaterra
(1845). Nos dias de hoje, essa tradição crítica do marxismo em relação
à crise urbana refloresce na obra de Mike Davis. Sua perspectiva
ambiciosa aponta para a necessidade de uma “ciência urbana realmente
unificada”, a qual ainda mal podemos vislumbrar, mas que deveria tentar
compreender a dialética entre a “cidade e a natureza”.

A conexão da crítica ao crescente caos urbano com a denúncia da
escala gigantesca do ecocídio que está em curso, aliada a uma arguta
análise da política interna norte-americana, assim como das relações
internacionais, leva Davis a mostrar como a catástrofe da natureza não
se separa das condições da exploração capitalista e da dominação
imperialista mundial, cujo fundamento é uma doutrina de terror militar.

Para isso, uma boa data a ser lembrada é 10 de março de 1945. O dia
do maior morticínio que a humanidade já conheceu no “mais devastador
ataque aéreo na história mundial”, quando duas mil toneladas de napalm
e magnésio incineraram cerca de um milhão de habitantes de Tóquio.

Esse foi o coroamento (seguido, é claro, alguns meses depois, das
bombas atômicas) de uma doutrina militar nascida na GrãBretanha, na
década de 1920, quando Churchill era o secretário da guerra. Essa
“doutrina Churchill” é a do “bombardeio moral”, ou seja, do terror
aéreo contra populações civis. Ele começou a ser praticado no Iraque em
1920, quando a RAF (Royal Air Force) usou, além de bombas, gás
mostarda. As populações coloniais foram as cobaias para o
aperfeiçoamento do bombardeio terrorista contra civis, “a trajetória
até Guernica, Varsóvia, Dresden e Hiroshima começou nas margens do
Tigre e nas encostas do Atlas”.

O modelo da guerra pós-moderna, além da supremacia absoluta do
poderio bélico e dos bombardeios com “armas inteligentes”, enfrentará a
resistência na forma não de exércitos convencionais, mas de milícias
travando “operações militares em territórios urbanos”. A insurgência do
século 21 também terá como cenário as cidades. A “israelização” das
táticas de combate “assimétrico” às milícias insurgentes se aplicará
não só ao Iraque ou à Palestina, mas a qualquer rebelião potencial do
futuro, com a visão panóptica dos satélites e aviões espiões, com armas
eletromagnéticas e de microondas, além das já tradicionais armas
nucleares, químicas e biológicas de destruição em massa. Esse cenário
sombrio é definido por Mike Davis como “o estado de terror puro e
simples: uma Assíria do século 21 com laptops e modems”.

Henrique Carneiro é professor do Departamento de História da USP.

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Quando os estudantes entram na cena política

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Quando os estudantes entram na cena política [1]

 

 Puedo
decir que nos han traicionado? No. Que todos fueron buenos? Tampoco. Pero alli
está una buena voluntad, sin duda y sobretodo, el ser así.

César Vallejo, Trilce, canto LVII

 

 Maio de 68 traz muitas questões. O que fez com
que os estudantes saíssem repentinamente das Universidades em todo o mundo e se
mobilizassem como sujeitos políticos no sentido de uma luta orientada por
bandeiras diferentes das pautas liberais e de esquerda de até então e, mais
ainda, numa luta anticapitalista?

 

Esta pergunta é difícil e há um
mar de livros sobre o tema surgidos de questões que apareceram dos dois lados
das barricadas.

 

 O
Estudante é uma força subversiva?

 

Se pensarmos nas atividades do
estudante que não diretamente o estudo, vemos como o seu papel político muda ao
longo da história. Na Universidade de Paris, em 1432, já se notava a tentativa,
até hoje infrutífera, de proibição de uma atividade extra-curricular bem
famosa, o trote. Pensar nesta atividade é interessante porque apesar de ser
desde sua origem contra ou paralela à instituição, ela se mantém dentro das
balizas da ordem institucional (e mesmo as pressupõe), afirmando-a com maior
intensidade.

 

Chamado Bejaunus, o calouro era comparado a um animal (Bejaunus quer dizer bico amarelo) e sua entrada ao reino dos homens
era intermediada pela purgatio
(purgação), uma série de humilhações equivalentes ao trote de hoje. A violência
mantinha a hierarquia de uma sociedade dividida em estamentos.

 

Mas nenhum trote estudantil foi
tão radical quanto o da Alemanha, onde mortes eram freqüentes e as odes aos
nacionalismos e ao militarismo inspiraram os jovens alemães. Com afinco, estes
jovens se dedicaram às tarefas viris do engajamento militar tanto contra as
nações inimigas, quanto contra os levantes populares e insurreições dentro da
nação, além de cederem os quadros que se alistaram no grande matadouro que foi
a 1ª Guerra Mundial. Pelotões inteiros formados por estudantes foram
massacrados durante à guerra, mas isto não os impediu de posteriormente
aderirem às Freikorps, futuras Seções
de Assalto (as S.A.).

 

 De outro lado, sabe-se que em geral as
tendências científicas e ideológicas da universidade são incorporadas pelo
estudantado, pois estes formam sua consciência a partir das referências que a
universidade lhes fornece, representações de mundo partilhadas, mas históricas.

 

Assim, para as esquerdas,
compostas majoritariamente por intelectuais e trabalhadores combatidos pelo
Estado, se esperava qualquer coisa dos estudantes enquanto grupo social, menos
uma mobilização anti-capitalista de matiz libertária.

 

 A Crise
das Sociedades Avançadas, Abastadas e Ordenadas

 

Para ensaiar uma resposta à
questão da militância estudantil em 68, pensemos nos dois contextos que os
intérpretes do episódio localizam diferentemente nos EUA,na Europa e no Brasil.

 

Ninguém no período achava que
aconteceria o que aconteceu. A Europa se desenvolvia no Estado de Bem Estar
Social, políticas de forte intervenção do Estado garantiram amplos direitos em
muito impulsionadas pelo medo da vitória do comunismo nestes mesmos países onde
os militantes socialistas lutaram bravamente contra o nazismo.

 

 No entanto, os trabalhadores estavam
aburguesados, as pessoas consumiam bem, o que poderia haver de errado?

 

 Havia guerra fria, a intervenção americana e a
soviética, mas nada disso parecia estimular os estudantes a reagir e estes
davam antes sinal de viver num mundo bem administrado. Nesta época, um
sociólogo famoso havia realizado um estudo sobre a reprodução das classes
sociais e suas marcas de distinção na universidade e nada parecia adiantar algo
que fugisse da determinação econômica e social. No entanto, repentinamente, as
universidades explodiram e os trabalhadores a seguiram.

 

Mas haviam pressões até então
ignoradas. Não estava em questão para os estudantes destes países identificados
a uma ampla esquerda sem partidos a escassez ou a necessidade material, mas a
qualidade da vida cotidiana e a necessidade da libertação da experiência na
tentativa de controlar o seu próprio destino, o que se notava pelos grafites,
hoje famosos.

 

O filósofo Herbert Marcuse cunhou
uma expressão para isso: "mais-repressão", isto é, algo como uma
relação entre a mais-valia, o trabalho que fica com quem contrata o
trabalhador, e a repressão que recebemos além daquela necessária para a
realização das atividades orientadas pela civilização, servindo para nosso
controle ao administrar a insatisfação por meio da alienação. Isto foi dito num
dos livros mais divulgados e menos lidos da história, Eros e Civilização, onde
juntava num mesmo raciocínio a crítica da economia-política e psique.

 

Este desajuste não era só do
capitalismo, mas de toda a civilização, e só poderia ser mudado com uma
transformação radical da sociedade que não se esgotasse na planificação da
produção, mas que fosse uma melhora da vida humana.

 

 Outros autores que serviram de baliza para o
período foram Guy Debord e Raoul Vaneigem. Estes deram forma radicalmente
anti-capitalista ao anseios libertadores do período, resultando na crítica ao
que chamam de sociedade do espetáculo, uma crítica da separação da consciência
da própria sociedade entre sua produção e circulação. O que parecia uma mera
crítica aos meios de comunicação de massa se mostrou uma teoria da revolução.

 

Pautas aparentemente pequenas
ganhavam repercussão para além do que aparecia como demanda imediata, o que
incendiou grandes mobilizações em torno da reapropriação da política, e foi a
partir daí que novas vozes apareceram com força, como o feminismo, o movimento negro
e até mesmo as questões ligadas à saúde. Do mesmo modo, a crítica da sociedade
no capitalismo avançado feita em 68 também mostrou suas vítimas no terceiro
mundo, governado por regimes autoritários, como aqueles que assolavam a América
Latina e o Sudeste asiático.

 

A esquerda estudantil brasileira e o projeto nacional

 

No Brasil o contexto era muito
diferente. Os intelectuais progressistas, conforme os postulados da teoria da
dependência acreditavam que só o socialismo desenvolveria o país, isto é, que
só a democracia realizaria economicamente aquilo que o capitalismo produziu nas
sociedades desenvolvidas.

 

Neste caminho, os estudantes,
distanciados de sua origem social, se organizavam em torno de projetos
progressistas sob a influência da Ação Popular ou do Partido Comunista
Brasileiro, realizando programas culturais significativos e acreditando poder
exercer influência política em torno de um projeto de desenvolvimento nacional,
democrático e popular que nunca se cumpriu, postergando a realização do socialismo.

 

Aqui, longe da idéia de
revolução, acreditava-se que era necessária uma transição democrática por
etapas com o apoio de uma burguesia progressista e anti-imperialista (que se
mostrou inexistente). Para tanto, os estudantes se engajavam em campanhas
cívicas como a do Petróleo e as reformas universitárias que tentaram garantir à
duras penas a representação paritária (conquistada em Córdoba, na Argentina, em
1911). No entanto, o AI-5 repentinamente interrompeu esta transição, que não
prosseguiu com a abertura.

 

Muitos estudantes se engajaram
contra a ditadura buscando o retorno da democracia num difícil contexto, o que sentiu
também a Universidade, pois muitos destes estudantes que viriam a sofrer
horrores inimagináveis eram os melhores alunos de suas áreas.

 

Ao mesmo tempo, prosseguiu-se uma
tentativa de modernização dos costumes e relações familiares, onde muitos
acharam um paralelo com o que acontecia na Europa, mas sem vivermos num
capitalismo desenvolvido.

 

Como resposta o regime militar
passou progressivamente a criar espetáculos a partir de manifestações
populares, como o Futebol, o carnaval e as novelas como forma de manter a
população distraída das questões políticas provando que o desenvolvimento
econômico era possível sob um regime autoritário, isto é, sem democratizar-se a
sociedade. Este foi mais um duro golpe para as forças progressistas que
acreditavam que a modernização do Estado implicava em democracia.

 

Com isso fez-se com que as
gerações que nos precedem vivessem um período de desenvolvimento e consumo sem
participação política, e é por isso que, após a abertura, os estudantes
herdaram tantas questões irresolutas e a alienação da maioria deles em relação
às questões políticas da Universidade.

 

A amarga herança de 68

 

Pensando nas questões suscitadas
pelo Maio de 68 europeu e americano, é difícil imaginar algo mais heterogêneo.
Se por um lado as mobilizações contestatórias não foram vitoriosas, suas pautas
foram assumidas pela esquerda e pela direita. A esquerda partidária assume as
pautas das minorias, mesmo que discorde do contexto de onde surgiram suas
manifestações, seja por terem sido espontâneas e, por isso, indisciplinadas e
não controladas, seja porque interpretem o período como uma possibilidade
revolucionária com "crise de direção" (isto é, onde não mandavam) e
que por isso não atingiu o sucesso de uma transformação conforme suas
deliberações congressuais.

 

Outros críticos assumem que o
capitalismo assumiu todas as reivindicações do período, com exceção, talvez, da
legalização das drogas. A publicidade naturalizou a sexualidade e se utiliza do
distanciamento irônico e conciso, parecendo que não estamos mais numa sociedade
que reprime, mas uma que obriga a gozar.

 

Não devemos comemorar ou ficar
melancólicos por 68, mas lembrar que as questões políticas envolvem sempre a
reflexão crítica renovada. Daquele período em que pediam para que a imaginação
subisse ao poder, de tão distante de nosso contexto, podemos somente
imaginá-lo. Mas uma lição poderia ainda ter certa relevância no Brasil, a de
que os estudantes não devem lutar para libertar as forças produtivas, o que
apenas reforça a própria técnica e a gestão ao substituírem a política pelo
controle, mas devem lutar pela emancipação política do Homem, reaprendendo, nos
dias de hoje, o que é transformar a vida em algo digno.

 

"Exigir que a produção
científica do ensino superior seja democratizada, não é pesquisar os meios de
obter uma eficácia maior ou uma organização melhor da produtividade. O impulso
das forças produtivas, que esta exigência de democratização acredita provocar,
é uma contradição com a noção, cada vez menos aceita, de aumento da
produtividade, esta moral da produção destinada a estabelecer o sistema. Por
conseqüência, este impulso sustentado das forças produtivas não reside na
crença das capacidades de produção rápida de sentido, mas na emancipação da
força produtiva viva Homem em vista de lhe permitir determinar e se apropriar
do processo de produção global de sua existência."[2]

 

………………………………

[1] Versão do texto disponível em: http://www.caoc.org.br/bisturi/bisturi_mai08.pdf

[2] Extrato de uma resolução
sobre o ensino superior, adotada pela 22ª Conferência dos delegados do SDS
[Sozialistischer Deutscher Studentenbund], citado em "La revolte des
étudiants allemands", p. 205.

 

Douglas Anfra

 

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CONFLITOS SOCIAIS DAS POLÍCIAS

Conflitos
Sociais das Polícias

Sobre a greve da polícia civil

Politicamente isto é um problema: como se
posicionar frente a um conflito entre governo e as polícias, ainda mais no
contexto brasileiro?

Numa primeira aparência, vemos o conflito entre
polícia militar e civil, nos posicionando ao lado dos grevistas, mesmo sabendo
que num nível mais profundo, ligado às práticas, era um conflito entre aqueles
que até hoje praticam a tortura nas delegacias e aqueles que até hoje praticam
a execução sumária (o julgamento e execução no próprio local do suposto ou
posposto crime).

Mas por outro lado, é bom lembrarmos que a
polícia se desenvolveu num acordo pós-ditadura que a torna praticamente
blindada a reformas, garantida, entre outros, pelo esquema sistêmico de corrupção
que circula as delegacias.

Guaracy Mingardi descrevia isto como uma ecologia
da delegacia onde há o truta (ou ladrão, meliante, elemento, etc.), o ganso (ou
cagüete, dedo-duro, amigo-de-polícia, etc.), o delegado de plantão, o delegado,
o investigador, o escrivão e o advogado de porta de cadeia.

Comecemos pelo esquema mais simples: o ladrão é
preso, normalmente dedurado por alguém conhecido como ganso, o advogado de
porta de cadeia negocia um acordo (ou acerto), o investigador caso aceite
repassa para o escrivão que faz um processo ambíguo, um registro de fácil
contestação de prévio conhecimento do advogado, e a maior parte fica com o
delegado (talvez por possuir curso superior, trabalho complexo?).

Destes, notemos, só o ladrão realizou trabalho e,
muitas vezes, caso o cliente "suma da praça", o próprio advogado realiza
uma falsa denúncia para que ele arranje dinheiro de algum modo, provavelmente
voltando ao crime, onde o advogado assume o papel de ganso.

Cada delegacia produz grana de um jeito, em bairros
nobres, flagrantes de porte de drogas (ameaçando passar a linha tênue entre o
porte e o tráfico) e pobres, com furto ou assalto, a maioria destes casos não
mereceria menção, talvez nem devessem mesmo ser presos por coisinhas tão
diminutas, mas o caso é como isto se relaciona com o cotidiano do policial.

Por que eles fazem isto? – Primeiro por que é
algo sistêmico e que vêm da ditadura e segundo, por que talvez seja impossível
sair disso até hoje por causa dos baixos salários. Em geral, o delegado não ganha
tão mal dentro da delegacia, mas ganha em relação a outros trabalhos públicos
com curso superior em direito, enquanto todo o resto da delegacia ganha pouco
mesmo, o que força a buscar bicos como segurança, e outros já citados (o que
desgasta ainda mais o policial que além de fazer o que faz mal, ainda faz
muitas coisas que cansam muito).

O cotidiano da delegacia é rico em ocorrências,
destas só conhecemos as espetaculares, por que é só estas que interessam à
imprensa, e, principalmente, ao governo do estado, o que faz com que se desprezem
as ocorrências diminutas.

Outro problema é a relação entre a polícia
militar e a civil. Comecemos pelo fato da polícia militar descarregar centenas
de pessoas de quem não tiraram nada na rua, então conduzem estas pessoas para
serem "trabalhadas" (torturadas), infelizmente a única forma de
interrogatório que existe no país.

Destas a grande maioria não tem nada a ver, mas a
lógica da PM é outra, eles trabalham com números, isto é, se tantas pessoas
forem presas, eles, os soldados, são bonificados ou sobem mais rápido na
carreira, seja em número de presos, o que é mais difícil (pois quem prende é a
polícia civil), quanto em número de corpos abatidos, o que é mais fácil, e que
normalmente é reconhecido pelas pessoas (os programas de TV de ou para policiais em geral reclamam pelo número de pessoas soltas sem
se perguntar qual o número destas realmente é envolvido em crimes).

A PM, nem preciso dizer, ganha pouco, isto é
notório, mas o principal é que passam dificuldades econômicas que os levam a
bicos e esquemas corruptos na rua que são bem menos rendosos que os da Polícia
Civil (que obriga a serem feitos em maior quantidade). Além disso, policiais
militares são humilhados e torturados o tempo todo.

Se um policial mata alguém, é premiado, se mata
alguém errado é advertido e deslocado, mas se vai com a bota suja é preso e
pode apanhar. Isso é bem pitoresco, eles são constantemente torturados o que
provavelmente os faz achar que tem o direito de bater em qualquer um, assim
como são obrigados a respirar gás lacrimogêneo e sofrer maus-tratos.

Quando surgem problemas com policiais e soldados
(PMs não são policiais, são uma coisa mais estranha que não cabe aqui explicar)
que querem cumprir regras, eles em geral são “removidos” de delegacia em
delegacia, cada vez mais longe da casa, até aceitar os esquemas normais (ou
então decidem de “livre e espontânea vontade” ir “pra casa do chapéu” onde
ninguém quer ir). Além disso, é recorrente esquecerem tudo o que aprenderam na
academia, sempre considerado bobagem, direitos humanos então? – todos sabem –
mas o problema é que eles também acabam sem direitos no meio das camarilhas.

Tentativas de reforma já foram tentadas e
falharam em todas as vezes, principalmente a tentativa no governo Montoro. Lá,
houve confronto com tiroteio nas delegacias (a PM cercou e atirou nas
delegacias) e depois de três meses o governador Montoro abandonou o grupo de
policiais honestos que reuniu achando que se abandonasse a repressão da PM, ia
haver aumento da violência conforme propagado pela imprensa. Ao contrário, o
que isto levou foi ao advento da ascensão da violência desta fase que chega ao
pico nos anos 80 quando a PM entra em novo confronto com a Civil desta vez
disputando pontos de tráfico no centro.

Nos anos noventa, aí a coisa foi pro brejo, mas
houveram manifestações de PMs em greve em outras partes do país, resultando em
prisão, tortura e intervenção federal do Exército quando convinha contra os
grevistas.

A PM sofre do problema de não ser nem militar nem
civil, isto é, nem ganha bem, nem tem atribuição específica… cobram deles todo
tipo de coisa e ela se modifica conforme os interesses dos batalhões
específicos onde permanecem as ideologias e "técnicas" da ditadura. O
principal é que por defenderem a ordem, eles defendem algo acima da lei e que
não é especificado, sem serem um exército dentro do quartel com regras
específicas, eles estão passeando por aí de camburão levando o terror aos
transeuntes. A idéia de ordem diz respeito a algo acima da lei que permanece
mesmo quando a lei muda, como conjugar isto e uma força policial?

Isto faz com que se tornem em parte esta coisa
doida que são. Poucos sabem, mas a reunião mais importante de um governador
empossado é com as polícias, parece normal até, exceto por um detalhe, esta
reunião é onde é posta a questão do limite das atribuições do governador em
relação às polícias e não o contrário.

Fora isso, a polícia civil raramente entra em
greve principalmente por causa dos delegados, se isto ocorre, é pra valer.
Agora, até onde isso vai, infelizmente depende dos governos federal (que criou
uma tropa de choque nacional do exército) e estadual (as polícias militares),
isto é, se eles vão querer briga e até onde vai.

Há o receio de que tendam a militarizar ainda
mais a polícia civil e não o contrário. Afinal a tendência geral é comprarem
equipamentos e não qualificarem o trabalho e acabarem com a corrupção dando
outras opções melhores.

Toda a vez que algum governador diz: vou melhorar
a segurança pública, normalmente ele quer dizer que além de dar destaque a
casos exemplares, ele vai comprar acessórios, como crianças antigamente em
relação aos “Comandos em Ação”: compra arminhas, tanque, helicóptero,
metralhadora, tudo menos imaginar que há alguém que faz isso e precisa ser qualificado,
parecendo pressupor alguém controlado e disciplinado como um soldado, mas que
ganhe pouco como um leão de chácara.

Mas, mais estranho é, como estão se ligando
nacionalmente os policiais civis se não é via representação sindical? É
utilizando os contatos dos sistemas de inteligência para repressão?

Fica aberta esta questão…

 

                

A tirinha acima foi extraída do Blog Malvados sob autorização do editor, o humorista André Dahmer, acessível em:  http://www.malvados.com.br. Apesar de homônimo, ele não é o mesmo André Dahmer, da Delegacia de Inteligência da Polícia Civil de São Paulo e diretor da Associação dos Delegados de São Paulo.

 

 

 

 

 

 

 

A tirinha acima foi extraída do Blog Malvados sob autorização do
editor, o humorista André Dahmer, acessível em:  http://www.malvados.com.br. Apesar de
homônimo, ele não é o mesmo André Dahmer, da Delegacia de Inteligência da
Polícia Civil de São Paulo e diretor da Associação dos Delegados de São Paulo.

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